A Primavera da Srta. Jean Brodie – Muriel Spark
>> sexta-feira, 26 de maio de 2023
SPARK, Muriel. A Primavera da Srta. Jean Brodie. Rio de Janeiro: Editora
Rocco, 1992. 156p. Título original: The Prime
of Miss Jean Brodie.
"A Primavera da Srta.
Jean Brodie" é talvez o romance mais conhecido de Muriel Spark, ambientado
na década de 1930 em Edimburgo, na Escócia. Como vocês já sabem e ressalto nas
minhas últimas resenhas, atualmente curso um mestrado na Universidade de
Edimburgo (cuja origem relato AQUI), e tenho buscado encontrar mais livros de
autores escoceses ou ambientados na cidade. Assim, as aventuras da controversa
professora Jean Brodie é leitura obrigatória, considerado até hoje um livro que
retrata as belezas e os cenários da cidade. Escrito em 1961, a história gira em
torno da Srta Jean Brodie, uma professora não convencional e carismática da Escola
para meninas Marcia Blaine. A Srta. Brodie seleciona um grupo de seis alunas, a
quem chama de "o conjunto Brodie", e procura influenciar e moldar
suas vidas de acordo com suas próprias ideias e ideais. Adotando técnicas do
narrador onisciente em conjunto com uma narrativa não linear, o romance explora
o impacto dos métodos de ensino pouco ortodoxos e das crenças pessoais da Srta.
Brodie sobre as meninas enquanto elas navegam em seus anos de formação,
revelando as consequências fortalecedoras e potencialmente perigosas de sua
influência.
A autora, Muriel
Spark, nasceu em 1918 em Edimburgo, a capital da Escócia. Considerada uma das
autoras britânicas mais aclamadas e influentes do século XX, suas obras
frequentemente exploram temas de moralidade, identidade e as complexidades das
relações humanas. A Escócia valoriza sua tradição de contadores de histórias, e
tive o prazer de frequentar eventos e iniciativas do ótimo ScottishStorytelling Centre. Nesse aspecto, Muriel Sparks é uma das filhas mais
reconhecidas da cidade.
"A Primavera da Srta.
Jean Brodie" é um dos romances mais renomados de Spark
e permanece relevante devido à sua exploração de poder, influência e o papel da
educação na formação de mentes jovens. Porém, mais do que tudo, o livro nos
traz a discussão sobre o que se espera de uma mulher em determinadas posições e
classes, e o que acontece quando alguém ousa se aventurar fora das
conformidades. Essa é a protagonista Jean Brodie: uma professora que vive nas
ideias, exalta Mussolini e a antiguidade, e ajuda o despertar de suas jovens
pupilas. Uma figura certamente questionável e problemática, mas que escolheu
viver a sua primavera fora das convenções, e como consegue exercer uma
magnética influência em suas alunas devido ao seu inigualável carisma.
Na
Edimburgo da década de 1930, um grupo de seis meninas de 10 anos: Sandy, Rose,
Mary, Jenny, Monica e Eunice, recebe a Srta. Jean Brodie como professora. A Srta.
Brodie, que se vê no auge, a sua primavera, ensina suas alunas muito além do
currículo da escola (e às vezes até mesmo no lugar de conteúdos obrigatórios), como
história da arte, estudos clássicos e até sua visão ultra romântica de
acontecimentos históricos (e a sua fascinação com o fascismo italiano). Essas
seis garotas, conhecidas como o "conjunto Brodie", começam a se
destacar do resto da escola sob a influência da professora. Porém, a narrativa
do livro não é linear, e logo descobrimos que, no futuro, uma delas trairá a
Srta. Brodie, encerrando sua carreira de professora, e que ela nunca descobrirá
a identidade da traidora.
Conforme as
meninas avançam para a Escola Secundária, elas mantêm sua identidade como um
grupo, e a Srta. Brodie continua a manter contato fora do horário escolar,
convidando-as para sua casa. A diretora, Miss Mackay, tenta minar seu vínculo e
coleta informações para justificar sua demissão. Até um certo ponto, essas
tentativas foram em vão, e as alunas em muito se inspiram e muito descobrem sob
a influência da professora, inclusive seu despertar para a vida adulta. Tudo
isso com a belíssima cidade de Edimburgo como cenário, desde seu magnífico
centro histórico até seu discreto e imponente litoral portuário.
A leitura
desse livro foi uma experiência literária interessante e um tanto quanto
especial. Os primeiros parágrafos me deram a sensação única e deliciosa de
estar diante de um possível favorito, e fiz questão de desfrutar da leitura devagar,
aproveitando cada palavra. O estilo literário de Muriel Spark me faz querer ler
outras obras num futuro próximo, e ir com calma desbravando a Edimburgo de Jean
Brodie e suas garotas.
Não
conhecia muito sobre o livro, exceto ser a leitura recomendada para aqueles que
desejam uma representação literária da cidade, e o fato de o filme baseado no livro deu à Maggie Smith (atualmente mais famosa por sua atuação como Minerva
McGonagall na série Harry Potter) seu primeiro Oscar em
1970. Já estava na minha lista e sabia que precisava ler na cidade, e o início
da primavera me pareceu o melhor momento. E foi.
“A
Primavera da Srta Jean Brodie” é um livro único e diferente de tudo que já li.
Com tons que lembram histórias de descoberta da juventude, a autora habilmente
se afasta de clichês para montar uma história única e um estilo próprio. Esse
livro parece ser diversas obras e diversos estilos, mas delas tem muito pouco,
se não apenas pequenos traços que às vezes percebemos até um certo sarcasmo
domado ao brincar com os clichês de representações literárias. A Srta. Brodie
poderia ser um ícone gigante do feminismo literário e da representação da
mulher no Reino Unido, mas está bem longe disso. Temos uma certa tendência a
nos apegar a heróis literários, como fazemos com Atticus Finch em “O Sol é Para
Todos”, e eu senti que estava tentando fazer o mesmo com a protagonista desse
livro. Mas não, essa não é uma história sobre uma heroína, mas sim sobre como
uma mulher pode ter incríveis falhas, ir completamente contra o comportamento
padrão da época e das regras mais básicas da sociedade, e mesmo assim exercer
sobre a geração mais jovem uma atração que beira a idolatria. Eu pessoalmente
adorei a sensação de me ver apaixonando pela protagonista, para logo perceber
que era cilada. E gostei muito da narração não linear, que ajudou a quebrar a
narrativa romântica ao mostrar o destino não muito feliz de várias das meninas,
e da própria protagonista.
Assim que
acabei a leitura, procurei assistir o filme, que traz diferenças consideráveis,
mas mantém a essência da personagem que sente um prazer em quebrar regras com a
cabeça erguida e muita compostura. O bastante para convencer alunas de lutar a
favor de Franco e procurar o despertar de suas primaveras com homens mais
velhos. Por questões de estrutura de roteiro, o filme abandona a narrativa não
linear, o que, na minha opinião, empobrece a história. Mas é inegável que
Maggie Smith nasceu para interpretar esse papel, e é uma ótima maneira de ver
um pouco mais dessa linda cidade medieval que em tanto mostra o que é a Escócia.
Talvez eu
tenha escrito essa resenha um pouco cedo demais. Acho que precisava de alguns
meses para ruminar a história e seus significados na minha cabeça, curtindo o tempo primaveril da cidade. Mas o que tenho para falar como avaliação do livro
é que foi uma leitura marcante, mas que me deixou com uma sensação um pouco
ruim. Me chamem de ultrapassada, mas eu adoro meus heróis literários, e
gostaria muito que a Srta. Brodie fosse uma delas. Mas se ela fosse, talvez esse
livro não seria especial. Ainda considero uma leitura boa e obrigatória para
quem deseja se aventurar pela cidade, mas sobre entrar na estante de leituras
favoritas... só o tempo dirá! Quem sabe com o tempo eu resolva aumentar a nota?
Enquanto
isso vou eu curtir a minha primavera, que reservei para esse momento da minha
vida, com um sorriso no rosto.
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Avaliação (1 a 5):