A Morte do Almirante - Agatha Christie e o Detection Club

>>  sexta-feira, 5 de maio de 2023


CHRISTIE, Agatha et al. A Morte do Almirante. Rio de Janeiro: Editora Record, 1987. 258p. Título original: The Floating Admiral.

A Morte do Almirante é o décimo sexto livro do PROJETO AGATHA CHRISTIE. Foi publicado em 1931, escrito por 14 membros do Detection Club, uma organização britânica composta por autores de livros de mistério e suspense, sendo um desses participantes ninguém menos que Agatha Christie. Composto por 13 capítulos, cada um escrito por um autor diferente (exceto um escrito por dois), o livro nos traz o caso da morte do Almirante Penistone, cujo corpo foi encontrado em um barco. O Projeto Agatha Christie é uma iniciativa do Blog Viagem Literária para reunir leitores fãs da autora e que desejam ler ou reler a sua obra, seguindo a ordem cronológica de lançamento dos livros. Lemos juntos um livro por mês e nesse período conversamos sobre nossas impressões e compartilhamos experiências. Ainda dá tempo de entrar, é só acessar as informações do Projeto no post de apresentação, que você encontra AQUI.

Nas próprias palavras do livro, "o romance foi escrito por partes, cada membro se encarregando de um capítulo, recheando-o de indícios e problemas e passando para o colaborador seguinte, cuja função era resolver o mistério apresentado sem ter a mínima ideia da solução concebida pelo colaborador anterior". Participaram do livro: Anthony Berkeley; G.K. Chesterton; Agatha Christie; G.D.H. e M. Cole; F.W. Crofts; Clemence Dane; Edgar Jepaon; Milward Kennedy; Ronald Knox; John Rhode; Dorothy L. Sayers; Henry Wade e Victor Whitechurch. 


Um livro bem diferente, escrito na forma de um exercício literário que eu adoraria fazer parte. Na verdade, fiz isso uma vez, em um curso de literatura que fiz em 2019, em Bristol, Inglaterra. Acho que essa é uma atividade comum com o objetivo de fluir a criatividade, e foi bem divertida. No meu caso, cada pessoa era responsável por um parágrafo, até termos um conto. O resultado sempre é imprevisível e completamente diferente do que a primeira pessoa, a criadora do parágrafo que deu origem a história, imaginou. No meu caso, lembro que escrevi pensando em uma trama de mistério, tendo o personagem principal olhando para a cena do crime e pensando no que fazer. Ao final, o conto virou uma história de ficção científica, envolvendo vida extraterrestre e viagem no tempo, quase uma cópia de Doctor Who, um dos seriados mais duradouros e queridos dos britânicos.


Trago essa minha experiência pessoal como um lugar de fala para dizer que nem toda história gerada nesses termos é necessariamente boa, ou digna de publicação. É um exercício divertido e criativo, mas é preciso muito controle e coordenação para manter coerência de enredo e uma linha de raciocínio que dê ao leitor a sensação de ler algo completo e bem pensado. E nisso, tenho que parabenizar o livro. É clara a diferença narrativa entre os capítulos, com cada autor trazendo um pouco de seu estilo e sua experiência, mas o livro certamente não perde o controle e debandeia para algo completamente inusitado, como fizeram com o meu conto (acho que ainda guardo um certo rancor). Mas o Clube conseguiu se ater ao objetivo e, ao final, teve uma obra divertidinha publicada. E conseguiram isso com regras estritas e bem observadas pelos participantes, todos escritores do gênero policial e, de certa forma, já consagrados no efervescente mercado editorial britânico. Essas regras nos foram passadas logo no início do livro, e são:


  • Fazer com que os seus detetives usassem apenas recursos próprios sem lançar mão de acasos ou de coincidências;

  • Não inventar raios mortíferos e venenos para dar soluções que nenhuma pessoa viva pudesse esperar;

  • Escrever na melhor forma literária possível.

  • Cada escritor deveria ter uma solução original em vista, enquanto estivesse fazendo a sua parte;

  • ninguém poderia introduzir novas complicações unicamente para confundir;

  • todos deveriam estar em condições, a qualquer momento, de explicar cada um dos indícios de maneira coerente e plausível;

  • Cada autor era obrigado a apresentar sua própria solução ao mistério (e elas estão disponíveis no fim do livro)

  • Cada colaborador deveria tratar honestamente de todas as dificuldades criadas por seus predecessores.


Certamente o meu conto teria se beneficiado dessas regras, e acredito que elas ajudaram o livro a existir. E não consigo deixar de pensar que a regra dos venenos foi direcionada especialmente para a nossa Dama do Crime. 


A história começa com a descoberta do corpo do Almirante Penistone, encontrado em um barco pertencente ao vigário da vila, o reverendo Mount. A história segue as investigações do inspetor Rudge, designado para o caso, e outros detetives e detetives amadores, cada um com suas próprias teorias e suspeitos, enquanto tentam resolver o mistério. Ao longo do caminho, vamos conhecendo diversos personagens com motivos diversos e certas peculiaridades, como Neddy Ware, que encontrou o corpo do Almirante, Constable Hempstead, que avistou uma figura misteriosa em um carro, e Sir Wilfrid Denny, um amigo do Almirante que estranhamente correu para Londres na manhã da descoberta do corpo. Elma Holland, sobrinha do almirante, e seu noivo, Arthur Holland, também desempenham um papel significativo na história, assim como o irmão de Elma, Walter Fitzgerald, que está desaparecido há algum tempo. À medida que a investigação se desenrola, cada personagem se torna um suspeito em potencial, e a história é repleta de reviravoltas.


Mas vamos falar da Dama do crime e sua contribuição. A vez de Agatha Christie, a razão pela qual o livro entra na nossa lista, chega no capítulo IV, intitulado "Principalmente Conversas". A autora começa seus trabalhos procurando dar mais personalidade para os personagens. Rudge é descrito como "diplomata" e uma pessoa difícil de se decifrar. Ela retoma elementos trazidos pelos seus antecessores, mencionando fatos nos diálogos, uma estratégia para manter o leitor informado e envolvido no processo do desenvolvimento da história, ao mesmo tempo que avança em suas hipóteses. Conhecendo seu estilo literário até aqui, 16 livros adentro, consigo entender o porquê de sua escolha. Todos os livros que lemos até agora mostram diálogos entre personagens, especialmente o que lidera a investigação com uma pessoa que serve de ajuda esporádica para a linha de raciocínio. É a dinâmica, por exemplo, entre Poirot e Hastings. A autora usa uma dupla para dialogar sobre as possibilidades do mistério e, assim, informar o leitor das hipóteses. É uma técnica narrativa interessante que ela vem dominando, e não me surpreende em nada de ela ter usado em seu capítulo. 


A autora também não tardou em introduzir uma nova personagem, a Sra. Davis, que dirige o Hotel Lorde Marshall, descrita como aquela que tem "a língua mais comprida em Whynmounth". Eu achei esse fato engraçado, pois essa é outra coisa que a autora gosta de inserir em suas histórias: a fofoqueira da vizinhança, fonte de informações valiosas para a investigação. Eu acho que isso faz parte do seu pacote "cosy mystery", que tanto gostamos e procuramos nas leituras. Olha, eu sou daquelas que acredita no poder edificante de uma boa fofoca, a fofoca leve, divertida, do bem… E a escrita de Agatha Christie me traz essa sensação. Então eu digo sim para a presença da fofoqueira da cidade nas investigações, porque não? Mas esse elemento não aparece apenas com a Sra. Davis. A autora também introduz Sir Wilfrid Denny, que "parece ser a única pessoa das vizinhanças que sabe alguma coisa sobre o homem assassinado". E tem também a tentativa de humor, com uma linguagem leve e diálogos engraçados. Por exemplo, ao falar da presença de estrangeiros na vila, citando que o culpado provavelmente havia estado da Itália por conta de um estilete, a autora escreve o seguinte diálogo, conduzido pela Sra Davis:


"Não… não temos muitos estrangeiros em Whynmouth… exceto, é claro, americanos… mas estes não são exatamente o que poderíamos chamar de estrangeiros… apenas um tipo estranho de ingleses, que é como eu os encaro!"


Em uma outra vida, um outro universo onde eu escolhi estudar literatura, adoraria conduzir uma pesquisa sobre o tratamento do estrangeiro na escrita de Agatha Christie. Ela certamente usa a figura como técnica de humor. Essa passagem foi engraçada, mas em livros anteriores foi um pouco problemático. Quem se lembra de "O Segredo de Chimneys"?


Resumindo a sua participação na história, a autora retoma alguns assuntos trazidos anteriormente, da um papel central ao investigador do caso, o Sr. Rudge e traz informações novas pela frutífera fonte da fofoca. É ela quem coloca o Almirante Penistone na ânsia para pegar um trem e a incongruência com a descoberta do corpo, um bom gancho para o próximo escritor.


O resultado final foi um livro interessante, embora um pouco perdido. Talvez por sabermos da diferença de autoria em cada capítulo, é impossível não perceber a mudança de estilo narrativo. Isso faz o livro um pouco esquisito, embora o resultado final não seja ruim. A leitura certamente é uma experiência interessante e nos apresenta a escritores do gênero que quem sabe um dia possa procurar, até mesmo para entender a história e o desenvolvimento do gênero. Porém, apesar de uma leitura interessante, existem exemplares melhores e considero essa uma obra mediana. Ainda divertida, mas certamente não será uma das minhas recomendações ao final do projeto.


Quem sabe o próximo me agradará mais? Continuaremos o projeto com "A Casa do Penhasco". Até mais!


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Avaliação: 2.5




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