Viagem Literária: O mais cruel dos meses

PENNY, Louise. O mais cruel dos meses. São Paulo: Editora Arqueiro, 2022. 400p. (Inspetor Gamache, v.3). Título original: The Cruelest Month.

"E Gamache, o patético e fraco Gamache, já o estava perdoando por fazer aquilo. Aquele era seu pior defeito, sua fraqueza. Ele amava perdoar." p.232

A série Inspetor Gamache chega ao seu 3º volume e eu estou cada vez mais apaixonada! Uma narrativa diferente, personagens incríveis e uma trama impecável. Confiram o que achei de O mais cruel dos meses da Louise Penny.

Esta resenha não contém spoilers sobre os volumes anteriores.

Estamos de volta à pequena Three Pines, um vilarejo paradisíaco escondido em Quebec. Todos os moradores se conhecem, vivem uma vida feliz e pacata naquele lugar. Ou assim deveria ser... nos últimos anos eles passaram por momentos difíceis e o antigo casarão dos Hadleys deixa isso difícil de esquecer. Ele parece concentrar todo o mal existente na cidade, observa de longe os moradores, lá no alto da coluna. Todos evitam o lugar, que está à venda e sem compradores depois de tudo o que aconteceu por lá.

Quando uma médium chega a cidade e se hospeda na pousada do Gabi, ele logo cria mais um dos seus "eventos" inusitados. Convida a tal vidente, Jeanne Chauvet, para conduzir uma sessão espírita para o grupo. E entre pessoas incrédulas, reticentes e assustadas, um grupo sobe a coluna para fazer a sessão no casarão Hadleys. A ideia é livrar a cidade do mal, mas algo acontece no local e alguém morre. Será que é possível alguém morrer de susto?

É o que o inspetor-chefe Armand Gamache precisa descobrir. Ele chega a cidade com sua equipe, sem saber se a morte foi acidental ou um assassinato. Seu braço direito, Jean Guy, está sempre muito preocupado com seu mentor e amigo, ele sabe que alguém poderoso de dentro da Sûreté quer destruí-lo, para se vingar do caso Arnot. Isso aconteceu há alguns anos, mas nunca foi esquecido. E um grupo grande e poderoso, quer se vingar de Gamache, o homem que enviou um colega para a prisão por assassinato. Além dele, também estão presentes Isabelle Lacoste e os novatos na equipe: Robert Lemieux e a agente Nichol. Gamache desconfia que existe um espião em sua equipe, mas quem seria ele?

Gamache precisa enfrentar seus maiores medos enquanto busca pela verdade. Ele acredita em tudo, e se uma casa é mal assombrada, ele pretende enfrentar o perigo de frente. Enquanto isso, sua vida pessoal ameaça ser destruída quando seus inimigos atacam ele e sua família na mídia. E uma grande questão, paira sobre todos: Existem fantasmas, ou o mal está guiando apenas as ações de um deles?

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O melhor da série até agora, que livro!! Eu amei o enredo, a forma como a autora desenvolve personagens tão complexos e com uma análise psicológica tão bem feita. O mistério com um pé no sobrenatural que só saberemos se existe ou não mesmo no final do livro e o grande segredo que vem sendo contado desde o primeiro livro, sendo finalmente desvendado. Para mim este livro levou a série para outro patamar, e agora eu espero muito que a Editora Arqueiro lance todos os livros por aqui.

Gamache é um protagonista bem incomum. Ele não tem toda aquela pompa da maioria dos grandes detetives que conhecemos, parece quase um avô bonzinho na maior parte do tempo. Ele possui um lado humano muito forte, é muito solidário com todos e investiga tudo com muito cuidado. Suas perguntas pouco objetivas deixam seus colegas impacientes e sua bondade é vista como fraqueza por muitos. E aí reside boa parte da magia desses livros, Gamache é incrível!! Ele escuta mais do que fala, observa mais do que age e pensa muito sobre tudo. E no final, ele sabe muito mais do que qualquer um imaginou.

Seu jeito apático para combater seus inimigos da polícia chegam a irritar, mas eu acreditava desde o primeiro livro que ele sabia mais do que demonstrava. E nesse livro termina um dos plots principais, em aberto desde o livro 1, o tal caso Arnot do passado. E valeu a pena esperar três livros por isso, essa parte foi de arrepiar. E eu adorei está completamente enganada sobre alguém.

Eu adoro a maioria dos personagens, a forma como são desenvolvidos, ótimas pessoas, mas com defeitos terríveis. São personalidades muito profundas e todos poderiam fazer uma vida de terapia (risos). A grande dicotomia no relacionamento de Clara e Peter foi o grande destaque. Os dois são artistas, mas Peter sempre foi muito elogiado e seus quadros rendem um bom dinheiro. Já Clara passou a vida esperando ser "descoberta". E agora chega sua grande chance, um dos seus quadros é muito elogiado e ela pode ter finalmente sua grande exposição. E o que Peter faz? Ele que ama a esposa, mas sempre foi o talento entre o casal? Ele fala que um dos seus quadros perfeitos está ruim e ela estraga tudo tentando consertar. A inveja corrói Peter por boa parte do livro, e eu queria esganá-lo! Ruth também é sempre uma surpresa. Uma poeta famosa, uma senhora grossa e mal educada. Ela trata todo mundo mal, dá patada a torto e a direito, é uma velha solitária e ranzinza... que salva dois ovos de pato, cuida deles até chocar e depois fica andando com os patinhos pela cidade como se fossem seus filhos.

E por aí vai, é cada personagem peculiar que eu poderia ficar horas falando de cada coadjuvante aqui. Eles são construídos com tamanha maestria, que cada um deles poderia ganhar seu próprio livro. Contrabalanceando esse lado mais pesado, temos Gabi e Olivier, um casal gay sensacional! Eles são os donos da pousada e de um restaurante, e garantem um ar leve e divertido, as descrições das comidas deixam com água na boca e colocou o Canadá em um dos meus roteiros de viagens futuros (tudo bem que minha irmã está morando em Quebec agora, só um detalhe hahaha). Temos também Myrna, a dona da livraria local e uma psicóloga aposentada que tem os melhores diálogos com Gamache e sempre fala de livros diferentes e incríveis.

Falando neles, eu não contei quem é de propósito. A morte demora a acontecer nesse livro e fica aquele suspense de "quem morreu" porque sabemos logo quem estava lá na sessão espírita. Então não vou contar, mas eu adorei tudo sobre o crime e seus desdobramentos até o final. Este volume tem uma vibe quase sobrenatural no que diz respeito a tal casa lá abandonada. Eu senti um ar de Stephen King durante todo o livro! Se a autora perpetua isso como fato ou desvenda o mistério no plano real mesmo, só se fala no final.

Para amar essa série precisa-se de mais maturidade e até um pouco de sutileza, não é um livro para qualquer leitor. Não é um policial comum do tipo "quem matou", é muito mais complexo do que isso. O "quem matou" passa a ser apenas um detalhe. Uma história autêntica e que foge do lugar comum dos livros de mistério. É uma viagem incrível e indico para todos que curtam esse estilo, leiam!

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Série Inspetor Gamache: