Uma questão de química - Bonnie Garmus
>> segunda-feira, 20 de junho de 2022
GARMUS, Bonnie. Uma questão de química. São Paulo: Editora Arqueiro, 2022. 384p. Título original: Lessons in chemistry.
"- Às vezes eu acho - acrescentou ela devagar - que, se um homem tivesse que viver um único dia sendo mulher nos Estados Unidos, ele não passaria do meio-dia.
A mulher no outro lado do jornalista de uma batidinha no joelho dele.
- Prepare-se para uma revolta." p. 317
Vocês sabem que eu adoro uma estatística (não é atoa que sou casada com um kkk), eu leio em média 100 livros por ano, entre eles, talvez uns 10 se destacam a cada ano. E quando eu digo que um livro superou as minhas expectativas e me surpreendeu, tenham isso em mente e levem a sério! (risos) Sem mais, confiram o que eu achei de Uma questão de química da Bonnie Garmus.
Nos EUA na década de 60 a comunidade científica não tem uma visão igualitária dos gêneros. Uma mulher para conseguir se formar em um curso superior tem que superar inúmeras dificuldades, obter uma vaga no mercado de trabalho então, nem se fala. Elas precisam trabalhar mais, engolir insultos, receber menos e torcer para não ser menosprezada e/ou assediada diariamente.
"- Mas, em vez disso - continuou ela -, as mulheres estão em casa, fazendo bebês e limpando tapetes. É uma escravidão legalizada. Até o trabalho das mulheres que querem ser donas de casa é completamente mal interpretado. Os homens parecem achar que a principal tarefa de uma mãe de cinco filhos é escolher a cor do esmalte para as unhas." p.30
Elizabeth Zott sofreu na pele todo tipo de preconceito, agressão e insulto. Uma química talentosa que vem sofrendo abusos desde que começou a estudar. E hoje, trabalhando no instituto Hastings, nada mudou. Ela é diariamente menosprezada, insultada, sabotada e ignorada. Elizabeth é linda, inteligente, orgulhosa e persistente. Ela ignora e segue em frente. Uma mulher solteira é vista como um fracasso em seu "papel" de mulher. Seu talento e sua inteligência servem pouco, em vista da "grande honra" de se ter um marido, cuidar do lar e ter filhos.
Calvin Evans é um químico idolatrado no mesmo instituto. Ele é uma estrela de sucesso, um homem introvertido, que desperta inveja e antipatia por onde passa. Além do trabalho, ele pratica remo e é apaixonado pelo esporte. Calvin perdeu os pais muito cedo e depois a tia que o adotou. Foi criado em um orfanato e sempre esteve sozinho. Quando Calvin conhece Elizabeth, pela primeira vez, ela se sente valorizada. Ele reconhece o seu talento e a trata como uma igual. E entre eles, surge uma paixão avassaladora, apenas "uma questão de química".
Alguns anos depois a vida muda tudo. E Elizabeth é agora mãe de uma menina de 5 anos, Mad. E de um cachorro de idade desconhecida, Seis e meia. E se isso não fosse surpresa suficiente, Elizabeth é descoberta por um produtor de TV, que insiste que ela seja a nova apresentadora de um programa de culinária! Afinal, cozinhar é apenas uma questão de química. Com uma abordagem incomum, seus pratos deliciosos surpreendem. E Elizabeth não está convidado às mulheres apenas para fazer o jantar, ela está desafiando-as a pensar e a mudar seu papel no mundo.
"Antes uma pesquisadora química, Elizabeth Zott era uma mulher com a pele perfeita e o comportamento inequívoco de alguém que não era medíocre e nunca seria." p.7
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Que livro incrível! As mulheres contra o mundo, um livro atemporal com uma narrativa excelente, personagens incríveis e uma história de ficção muito real. Mostrando cenas dramáticas, mas com um olhar otimista, este romance superou todas as minhas expectativas, eu amei TUDO!
Eu mal acredito que este é o primeiro trabalho da Garmus, a autora demonstra experiência em cada capítulo. A história flui muito bem e é toda muito bem amarrada. Quem aqui é fã de This is us? É a série mais bem amarrada da atualidade e esse livro segue esta linha. A autora sabia exatamente onde queria chegar e ligou todos os pontos com maestria. A narrativa é impecável!
E os personagens são incríveis! Você quer abraçar Elizabeth e dizer que o mundo vai melhorar! Que estamos longe de chegar lá ainda, mas já melhorou um pouco no que diz respeito às mulheres na sociedade. Porque todo o preconceito, todas as discriminações que Elizabeth sofreu lá na década de 60, são muito reais e muito atuais. Claro que a acessibilidade melhorou, mas as mulheres continuam sim sofrendo preconceito em determinadas carreiras (principalmente naquelas que os homens acreditam lhe pertencer), continuam ganhando menos que homens que executam as mesmas funções, continuam sendo julgadas por aparência, peso, roupas e escolhas pessoas. Continuam sendo marginalizadas, agredidas e humilhadas. Quantas mulheres são vítimas diárias de agressão doméstica? Quantas sofrem ou já sofreram assédio sexual no trabalho? E quantas não falaram nada??? (a maioria, pelo simples instinto de sobrevivência). Quantas, mesmo lutando por justiça, foram ignoradas? Quantas mulheres vocês já viram que denunciaram uma agressão sexual e receberam de volta olhares e palavras de acusação? "Mas também com aquela roupa"... "Se foi na casa dele, o que ela esperava?", "Ela estava querendo". Falta muita coisa em nossa sociedade, mas infelizmente, como na ficção, falta muita sororidade entre as mulheres.
Divaguei um pouco, me desculpem. Voltando aos personagens, Elizabeth é uma mulher inteligente, sincera, forte e com uma energia infinita. Corajosa e determinada, ela se recusa a ser moldada, a ser colocada em segundo plano, ela luta, sempre, ela segue lutando! Ela lembra bastante outra Elizabeth, a de O gambito da rainha. O livro tem diálogos incríveis e um senso de humor afiado. Além da protagonista, temos Mad, uma criança excepcional! Elizabeth cria tanto a filha quanto seu cachorro com uma determinação tranquila, ambos devem ser ensinados e acolhidos, não moldados. E Mad é uma criança brilhante como a mãe, muito independente e determinada aos 5 anos de idade. Já Seis e meia, o melhor personagem do livro kkk (o que posso fazer se o cachorro roubou todas as cenas??) tem o mesmo privilégio. O cachorro já aprendeu inúmeras palavras e a lista só aumenta. E Seis e meia brinda o leitor com sua própria narrativa, que claro, me emocionou. Temos Harriet, a vizinha de Elizabeth, uma mulher que quebra paradigmas para ajudar ao próximo. E tem muitos outros personagens excelentes!
O enredo é tocante e muito bem construído. Alguns desdobramentos foram previsíveis, imaginei boa parte do que vinha pela frente, mas não deixa de tocar o coração do leitor. Eu terminei a leitura feliz, emocionada e determinada. Afinal, só cabe a cada um de nós construir o futuro que queremos, não é?
É um livro muito ATUAL e que traz uma protagonista que vai ficar para sempre no coração do leitor. Se você só for ler um livro este ano, leia Uma questão de química!
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Avaliação (1 a 5):