A Tempestade – William Shakespeare
>> sexta-feira, 20 de maio de 2022
SHAKESPEARE, William. A
Tempestade. São Paulo: Editora Penguin Companhia, 2022. 280p.
Aqui estou eu novamente resenhando uma peça de ninguém menos que William Shakespeare. Muito pretensiosismo da minha parte e uma tarefa hercúlea, pois tenho a opinião que nenhum outro autor teve tanto impacto na literatura mundial. Não só na literatura, mas em toda cultura, pelo menos a ocidental. Suas tramas, peças, contos, sonetos são verdadeiras obras de arte, até hoje dissecadas e talvez insuperáveis. E então temos A Tempestade, provavelmente a última de suas peças, escrita entre 1610 e 1611, e considerada por muitos como a mais refinada.
Comecei a me interessar por Shakespeare de forma mais específica em 2018, quando passei uma temporada na Inglaterra. Morei em Bristol, onde fiz amizade com pessoas apaixonadas por livros e linguagem, e as peças de Shakespeare sempre entravam na conversa. Comecei essa jornada sem passagem de volta com Hamlet, cuja resenha vocês conferem AQUI. Inclusive, nesse texto relato a minha visita à Stratford-Upon-Avon, simplesmente conhecida como Stratford, a história cidade inglesa onde o autor nasceu, viveu grande parte de sua vida e está enterrado. Foi um momento muito especial da minha vida e, modéstia a parte, acho que essa resenha é imperdível, então não deixem de conferir!
Mais especificamente sobre A Tempestade, foi uma peça que me surpreendeu nesta descoberta Shakesperiana por um motivo muito peculiar: eu não conhecia, seu enredo era um verdadeiro mistério. Acho que no Brasil não conversamos muito sobre esse livro, e a sua distribuição não pode ser comparada ao nível de Romeu e Julieta, Otelo ou até mesmo Hamlet. Talvez as adaptações cinematográficas exerçam um papel essencial para a disseminação do texto, e não temos tanto material de A Tempestade como outras peças.
O que alimentou ainda mais a minha perplexidade foi o fato de vários de meus amigos ingleses classificarem essa peça como uma absoluta favorita. A semente então estava plantada em minha mente. Como pode a então melhor obra de Shakespeare passar tão despercebida por mim? E em 2022, com o lançamento da Companhia das Letras pude finalmente mergulhar nas águas turbulentas desta curta peça para refletir e finalmente me inserir na conversa. E adianto que não me decepcionei!
A Tempestade (em inglês The Tempest) nos traz Próspero, Duque de Milão e mago, deposto e exilado há doze anos numa ilha remota. Com ele vivem Miranda, sua jovem filha, e dois espíritos opostos ou forças da Natureza, o etéreo Ariel e o ctônico Caliban, filho da bruxa Sycorax e atualmente escravo. Um dia, um navio carregando inimigos de Próspero se aproxima da ilha quando voltando da África, e encalha após ser pego por uma tempestade orquestrada por artifícios mágicos, graças à ajuda de Ariel, que comanda os elementos. Os náufragos ficam dispersos pela ilha e sofrem diferentes destinos, e a trama então se divide em três partes:
1. O encontro e o amor entre o jovem príncipe Ferdinando, filho de Alonso, o Rei de Nápoles, e Miranda;
2. A história de Alonso, seu irmão Sebastian, o conselheiro Gonzalo, os nobres Adrian, Francisco e Antônio, irmão de Próspero e atual Duque de Milão, que permanecem juntos na floresta. O comportamento de algum deles também é afetado pela magia da ilha, que acaba com consequência para todos;
3. E, finalmente, a melhor parte da história: o encontro de Caliban, até então renegado a viver numa caverna, com o bobo da corte Trínculo e o bêbado Stephano, para talvez tomar posse de toda a ilha.
A edição da Companhia das Letras traz três textos antes da obra em si. Primeiro, temos a apresentação de José Francisco Botelho, seguida de notas sobre a tradução e a extremamente informativa introdução de Frank Kermode. Eu li todos esses textos antes da obra em si, e agora vejo que talvez esse não seja o melhor caminho. A introdução é extremamente completa e aprofunda em detalhes diversos aspectos da obra, detalhes que talvez eu gostaria de saber apenas depois da leitura. Assim, sugiro para vocês o seguinte caminho:
1. Leitura de A Tempestade
2.
Leitura de notas sobre a tradução
3.
Leitura da Apresentação
4.
Leitura da Introdução
5.
Releitura de A Tempestade (se necessário), para observar os
detalhes destacados nos textos anteriores.
Não quero normalizar ou romantizar a leitura de Shakespeare, pois a realidade é longe de um mar de rosas. A realidade é difícil, pois mesmo com uma tradução incrível de José Francisco Botelho, o texto traz laços marcantes de um inglês arcaico que vem com intrínsecas complicações. É um livro para ler e reler, voltar, marcar trechos, revisar, pensar, raciocinar, mas é um que vale a pena o esforço, pois ao final não é esforço nenhum, é um trabalho prazeroso. As frases marcantes e poéticas, marca registrada do autor, estão de voltas, e aqui ressalto a mais famosa da obra, que serviu de inspiração para outro clássico da literatura mundial:
Quando li Hamlet, o que me chamou a atenção foi a beleza do texto e as diversas frases de efeito tão conhecidas de nossa cultura. Em A Tempestade, fica a lembrança de um texto simples, mas incrivelmente complexo e cheio de significados, capaz de reunir elementos de diversas obras passadas e, como profetizado por Miranda no trecho acima, abrir espaço para o admirável mundo novo. É incrível como o autor conseguiu reunir elementos presentes nas suas obras anteriores. Vamos lá:
· Exílio de um nobre – presente em Rei Lear;
·
Ariel,
o etéreo que comanda os elementos – semelhante a Sonho de uma Noite de Verão;
·
Filho
exilado de uma bruxa – presente em Macbeth;
·
Navio
em trânsito em rota com a África – semelhança com o enredo de Otelo;
·
Encontro
e amor à primeira vista – Romeu e Julieta ou Sonho de uma Noite de
Verão;
·
Tempestade
e elementos da natureza influindo na história – Rei Lear;
·
Trama
de regicídio – Macbeth e Rei Lear;
Eu estou longe de ser uma especialista no assunto, quero deixar isso claro. Meu conhecimento de Shakespeare vem crescendo ao longo dos anos, mas ainda está no nível de uma literata entusiasta, jamais de uma pesquisadora. Mas mesmo assim não consigo deixar de me empolgar com todas essas conexões, temas recorrentes e personagens novos. O destaque fica por conta daquele que, para mim, comanda a história. Caliban foi tão bem concebido e entregue que beira à perfeição. Eu não consigo dissociar o personagem da figura da colonização, uma vez atenta a isso é tudo que se consegue ver, com muito sentido.
Agora estou aqui, lendo artigos sobre o livro, escutando podcasts, assistindo vídeos, dando graças à disponibilidade de informação que temos hoje que me possibilita desvendar e descobrir ainda mais os detalhes enterrados da história – ou os escancarados que ainda não vi.
Na apresentação, José Francisco Botelho nos adianta: “No que diz respeito ao enredo, esta peça pode não ser a mais intrincada na obra de William Shakespeare; mas quanto à sua capacidade de sugerir significados, de criar e ocultar espaços na confluência de linguagem e pensamento, é certamente uma das mais poéticas”. E é justamente por isso que agora tenho uma nova peça favorita!
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“Ah, fidalgo,
um momento!
Estão sob o
poder um do outro. Porém
Devo
dificultar as coisas, pois o prêmio,
Quando é leve demais, fica leviano.” (Ato I, cena II, 530)
Aqui estou eu novamente resenhando uma peça de ninguém menos que William Shakespeare. Muito pretensiosismo da minha parte e uma tarefa hercúlea, pois tenho a opinião que nenhum outro autor teve tanto impacto na literatura mundial. Não só na literatura, mas em toda cultura, pelo menos a ocidental. Suas tramas, peças, contos, sonetos são verdadeiras obras de arte, até hoje dissecadas e talvez insuperáveis. E então temos A Tempestade, provavelmente a última de suas peças, escrita entre 1610 e 1611, e considerada por muitos como a mais refinada.
Comecei a me interessar por Shakespeare de forma mais específica em 2018, quando passei uma temporada na Inglaterra. Morei em Bristol, onde fiz amizade com pessoas apaixonadas por livros e linguagem, e as peças de Shakespeare sempre entravam na conversa. Comecei essa jornada sem passagem de volta com Hamlet, cuja resenha vocês conferem AQUI. Inclusive, nesse texto relato a minha visita à Stratford-Upon-Avon, simplesmente conhecida como Stratford, a história cidade inglesa onde o autor nasceu, viveu grande parte de sua vida e está enterrado. Foi um momento muito especial da minha vida e, modéstia a parte, acho que essa resenha é imperdível, então não deixem de conferir!
Mais especificamente sobre A Tempestade, foi uma peça que me surpreendeu nesta descoberta Shakesperiana por um motivo muito peculiar: eu não conhecia, seu enredo era um verdadeiro mistério. Acho que no Brasil não conversamos muito sobre esse livro, e a sua distribuição não pode ser comparada ao nível de Romeu e Julieta, Otelo ou até mesmo Hamlet. Talvez as adaptações cinematográficas exerçam um papel essencial para a disseminação do texto, e não temos tanto material de A Tempestade como outras peças.
O que alimentou ainda mais a minha perplexidade foi o fato de vários de meus amigos ingleses classificarem essa peça como uma absoluta favorita. A semente então estava plantada em minha mente. Como pode a então melhor obra de Shakespeare passar tão despercebida por mim? E em 2022, com o lançamento da Companhia das Letras pude finalmente mergulhar nas águas turbulentas desta curta peça para refletir e finalmente me inserir na conversa. E adianto que não me decepcionei!
A Tempestade (em inglês The Tempest) nos traz Próspero, Duque de Milão e mago, deposto e exilado há doze anos numa ilha remota. Com ele vivem Miranda, sua jovem filha, e dois espíritos opostos ou forças da Natureza, o etéreo Ariel e o ctônico Caliban, filho da bruxa Sycorax e atualmente escravo. Um dia, um navio carregando inimigos de Próspero se aproxima da ilha quando voltando da África, e encalha após ser pego por uma tempestade orquestrada por artifícios mágicos, graças à ajuda de Ariel, que comanda os elementos. Os náufragos ficam dispersos pela ilha e sofrem diferentes destinos, e a trama então se divide em três partes:
1. O encontro e o amor entre o jovem príncipe Ferdinando, filho de Alonso, o Rei de Nápoles, e Miranda;
2. A história de Alonso, seu irmão Sebastian, o conselheiro Gonzalo, os nobres Adrian, Francisco e Antônio, irmão de Próspero e atual Duque de Milão, que permanecem juntos na floresta. O comportamento de algum deles também é afetado pela magia da ilha, que acaba com consequência para todos;
3. E, finalmente, a melhor parte da história: o encontro de Caliban, até então renegado a viver numa caverna, com o bobo da corte Trínculo e o bêbado Stephano, para talvez tomar posse de toda a ilha.
A edição da Companhia das Letras traz três textos antes da obra em si. Primeiro, temos a apresentação de José Francisco Botelho, seguida de notas sobre a tradução e a extremamente informativa introdução de Frank Kermode. Eu li todos esses textos antes da obra em si, e agora vejo que talvez esse não seja o melhor caminho. A introdução é extremamente completa e aprofunda em detalhes diversos aspectos da obra, detalhes que talvez eu gostaria de saber apenas depois da leitura. Assim, sugiro para vocês o seguinte caminho:
1. Leitura de A Tempestade
Não quero normalizar ou romantizar a leitura de Shakespeare, pois a realidade é longe de um mar de rosas. A realidade é difícil, pois mesmo com uma tradução incrível de José Francisco Botelho, o texto traz laços marcantes de um inglês arcaico que vem com intrínsecas complicações. É um livro para ler e reler, voltar, marcar trechos, revisar, pensar, raciocinar, mas é um que vale a pena o esforço, pois ao final não é esforço nenhum, é um trabalho prazeroso. As frases marcantes e poéticas, marca registrada do autor, estão de voltas, e aqui ressalto a mais famosa da obra, que serviu de inspiração para outro clássico da literatura mundial:
“Oh, maravilha!
[...] Oh, admirável mundo novo que possui tais pessoas nele!” (O wonder!
[...] O brave new world that has such people in’t!, 5.1.204).
Quando li Hamlet, o que me chamou a atenção foi a beleza do texto e as diversas frases de efeito tão conhecidas de nossa cultura. Em A Tempestade, fica a lembrança de um texto simples, mas incrivelmente complexo e cheio de significados, capaz de reunir elementos de diversas obras passadas e, como profetizado por Miranda no trecho acima, abrir espaço para o admirável mundo novo. É incrível como o autor conseguiu reunir elementos presentes nas suas obras anteriores. Vamos lá:
· Exílio de um nobre – presente em Rei Lear;
Eu estou longe de ser uma especialista no assunto, quero deixar isso claro. Meu conhecimento de Shakespeare vem crescendo ao longo dos anos, mas ainda está no nível de uma literata entusiasta, jamais de uma pesquisadora. Mas mesmo assim não consigo deixar de me empolgar com todas essas conexões, temas recorrentes e personagens novos. O destaque fica por conta daquele que, para mim, comanda a história. Caliban foi tão bem concebido e entregue que beira à perfeição. Eu não consigo dissociar o personagem da figura da colonização, uma vez atenta a isso é tudo que se consegue ver, com muito sentido.
Agora estou aqui, lendo artigos sobre o livro, escutando podcasts, assistindo vídeos, dando graças à disponibilidade de informação que temos hoje que me possibilita desvendar e descobrir ainda mais os detalhes enterrados da história – ou os escancarados que ainda não vi.
Na apresentação, José Francisco Botelho nos adianta: “No que diz respeito ao enredo, esta peça pode não ser a mais intrincada na obra de William Shakespeare; mas quanto à sua capacidade de sugerir significados, de criar e ocultar espaços na confluência de linguagem e pensamento, é certamente uma das mais poéticas”. E é justamente por isso que agora tenho uma nova peça favorita!
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