Casei-me com um Morto – Cornell Woolrich
>> sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022
WOOLRICH, Cornell. Casei-me com um
morto. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 262p. Título original: I married
a dead man.
“Casei-me com um morto”, esse livro de título bem peculiar, foi originalmente publicado em 1948 por Cornell Woolrich, sob o pseudônimo William Irish. Com relativo sucesso editorial, foi adaptado em 1950 para o cinema sob o gênero noir sob o título No Man of Her Own (que pode ser traduzido como Nenhum homem próprio, o que nos mostra que esse livro não está destinado a ter títulos bons), estrelado pela grande atriz hollywoodiana Barbara Stanwick. Woolrich começou a carreira como roteirista em Hollywood, mas retornou à literatura quando não conseguiu sucesso. Ironicamente, vários de seus romances e contos foram posteriormente adaptados às telas, com destaque para o clássico de Alfred Hitchcock “Janela Indiscreta”. Esse caminho cinema-literatura e o potencial do autor em construir thrillers do gênero noir me atraiu e me fez pegar esse livro em um projeto de troca de obras em pontos de ônibus na cidade de Belo Horizonte, que na época eu ajudava na organização e expansão.
Quem me conhece sabe o quanto o
cinema é importante para mim, em especial o cinema clássico hollywoodiano. A
cinematografia preto-e-branco exerce sobre mim uma atração inexplicável, e sou
consumidora ávida dos filmes das décadas de 1940 e 1950. Sempre gostei do
gênero suspense/noir (gosto que passa para a literatura, pois adoro
histórias de suspense e policial) e a premissa do livro aliada ao fato de
existir uma adaptação desse jeitinho me fizeram dar uma chance à história. O
livro acabou passando um bom tempo na minha pilha de “leituras desejadas” jogado
num canto do meu quarto, mas finalmente a sua vez chegou.
O livro conta a história de
uma mulher grávida de 8 meses que pega um trem lotado. As informações que nos
são fornecidas nos fazem inferir que ela foi abandonada pelo pai da criança,
deixada apenas com a passagem e míseros 17 centavos. Como sempre, quando me
deparo com valores em livros clássicos eu faço a conversão para ter uma real noção
da situação. 17 centavos nos EUA de 1948 correspondem a $1,97, que seriam
R$10,45. Realmente desesperador para uma mulher grávida, paga um salgado e um
refrigerante e olhe lá! Enfim, a mulher está completamente desnorteada e no
trem encontra outra grávida, Patrice Hazzard, recém casada a caminho de
conhecer os sogros, que nunca a viram antes. A mulher interage e conversa no
mesmo vagão que Patrice e seu marido, Hugh, e todos estão juntos quando um
terrível acidente acontece.
A mulher recupera a
consciência dias depois, aos poucos assimilando os fatos: ela deu à luz a um
menino, mas foi a única sobrevivente naquele vagão. O susto maior vem quando
revelam a identidade registrada no hospital: Patrice Hazzard. Ela foi
confundida com sua companheira de vagão e todas suas contas estão sendo
bancadas pelos ricos sogros da falecida mulher. Seu instinto inicial é de
esclarecer toda a situação, mas a lembrança do desespero e pobreza em que se
encontrava a faz pensar que uma vida como Patrice Hazzard pode ser mais fácil
do que a que vivia antes. Mas será tão fácil assim?
Escrevo essa resenha ainda um
pouco confusa, pois tenho muito a comentar e dizer sobre a história, o estilo do
autor e um livro que é diferente de tudo o que eu já li. Assim, na tentativa de
conseguir explicar tudo que tenho a dizer, vou separar meus comentários em pontos
positivos e negativos. Já fiz isso algumas vezes e vocês gostaram, então vou
repetir a dose. Inserindo um pouco de positividade nessa leitura, vou começar listando
três bons aspectos dessa leitura:
O DINAMISMO. Meu Deus
como esse livro é dinâmico! Fazia muito tempo desde que li um suspense tão acelerado
e envolvente, logo nas primeiras palavras. Desde o primeiro capítulo o leitor
já fica interessado e envolvido. Eu mal descobri quem era a mulher misteriosa –
Helen Georgesson – para depois tudo mudar. As divisões em capítulos curtos e
cortes temporais breves faz dessa uma leitura que flui muito bem e um livro
para se ler em pouquíssimo tempo. Eu gosto de ler devagar e não demorei mais
que 2 dias para devorar a história. Eu aprecio isso em um livro, a capacidade
de fazer o leitor querer caminhar e avançar evita qualquer possibilidade de “ressaca
literária”, um mal que acomete todos nós e que é de difícil cura. Definitivamente
não é o caso aqui.
UM LIVRO ÚNICO. Minhas
pesquisas prévias me revelaram que Woolrich é um autor cult que possui diversos
fãs fervorosos. Com o decorrer do tempo não foi mais tão publicado, dando um
caráter raro às suas obras. Com esse livro eu consigo entender o porquê: ele é
único. Eu já li muito suspense na minha vida, mas quase nunca me aventurei em
livros do gênero escritos antes de 1980. Mesmo assim considero minha experiência
boa, o que me dá um certo gabarito para dizer que o estilo de Woolrich é
diferente de tudo que eu já li. Talvez por seu começo e raízes no cinema, achei
um livro extremamente dinâmico e visual. Cada capítulo representa uma cena e eu
consigo visualizar tudo: figurino, cenário, feições, reações... as ligações são
inusitadas e os cortes temporais entre os capítulos são diferentes do gênero
por não dar muito prosseguimento ou aprofundamento. Ele tem uma história para
contar e tem exatamente a cena na sua cabeça, e é isso que é passado para o
papel. Foi algo novo para mim e que me deixou um pouco assustada a princípio,
mas que definitivamente é um ponto positivo. É muito difícil fazer algo
diferente nesse gênero e isso o autor conseguiu.
O FINAL. Tenho algumas
considerações negativas sobre o desenvolvimento da história e a construção dos
personagens, mas antes de falar do início e do meio eu devo ressaltar que esse
é um livro que eu gostei muito do final. Já falei aqui antes que eu não tenho
problemas com finais polêmicos, desde que façam sentido. Aqui, o final é
perfeito para a história traçada: é surpreendente, cheio de reviravoltas, com
uma ação intensa e condizente ao caráter dos personagens envolvidos e que
marca. Muitas vezes os autores sucumbem a tentação de dar ao livro o final que
desejam, do coração e fogem do mais lógico para a história, da razão. O autor
aqui foi muito condizente e talentoso, e a nota que eu dou para o livro hoje é
muito em parte da coragem e do modo como isso foi conduzido.
– Mas a gente não
pode sentar para comer na mesma mesa sem sequer saber os nomes uns dos outros –
disse a jovem esposa, desdobrando alegremente seu guardanapo. – Ele é Hugh
Hazzard, eu sou Patrice Hazzard. – Suas covinhas surgiram, em sinal de
desaprovação. – Nome esquisito, não é?
– Tenha mais
respeito – resmungou o jovem marido, sem erguer os olhos dos preços do cardápio.
– Estou apenas testando o nome em você. Ainda não resolvi se vou deixar você
usá-lo ou não.
– Agora já é meu –
foi a lógica feminina que ela usou. – Eu é que ainda não resolvi se vou deixar
você usá-lo ou não. E qual é o seu nome? – perguntou ela à sua convidada.
– Georgesson – respondeu a moça. – Helen Georgesson.
E sorriu hesitante
para os outros dois. A ele dirigiu o canto externo do seu sorriso; a ela, o
centro. Não era um sorriso muito largo, mas tinha profundidade e gratidão, o
pouco que lhe restava.
– Vocês foram
extremamente gentis comigo – disse ela.
Olhou para o
cardápio que mantinha aberto entre as mãos, para que eles não detectassem o
lampejo de emoção que fez seus lábios tremerem por um instante.
– Deve ser um bocado
divertido ser... vocês – Helen murmurou melancólica (p. 33-34)
“Casei-me com um morto”, esse livro de título bem peculiar, foi originalmente publicado em 1948 por Cornell Woolrich, sob o pseudônimo William Irish. Com relativo sucesso editorial, foi adaptado em 1950 para o cinema sob o gênero noir sob o título No Man of Her Own (que pode ser traduzido como Nenhum homem próprio, o que nos mostra que esse livro não está destinado a ter títulos bons), estrelado pela grande atriz hollywoodiana Barbara Stanwick. Woolrich começou a carreira como roteirista em Hollywood, mas retornou à literatura quando não conseguiu sucesso. Ironicamente, vários de seus romances e contos foram posteriormente adaptados às telas, com destaque para o clássico de Alfred Hitchcock “Janela Indiscreta”. Esse caminho cinema-literatura e o potencial do autor em construir thrillers do gênero noir me atraiu e me fez pegar esse livro em um projeto de troca de obras em pontos de ônibus na cidade de Belo Horizonte, que na época eu ajudava na organização e expansão.
Acho importante ressaltar as qualidades do livro, pois ele realmente as possui. É uma história dinâmica, diferente e bem pensada. A grande questão é se eu gostei dela. Há casos de livros que conseguimos identificar méritos, mas que não agradam tanto, e acho que esse é um exemplo disso. Agora vou tentar explicar minhas razões trazendo três pontos que me deixaram confusa e até mesmo frustrada:
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Avaliação (1 a 5):