A Mulher de Branco – Wilkie Collins
>> quarta-feira, 15 de dezembro de 2021
COLLINS, Wilkie. A Mulher de
Branco. São Paulo: Editora Martin Claret, 2021. 830p. Título original: The woman
in white.
“Quem se importa
com os motivos dele para reclamação? Você deve partir o seu coração para
deixa-lo tranquilo? Nenhum homem neste mundo merece esses sacrifícios da parte
de nós, mulheres. Homens! Eles são os inimigos da nossa inocência e de nossa
paz... Eles nos arrancam do amor dos nossos pais e do amor das nossas irmãs...
eles nos levam, de corpo e alma, para junto deles, e amarram as nossas vidas
impotentes às deles assim como acorrentam um cachorro no canil. E o que o
melhor dele nos dá em troca? Solte-me, Laura... Fico louca de raiva quando
penso nisso!” (p. 249-250)
A Mulher de Branco, romance epistolar, gótico e sensacionalista de Wilkie Collins, escrito em 1859, foi o clássico escolhido em votação no Instagram para a 12a Leitura Coletiva do Blog Viagem Literária, fechando com louvor o ano de 2021. Como vocês já sabem, o projeto da Leitura Coletiva possibilita a leitura de clássicos da literatura mundial com metas curtas e promovendo uma descontraída interação entre os participantes, compartilhando impressões, ideias e expectativas. Dessa vez fomos ao suspense e mistério, em um livro que tece uma elaborada trama de segredos e planos audaciosos, que prendem o leitor desde o princípio. Publicado como serial entre 1859 e 1860, o livro se baseou em famosos julgamentos de mulheres contra seus maridos e famílias na Inglaterra para situar uma história que em muito se baseia na ausência de direitos das mulheres casadas à época.
“Seguindo os passos da literatura gótica britânica (cujo exemplo mais conhecido é Rebecca, de Daphne du Maurier e satirizado por Jane Austen em A Abadia de Northanger), as seguintes características não só estão presentes como são marcantes (...):
- Cenário misterioso e sombrio, comumente em enormes mansões;
- A presença ou o medo da presença de monstros e fantasmas;
- Maldições ou profecias;
- A donzela em perigo;
- Romance;
- Emoções intensas.”
Ora, temos tudo isso e mais um
pouco em A Mulher de Branco: há um mistério sempre presente na vida dos
personagens especialmente na grande, imponente e sombria mansão Blackwater Park;
inúmeras vezes as personagens se colocavam em risco para escutar conversas e
obter informações, marcando passagens com o medo e a tensão; temos uma donzela
claramente em perigo; no início do livro o romance da história é descrito; e as
emoções certamente são intensas. Com isso, vou tentar explicar a história e as
minhas impressões de um jeito diferente e sem spoilers, analisando os
principais personagens da trama. Vamos lá?
Walter Hartright é um
jovem desenhista que consegue um trabalho como professor na Casa Limmeridge em
Cumberland, Inglaterra, por indicação de seu amigo italiano, Pesca. É ele quem
narra a passagem inicial da história, marcada por um curioso fato: no caminho
para seu novo emprego, ele é surpreendido na estrada por uma jovem mulher
vestida completamente de branco, um pouco arredia e assustada. Ele a ajuda a
seguir caminho, mas as circunstâncias peculiares desse encontro ficam marcadas
na cabeça desse jovem ávido por justiça. A narrativa é de certa forma conduzida
pelos relatos de Hartright, o que não me agradou. A história contada por ele
era excessivamente lenta, com detalhes demais em coisas frívolas e sem a devida
importância em acontecimentos chave. Para um personagem principal, o achei
completamente sem sal, mas é com ele que temos elementos de investigação que nos
fazem lembrar a literatura policial atual.
Frederick Fairlie é
um idoso rabugento e detestável que cuida da educação de duas sobrinhas, as meias-irmãs
inseparáveis Laura e Marian. É ele quem contrata Hartright e decide sobre a
vida de suas pupilas, nem sempre com os melhores interesses delas em mente,
especialmente no que tange a Laura. Foi uma experiência horrível ler as
passagens narradas por ele, pois despertavam o mais profundo ódio em meu âmago.
Fazia muito tempo que um personagem não me fazia querer parar a leitura e
simplesmente arremessar o livro contra a parede, e é essa a sensação que o
mesquinho Tio Fairlie despertou em mim.
Laura Fairlie é uma
bonita jovem um pouco vitoriana e sensível demais para meu gosto. Herdeira de
uma vasta fortuna decorrente de pontuais falecimentos em sua família, ela está
prometida a Sir Percival Glyde, um homenzinho detestável. Com as aulas de
Hartright, a moça descobre outras paixões e ambições, mas não muito pode fazer
devido à falta de possibilidades jurídicas e um pouco de acomodação em sua posição
de jovem injustiçada. A história gira em torno de Laura e para Laura, mas a sua
caracterização como uma jovem bonita, mas fraca e suscetível ao perigo e sempre
em posição de ser resgatada por alguém me irrita profundamente, mas é o que faz
dela a perfeita mocinha de um romance gótico. É uma questão de gosto e estilo!
Marian Halcombe
é o completo oposto de sua inseparável meia-irmã: ela é independente,
destemida, criativa, inteligente e espirituosa. Descrita como não muito bonita,
mas compensando em outros quesitos, isso também me incomoda bastante. Mas não
tanto, pois estamos diante de uma das melhores personagens que me deparei na
literatura clássica inglesa. Talvez justamente por ir na contramão da donzela
em busca de um herói para lhe salvar, a Stra. Halcombe é um oásis no deserto,
um acalento diante de tanta gente pomposa e cerimoniosa. Grande parte da
história é narrada por ela, em seu diário. Nele, descobrimos os detalhes do
noivado de Laura com Percival Glyde, e os acontecimentos que seguem. Não posso
dar detalhes pois acho que as revelações são parte essencial da história, mas
garanto que não teria qualquer história sem a presença de espírito de Marian.
Em um momento da leitura, me encontrei bastante ansiosa e confiando em Marian
para resolver tudo, como se eu fosse o alvo dos acontecimentos. Ela realmente é
formidável e gostaria muito que a literatura clássica tivesse mais personagens
assim, quem sabe talvez com autores audaciosos o bastante para dar beleza a mulheres
inteligentes, imagina só!
Percival Glyde é o
noivo de Laura, senhor da sombria mansão Blackwater Park, e um homem muito frio,
exceto quando o assunto é a fatídica mulher de branco. Nesse caso, o sangue
dele ferve, ele vira completamente outra pessoa que não responde pela gravidade
de seus atos. Não vou entrar muito em detalhes, mas o fato é que há um passado
sombrio entre a mulher de branco e Percival, um passado que pode o arruinar ele
quer de qualquer maneira apagar. A aparição dela perto de Limmeridge e de Laura
o deixam preocupado e muito nervoso. É o segredo de Percival que queremos a
todo custo descobrir, mas as coisas não são tão simples assim... Esse suspense
em torno do segredo foi muito bem bolado e escrito, o que atesta um talento
nato do autor para o estilo, eu só fiquei muito frustrada com as ramificações e
a condução da história após a grande revelação.
Por fim, temos o Conde Fosco,
apresentado mais ou menos no meio da história como um amigo de Percival. Ele
chega aos poucos e vai conquistando espaço, sendo ao final um personagem tão
marcante e inesquecível quanto Marian Halcombe. Como a governanta de Blackwater Park bem o descreveu,
“ele era um homem idoso grande, gordo e estranho, que tinha passarinhos e
camundonguinhos brancos, e falava com eles como se eles fossem uma porção de
crianças cristãs” (p. 533). Um homem peculiar, mas que roubou as rédeas e o
protagonismo da história. Na minha opinião, se o livro era para ter como
principais Walter Hartright e Lura Fairlie, esse objetivo não foi alcançado,
pois não consigo pensar em outros personagens que não Marian Halcombe e Conde
Fosco.
Ao final dessas descrições e
comentários, faltou ainda a minha consideração sobre a classificação “sensacionalista”
do livro. Talvez isso tenha sido o que mais gostei: o estilo melodramático da
narrativa e condução da história, inspirada em populares casos judiciais e
criminais da época e aproveitando de lacunas na legislação, me pegou de jeito. É
um livro que lê bem, flui bem e tem um núcleo muito bem bolado. A maneira como
o autor construiu a situação e o drama foi primoroso, criativo e muito bem
feito. Até certo ponto, esse era facilmente um livro 5 estrelas na minha lista,
mas o final me deixou frustrada e decepcionada. A impressão que tive foi a de
que faltou um pouco de gás para o autor, que deixou tudo de melhor que tinha
mais ou menos no meio do livro. Eu queria um final sagaz, inteligente,
extremamente vingativo... mas será que eu conseguiria isso lendo um livro
vitoriano?
Apesar de frustrada, adorei a
experiência de ler esse livro. A edição é linda, alguns personagens são incrivelmente
bem pensados e a leitura é fácil como poucos clássicos conseguem. Se você
quiser se aventurar em um calhamaço que deixa as melhores novelas das seis no
chinelo, anote aí: A mulher de branco!
Até a próxima leitura coletiva, com OS IRMÃOS KARAMAZOV nos levando de volta ao fantástico mundo da mãe Rússia!
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