Sempre Vivemos no Castelo – Shirley Jackson
>> sexta-feira, 1 de outubro de 2021
JACKSON, Shirley. Sempre Vivemos no Castelo. Rio de Janeiro: Editora Suma das Letras, 2017. 191 p. Título original: We Have Always Lived in the Castle.
Há quase 3 anos atrás eu resolvi ler mais clássicos da literatura. Acho que é quase uma necessidade de saber mais sobre as origens dos gêneros literários e uma curiosidade de saber por que um livro conseguiu suprir todas as barreiras do tempo para se tornar uma história atemporal e ainda relevante. De lá para cá tive contato com diversas obras, algumas para entrar no meu seleto rol de favoritos, diversos autores e conheci muitos casos interessantes e livros dos mais diversos tipos, estilos e qualidades. Agora foi a vez de me aventurar nas páginas de Shirley Jackson com o seu Sempre Vivemos no Castelo e devo dizer que estou verdadeiramente surpreendida.
O livro me chamou a atenção ao ser classificado como um mistério com ares de realismo mágico, que ganhou uma edição maravilhosa em capa dura pela Suma de letras. Eu como uma boa amante de capa dura, não resisti e logo a obra estava na minha estante esperando a sua vez. O tempo foi passando e nunca chegava o momento de lê-lo (e em certa ocasião eu estava convencida de que era uma história de lobisomens, não faço a menor ideia do porquê), até que 2021 trouxe a ocasião ideal para finalmente rasgar o plástico e dar uma chance à obra (eu sempre guardo os livros no plástico, o ritual de abrir para mim está intimamente ligado à imediata leitura. Cada louco com sua mania). Após constatar que realmente não era um livro protagonizados por lobisomens (deixo esse tema somente nas mãos de Remus Lupin), estava preparada para um clássico de mistério, talvez nos moldes de Agatha Christie ou dos romances góticos que aprendi a amar. Meu Deus como eu estava errada! Não tão errada quanto a viagem do lobisomem, mas esse livro é muito diferente, irônico, peculiar, bizarro, engraçado, fluido, estranho... todas características que Shirley Jackson soube mesclar muito bem e que para sempre colocarão a obra na sessão da minha estante “livros estranhos que talvez só você goste e é sobre isso”.
Muito semelhante a uma estrutura de conto (o que remete à origem da autora), Sempre Vivemos no Castelo é um livro bem curtinho e de fácil leitura, de rápido desenvolvimento e poucos personagens. Nele, somos apresentados à família Blackwood (ou ao que sobrou dela): as irmãs, Merricat e Constance, e o tio Julian. De cara sabemos que os Blackwood são uma tradicional família da pequena cidade, localizada no interior de Vermont nos EUA, conhecidas por possuírem muitas terras e serem abastados. Narrado por Merricat, uma jovem um tanto quanto peculiar e talvez no “lado negro da força”, a aventura começa com a garota visitando o mercado da cidade. Rapidamente descobrimos que os moradores locais não gostam dela e de sua família. No comércio ela é tratada com desdém e atrai olhares de curiosidade, e no caminho para casa é perseguida por crianças que fazem brincadeiras de mau gosto. Sua irmã Constance não sai de casa há 6 anos e não vai além do vasto e belo jardim da residência, onde ela passa o dia trabalhando com muito esmero. As duas moram na grande e imponente casa da família com seu tio Julian, que está numa cadeira de rodas. Ele passa a maior parte do tempo anotando suas memórias no diário, e adora relembrar os casos e as tragédias da família. É com ele que descobrimos o que aconteceu com a família e a razão de todo o fuzuê.
Eu não contarei todos os detalhes pois o livro é pequeno e seria um spoiler, mas o fato é que a esposa de Julian e o pai, mãe e irmão das meninas morreram num mesmo acontecimento. Os três sobreviventes sofrem com a reação da população, que tem uma típica mentalidade obsoleta que não consegue aceitar o diferente. Apesar de tudo, dentro de casa eles são felizes e têm uma boa rotina estabelecida, satisfeitos no seu isolamento e ostracismo. Merricat é uma menina bem peculiar e pratica pequenos feitiços, especialmente de proteção ao redor da casa. Um dia, ela começa a observar algumas mudanças e prevê que algo ruim vai acontecer, e já se prepara para o pior. E ela estava certa: a vida e a rotina da família mudam drasticamente e durante os acontecimentos vamos entendendo mais sobre a mente e o comportamento de Merricat e de sua irmã, um relacionamento que está na história da literatura estadunidense.
O que me impressionou no livro? Eu esperava uma narrativa de mistério escrita mais próxima dos moldes que o gênero tem hoje, e acabei encontrando um livro com muita ironia, sarcasmo e desde início um humor que está no limite do que é politicamente correto. Ao contar a história pelos olhos e pensamentos de Merricat, aprendemos o quanto uma pessoa diferente e fora do padrão pode ser interessante, e estamos diante de uma anti-heroína diferente e marcante. Eu estranhei muito no princípio, mas com o tempo consegui abraçar e apreciar o estranho jeito antissocial de Merricat, e a narrativa única de Jackson. Não é à toa que a autora é referência de diversos escritores hoje consagrados. Seu estilo é forte, marcante, diferente e muito interessante.
Reconheço a peculiaridade da narrativa e a estranheza de Merricat como os pontos fortes do livro. Mesmo assim, a história não é das minhas favoritas. Está fora da minha zona de conforto e do que normalmente me agrada. Assim, consigo ver como ele é bem feito e identificar seus pontos positivos, mas sem me engajar e empolgar com a narrativa. O enredo e seu desenvolvimento não me cativaram, e eu persisti na leitura na base da curiosidade mórbida de analisar o comportamento e os pensamentos dessa protagonista que prega desde 1962, ano de lançamento da obra, que o diferente é o interessante.
Fortemente indico a leitura para fãs de histórias diferentes, talvez um pouco politicamente incorretas, e que gostam de se aventurar nos subgêneros do mistério com um leve toque de fantasia. É um livro bem escrito, marcante no seu estilo e que nos traz personagens interessantes e fora do lugar comum. Pode ser uma boa pedida para tentar algo diferente!
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