DICK, Philip K. O Homem do
Castelo Alto. São Paulo: Editora Aleph, 2019. 312p. Título original: The
Man in the High Castle. Não sou viajante de primeira
viagem no fantástico e um pouco perturbador mundo de Philip K. Dick. Fui
apresentada ao estilo desse celebrado autor de distopia e ficção científica em O
Tempo Desconjuntado (cuja resenha vocês podem conferir AQUI). Foi o
suficiente para atiçar a minha curiosidade e procurar aquela tida como seu
trabalho mais bem sucedido – O Homem do Castelo Alto. O livro foi publicado em 1962
com uma narrativa inovadora para época, baseada em muita pesquisa que
possibilitou dar um realismo chocante à história, ao apresentar pessoas
políticas reais e situações ideológicas defendidas por um setor da população
mundial. O livro se passa em uma
realidade distinta, onde a Alemanha e o Japão foram vencedores da 2ª Guerra
Mundial e deram prosseguimento aos seus planos de ocupação e dominação,
instaurando regimes nazifascistas ao redor do mundo e continuando as políticas extremistas
de discriminação e extermínio de minorias. Na lista dos alvos de campos de concentração
estão os judeus, os romenos e os homossexuais. O livro acaba tratando mais do
caso dos judeus, que precisam viver disfarçados na sociedade, contando com a
bondade dos amigos para não serem delatados e mortos pela polícia. Acho importante explicar um
pouco mais do mundo geopolítico onde acontece a história. Na verdade, ela se
passa majoritariamente nos EUA, especialmente em São Francisco, mas temos
informações sobre outros países e algumas partes que envolvem a nova política
global. Na história alternativa de
Dick, o atentado à vida do então presidente estadunidense recém eleito Franklin D. Roosevelt em 1933 foi bem
sucedido. Assim, o país não consegue superar a Grande Depressão, e afoga na
pobreza. Além disso, sem a liderança de Roosevelt na guerra, a política do país
foi de neutralidade, não intervindo na ocupação da Europa por Hitler e seus
aliados. Ao mesmo tempo, o Japão, sem a repressão no pacífico, invade a costa
oeste estadunidense. Tudo isso culmina na rendição e término da guerra em 1947,
com a vitória do Eixo (Alemanha, Japão, Itália e Turquia). Neste cenário, em
1960 temos uma configuração geopolítica distinta do que vemos hoje. O mundo
possui 2 potências: a Alemanha Nazista e o Japão Imperial. Os EUA então
apresentam um novo desenho, sendo dividido em 4: EAP (Estados Americanos do
Pacífico), de domínio japonês; o Estado das Montanhas Rochosas, uma zona neutra;
Os Estados Unidos, união de estados nacionais e o Sul, ambos sob comando e
influência alemã. Para facilitar, aí vai um mapa
que ilustra como o país foi dividido. (Fonte: Wikipedia)
Os Estados Americanos do Pacífico
são controlados a mão de ferro por Tóquio e houve uma imigração em massa de
japoneses. Eles ocupam posições de destaque em empresas e na vida social da
região. A cultura oriental está enraizada na vida da região, sendo marcantes
elementos como a hierarquia, o respeito e o misticismo religioso, representado
no livro pelo I Ching, que serve como oráculo e guia. O Estado das
Montanhas Rochosas, por ser neutro, possui grande comercialização de
contrabando, com produtos e produção cultural proibidos nas outras regiões. O livro segue a história de alguns
personagens em 1962, ano da publicação da obra, cada um vivendo em regiões
diferentes do país e em condições distintas. É em suas narrativas que vamos
conhecendo sobre a história e as características de cada região, para depois
entender como todos estão ligados. Temos Robert “Bob" Childan, proprietário
de uma loja de antiguidades em São Francisco. Lojas de antiguidade representam um
negócio rentável à época, pois os japoneses possuem um fascínio pela cultura
dos EUA antes da guerra e mantiveram o caro hábito das coleções de itens então
mundanos, que representam o antigo estilo de vida americano e a vida da
sociedade ociental. É com Childan que somos apresentados à nova estratificação
social, com os americanos na base da pirâmide, servindo aos desejos dos
japoneses. Ele é contratado por um oficial japonês Nobusuke Tagomi, que está em
busca do presente perfeito para impressionar o vendedor sueco Baynes. Também somos apresentados a
Frank Fink, um judeu veterano da 2ª Guerra Mundial que esconde sua religião
para conseguir sobreviver e trabalhar. Sua ex-esposa, Juliana Fink, também é
uma das personagens que acompanhamos. Ela trabalha como instrutora de judô no
Colorado, nos Estados das Montanhas Rochosas, e se relaciona com um
caminhoneiro italiano chamado Joe Cinnadella. O que une esses personagens, além
de tentarem sobreviver nessa configuração política, é o fato de todos constantemente
consultarem o I Ching para tomar decisões sobre o que fazer, qual caminho a
seguir e como reagir. E, o mais importante, todos em certo momento da história
se deparam com uma obra proibida, o livro O Gafanhoto Torna-se Pesado,
escrito por Hawthorne Abendsen. Minha relação com esse livro,
após a leitura, é um pouco de amor e ódio, e vou tentar explicar um pouco a
razão para isso. Existem pontos positivos e que me fascinaram, mas alguns
aspectos me deixaram realmente incomodada. Para facilitar minha explicação,
dividi a análise em 3 pontos positivos e 3 pontos negativos. E vamos começar
pelo lado bom da história! A HISTÓRIA ALTERNATIVA.
De longe, o mundo pesquisado, imaginado e depois criado pelo autor é
espetacular. Quando li a sinopse do livro e após as primeiras páginas, mergulhei
de cabeça em pesquisas, teorias conspiratórias e mapas geopolíticos. Cheguei ao
cúmulo de procurar meu caderno de história da época do vestibular (eu de fato
sou uma acumuladora) para conferir alguns dados e datas sobre invasões durante
a guerra. O livro incita essa curiosidade e senso investigativo do leitor, e
isso é muito legal. Dick, inclusive, pesquisou muito sobre o nazismo e a guerra
para dar realismo a esta potencial continuação política do regime. Vemos isso
claramente quando, na história, Hitler morre vítima de sífilis e há uma disputa
política em torno da sua sucessão, confirmando a tensão latente entre Alemanha
e Japão. Afinal, uma união com base no ódio não tende a se manter por muito
tempo, por motivos óbvios. HISTÓRIAS INTERCALADAS.
Talvez eu não teria escrito como o autor fez, mas eu sou fã do conceito de
histórias intercaladas, ou seja, personagens independentes que, ao final, se
relacionam de um jeito muito interessante e completam a história. É isso o que
o autor faz aqui, nos apresentando pessoas diferentes em lugares distintos que,
juntas, compõem o enredo. O GAFANHOTO TORNA-SE PESADO.
De longe, descobrir um livro dentro do livro foi a melhor parte dessa
experiência. Eu não vou contar sobre o que é o livro, pois fazer essa
descoberta, na minha opinião, é o ponto alto da leitura. Foi nesse exato momento
que reconheci como o livro é complexo e o trabalho do autor foi muito
meticuloso e criativo. Esse enredo deu sobrevida à narrativa e me deixou
empolgada pelo que viria a acontecer, e todas as possibilidades que ele abria.
A artimanha me parece ser algo que o autor gosta, pois vi algo um pouco
parecido no outro livro que li, O Tempo Desconjuntado. Mesmo assim, foi
uma jogada de mestre. Agora quanto ao lado negativo,
acredito que tudo passa por uma questão de expectativa. Eu tinha uma enorme
expectativa em torno da obra, o que sempre é uma pressão muito grande e um
problema: se o livro não entrega aquilo ou até mesmo mais do que você estava
esperando, as expectativas frustradas são capazes de refletir nas mais baixas
notas. Infelizmente, acho que isso foi o que aconteceu comigo aqui. Eu estava
fascinada com o contexto histórico e realmente adorei me preparar para ler o
livro. Acontece que, quando cheguei na história, a expectativa não foi
correspondida. Creio que foram 3 os principais problemas: MISTICISMO. Eu não comprei
o enredo do I Ching. Na minha opinião, foi algo forçado para mostrar um
misticismo de uma nova sociedade e novas culturas, uma esperança para pessoas
sem muito onde a buscar. Mas isso tornou a narrativa um pouco parada e
cansativa, ao invés de imprevisível e empolgante. Eu gosto de personagens que
tomam as rédeas do próprio destino, e muitas vezes as passagens do I Ching
não só não contribuem para a história como a deixavam menos fluida. Com isso,
temos uma leitura truncada, que não rende muito. APATIA. Os personagens
são incrivelmente chatos. Talvez o Childan seja a exceção no meio, mas eu não
consegui me relacionar e torcer para nenhum deles, e olha que eles estavam
disputando com nazistas, o que torna essa disputa praticamente ganha! Não sei,
talvez em 1962 as pessoas fossem um pouco diferentes (o que não acredito), mas
eu sinceramente não fiquei curiosa para saber mais sobre nenhum dos personagens
apresentados. O FINAL. Quem me
conhece sabe que eu não me importo com finais controversos, podendo ser
abertos, com definição diferente do que a gente torcia, com o vilão vencendo.
Eu realmente não me importo, desde que me dê uma coisa simples, porém difícil:
coerência. O final tem que fazer sentido com o que vivemos na história, ou quero
meu dinheiro de volta. Li muitas explicações e resenhas sobre o final desse
livro, mas eu ainda não consegui encontrar a lógica e a coerência com tudo que
vivemos na narrativa. Isso me deixou um tanto quanto brava: depois de um início
avassalador, depois de insistir em um texto que não flui bem, depois de me
empolgar enormemente com um twist no enredo... eu acho que nós merecíamos mais! Longe de mim querer
desencorajar vocês de ler o livro. Muitas pessoas adoram a obra, e eu acho que a
ideia dela é incrível. Mas, honestamente, não sei se é um livro que eu
indicaria em massa, a não ser que alguém me pedisse especialmente uma dica de
livro de ficção científica sobre uma sociedade nazista (não confundir com a
vida em 2021, cuidado!). Sei que a Amazon Prime produziu (com a ajuda da filha
do autor) uma adaptação em forma de série, e eu gosto muito dessa ideia: são
tantas histórias, tantos enredos possíveis nesse mundo criado que acredito que
uma série com várias temporadas seja um bom caminho para explorar todo o seu potencial,
o que o livro peca em fazer. Quem sabe um dia, quando eu esquecer um pouco a experiência,
eu dê uma chance! Adicione ao Skoob! Compre na Amazon: O Homem do Castelo Alto Avaliação (1 a 5):
Blog literário criado exclusivamente para divulgação e incentivo à leitura por meio das resenhas dos livros lidos por mim, Fernanda, e pelas duas outras colunistas, Alice e Evelyn. O blog não tem nenhuma relação com o projeto de leitura intitulado "Viagem Literária".
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