Moça com Brinco de Pérola – Tracy Chevalier

>>  sexta-feira, 27 de agosto de 2021

 

CHEVALIER, Tracy. Moça com Brinco de Pérola. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 2002. 239p. Título original: Girl with a Pearl Earing.
 
Talvez o quadro mais conhecido da “idade de ouro holandesa”, Moça com Brinco de Pérola do pintor Johannes Vermeer, de aproximadamente 1665, ganha vida neste romance de ficção histórica habilidosamente escrito pela britânica Tracy Chevalier. O livro, o segundo da autora, foi publicado em 1999 com calorosa recepção crítica, e ganhou notoriedade com a adaptação cinematográfica de 2003, trazendo Colin Firth e Scarlett Johansson (no início de carreira) nos papéis principais.

 Para mim, esse foi um claro caso de como um filme bem feito pode incitar a curiosidade literária e nos apresentar a um universo então desconhecido. Foi com ele que conheci Chevalier e me encantei por sua criatividade atrelada à um trabalho de pesquisa formidável. Creio que a esmagadora maioria dos literatas defendem o caminho livro - filme, onde se lê primeiramente o livro para depois apreciar a sua adaptação cinematográfica, sujeita muitas vezes a um desleal escrutínio dos puristas apaixonados pela estrutura da história contada nas páginas e que sofre edições na adaptação visual. Com esse livro, segui o caminho oposto, e creio que foi o melhor a se fazer. A história é muito visual e possui muitas nuances, o que o filme certamente consegue expor melhor que no livro, que fica à mercê da imaginação aliada a pesquisas de imagens. E considerando que em 1999, quando foi lançado, o uso da internet como fonte de pesquisa ainda era embrionário, o filme de 2003 conseguiu dar vida à uma história tão colorida, tão vívida, mas tão simples e discreta. Ao ver o filme fiquei completamente obcecada pela Holanda do século XVII e de como uma obra de arte pode ser uma incrível fonte de imaginação. O que o autor estava pensando ao pintar aquele retrato? Qual a história por trás da escolha do modelo, qual a vida daquela pessoa que vemos diante de nós? O que um olhar esconde?
 
Chevalier usa o famoso quadro como inspiração para a sua obra. Eu acho que entendo isso, pois é um exercício muito particular que gosto de fazer em museus e galerias. Quando vejo um quadro que me marca, gosto de ficar observando e solto a imaginação: o que eu acho que estava acontecendo naquela cena? O que aconteceu antes, e depois? Quem são essas pessoas, o que fazem, como vivem, quais seus amigos, suas famílias? Acho que é um pouco irritante me acompanhar nessas visitas, pois eu sou uma companhia muda contemplativa por horas e horas a fio. Mas eu adoro o poder que essas artes visuais nos dão o poder de criar, de pensar, de imaginar. E por mais simples e mundano que pareça, eu nunca tive a ideia de criar uma história a partir dos meus devaneios de um quadro. Pois bem, foi exatamente isso que Chevalier fez, ligando os pontos conhecidos da história com uma boa dose de imaginação, ao mesmo tempo que nos apresentava ao o poder da sua simplicidade de escrita e a força de suas nuances.
 


Tendo essa imagem linda e marcante como inspiração, a autora cria uma história sobre a vida particular de Vermeer e o contexto que o leva a pintar a sua obra-prima. Mas não é apenas a história do pintor que temos. Talvez a anônima mais famosa da história da arte, a modelo do seu quarto também ganha vida como Griet, uma jovem de 16 anos que tem que sair de casa e trabalhar para ajudar a sustentar sua família após um acidente sofrido pelo pai. Como ele era pintor de azulejos e membro da guilda dos artistas, a jovem consegue um emprego como empregada doméstica na casa de Vermeer. Mas a situação não é tão simples assim: isso é considerado um declínio social para a jovem, que vai de uma família artística para um dos trabalhos mais desvalorizados naquela sociedade. Para piorar a situação, os Vermeer pertencem à minoria católica, o que entra em contraste com a religião protestante da moça.
 
O início da obra nos mostra a adaptação de Griet, indo de uma vida confortável e tida como “honesta”, por ser ela uma jovem protestante de família artística, para uma “desgraçada” no momento em que ela aceita a posição: a doméstica suja, que presume-se dormir com o patrão, prestando serviços em uma casa de uma religião tida como inferior. Não é de se estranhar que ela sofre com esse início, mas vai se adaptando para ganhar voz e força e se relacionar tanto com os serviçais (especialmente Tanneke, a outra doméstica) quanto com a família. Ela faz amizade com a filha mais velha da família, Maertge, mas nunca se dá bem com a rancorosa Cornelia, a filha mais nova favorita da repudiante matriarca da família, Catharina. Aqui, temos uma história nos típicos moldes da Gata Borralheira: a mocinha linda, presa a trabalhos domésticos braçais, que sofre abusos da malvada “madrastra” e das irmãs feias. Eu particularmente adoro esse enredo, especialmente pois já espero muita juistiça e carma no final, então logo de cara já fui conquistada.
 
Então entramos na segunda parte da história. Visitando sua casa apenas aos domingos, ela vê a família aos poucos se desfazendo, especialmente quando sua irmã Agnes morre vítima da peste. Cada vez mais ela se liga aos Vermeer e à vida que leva por lá, inclusive mantendo uma amizade com pequenos toques de flerte com Pieter, filho do açougueiro da família. Mas o que mais a liga àquela vida é a arte: Griet se mostra cada vez mais uma ávida adimiradora do trabalho de seu patrão. Um dia, Vermeer descobre o fascínio da menina pela arte e rapidamente percebe que ela possui um dom. Então, ele resolve secretamente e discretamente a ensinar um pouco mais sobre pintura, transformando suas tarefas domésticas em atividades de um aprendiz, como misturar a pintura e preparar os cenários. Como a moça acaba passando cada vez mais tempo no ateliê do pintor, Catharina, a esposa malvada, começa a suspeitar que os dois têm um caso.
 
E então a terceira parte em muito se relaciona com a arte e a confecção do quadro, habilmente ligando todas suas partes. O que mais me marca sobre a maneira como a autora executou sua narrativa é como a simplicidade é a característica marcante. Ela não precisa de muitas palavras para expressar exatamente o que quer, para dar a entender diversas situações ou pensamentos. É uma sutileza que eu acho difícil de executar, e ela o faz com maestria. Esse livro para mim foi um excelente cartão de visitas ao fantástico mundo de Chevalier, e depois dele encontrei obras por quais sou apaixonada, e que espero um dia poder compartilhar com vocês.
 
Tem tudo para ser um livro 5 estrelas, certo? Sim, mas não é. Vou tentar explicar as minhas razões, e muito disso passa pelo impacto que o filme deixou em mim.
 
Eu adorei o filme quando assisti, mas muito mais pelos atores, pelo cenário histórico e pelo desenvolvimento da história. Quando li o livro, percebi o quanto o filme foi genial, pois ele foi capaz de identificar algumas falhas no enredo e as suprir. Não estou falando de mudança na história, mas sim na ênfase em algumas situações, sentimentos, olhares, cores. Eu li o livro e já de cara pensei: o filme acertou, essa história precisava de um pouco mais de volume, de falar um pouco mais alto em alguns casos, em talvez em algum momento deixar algo mais explícito. E, para mim, temos um raro exemplar de um filme que é melhor que o livro.
 
Eu adorei o livro e acho uma leitura muito legal para os fãs de ficção histórica, rápido e fácil de ler. Mas ele poderia ser ainda melhor se explorasse mais o romance e se desse ainda mais os tons da Gata Borralheira que mencionei no início. Talvez seja uma questão de experiência da autora, pois eu gostei muito mais de livros posteriores dela, que souberem explorar mais a química entre as personagens. Mas mesmo assim acho um livro inovador, criativo, bem escrito, fácil de ler e que merece ser lido. E ouso aqui sugerir para vocês um inusitado: assistam o filme primeiro!
 
Adicione ao seu Skoob!
 
Compre na Amazon: Moça com brinco de pérola  
 
Avaliação (1 a 5):


Comente, preencha o formulário, e concorra ao Top comentarista de agosto!

Postar um comentário

  © Viagem Literária - Blogger Template by EMPORIUM DIGITAL

TOPO