O Talentoso Ripley – Patricia Highsmith

>>  quarta-feira, 7 de julho de 2021

HIGHSMITH, Patricia. O Talentoso Ripley. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2021. 331p. (Ripley, v.1). Título original: The Talented Mr. Ripley. 

A primeira vez que ouvi o nome de Patricia Highsmith pelo menos o suficiente para prestar atenção foi em abril de 2019. Na ocasião, fui apresentada por minha professora de literatura inglesa com um surrado exemplar de um dos vários livros de contos que a autora publicou ao longo da vida. Mesmo não sendo britânica, o que fugia um pouco dos requisitos de indicação literária do curso, a professora me indicou a leitura da autora após eu falar em sala de aula sobre minha paixão por livros policiais. Segundo ela, era por uma boa razão: Highsmith era leitura obrigatória para fãs do gênero. 

Como boa procrastinadora que sou, adiei ao máximo a leitura da obra escolhida, Little Tales of Misogyny, publicado em 1975 mas ainda inédito no Brasil. O livro veio na minha mala de volta para o Brasil, quando em 2020 finalmente pude ler. Histórias curtas e criativas, ficaram marcadas comigo: apesar das poucas páginas, a autora construía personagens psicologicamente complexos com diversas psicopatias e distúrbios, que interferiam nas suas diferentes relações sociais. Foi uma das minhas leituras favoritas de 2020 e inaugurou uma fase de pesquisas e curiosidades sobre a autora. 

Faz um tempo que espero a oportunidade para ler o seu romance de estreia, Pacto Sinistro (a tradução um tanto quanto questionável de Strangers on a Train), simplesmente por que foi adaptado para o cinema por Alfred Hitchcock, em talvez meu roteiro favorito do cinema clássico. Claro que conhecia o personagem Tom Ripley, imortalizado na adaptação cinematográfica de 1999, e vivido muito bem por Matt Damon, mas era Pacto Sinistro o que eu desejava. Mas o destino nos prega peças e acabou cruzando meu caminho com o do Sr. Ripley. E devo dizer, que prazer enorme é conhecer a cabeça de um sociopata! 

O Talentoso Ripley conta a história do mais famoso personagem de Highsmith, Tom Ripley. É o primeiro do que viraria uma série de 5 livros protagonizados pelo psicopata com dons para a matemática, comédia, imitação, e muita irritabilidade. No livro, conhecemos tudo sobre Ripley: um jovem criado por uma tia maldosa em Boston, se muda para Nova York onde não consegue manter um emprego de contabilidade, tanto por achar tudo aquilo muito tedioso quanto por não conseguir seguir o caminho da legalidade. Aos 20 e poucos anos, Ripley vive de favor em casa de amigos e ganha seu dinheirinho dando golpe em pessoas ricas não tão preocupadas com seu imposto de renda. Golpe: cai quem quer desde 1955! Um dia, estava tranquilamente bebendo num bar quando foi abordado por um homem mais velho. Pensando ser um policial finalmente vindo lhe prender, Ripley no início é distante, mas a situação muda quando ele descobre se tratar de Herbert Greenleaf, pai de um conhecido ser, o playboy Dickie Greenleaf. O Sr. Greenleaf acha que Ripley é um bom amigo de Dickie, que passou um tempo vagabundeando pela Europa e agora firmou-se no interior da Itália, na cidade de Mongibello. A proposta do Sr. Greenleaf é pagar tudo para que Ripley vá até a Itália convencer seu filho a voltar para casa e assumir o negócio da família, bem como dar mais atenção à mãe, que está doente. Ripley, o bom aproveitador que é, finge ser muito mais íntimo de Dickie do que realmente é para conquistar esse trabalho dos sonhos. Sendo bom adulador e nato em falar o que os ricos de Nova York querem ouvir, ele conquista a confiança do Sr. Greenleaf e logo embarca para a Itália. 

Chegando lá somos apresentados à Dickie Greenleaf e sua amiga colorida, a também americana Marge Sherwood. Após um período de adaptação onde Ripley tem que sacudir seu jeito de menino pobre de lado, ele joga todo o charme e badalação para o playboy, com quem acaba criando uma amizade. Dickie então o convida para se hospedar em sua casa, e o relacionamento dos dois vai ficando cada vez mais íntimo, para o desagrado de Marge. Cada vez mais encantado com a vida de um herdeiro na Europa, Ripley vai imaginando que aquilo é o que ele quer fazer da vida (quem não, Ripley!) e talvez seja hora de fazer por onde para desfrutar do estilo de vida que ele se acha merecedor.

Um livro de leitura fluida, fácil e cativante, O Talentoso Ripley me surpreendeu positivamente. Nele, Highsmith mostra seus dotes em novamente brincar com psicológicos claramente doentios de personagens que não são os típicos vilões de livros policiais ou de suspense. Tom Ripley é desajeitado, egoísta, irritadiço, poucas pessoas gostam dele. Ele não é calculista, age por impulso e muito na base do ranço (quem nunca, não é mesmo?). Mais ou menos passado 1/3 da história temos a clara certeza de que ele não é normal: ele é incapaz de demonstrar sentimentos de afeição, carinho e amor, sendo permeado pela inveja mesclada com ambição. Mas o que faz de Ripley alguém diferente? Eu honestamente nunca vi um personagem como ele: desastrado, não muito inteligente, que lê as pessoas e nem isso muito bem, pois muitos de seus planos não dão certo. Mas o tempo passa e Ripley simplesmente vai vivendo e sobrevivendo, ele e o seu eterno perfil invejoso ambicioso com impulsos não tão dignos.

Eu adorei tudo na obra: o cenário, a época, o fato de não termos tecnologias para interferir na busca policial... Mas especialmente adorei o fato de que o livro me deixou confusa: por um lado eu queria que os planos dele dessem errado e toda Itália descobrisse a "falsiane" que ele realmente é, mas por outro... ah, no fundo eu queria que ele se safasse! Ripley foi essa dicotomia: odiar a pessoa que ele é, mas simplesmente amar o personagem que era apresentado para mim. A estrutura narrativa é realmente diferente da história de detetive comum. Não pense encontrar um romance no estilo Agatha Christie. Acho que a razão disso é que o livro não é sobre fatos criminosos, mas sim sobre a pessoa doentia que os está cometendo. Uma bola dentro!

O livro só não ganha nota máxima hoje porque o personagem não é o mais agradável de todos. Eu adorei conhecer Ripley, mas ele me irritou muito. Também acho que a autora poderia ter trabalhado melhor o enredo da amizade entre Dickie e outro riquinho americano que aparece por lá, para elevar ainda mais a inveja e a mesquinharia do nosso protagonista. Também fiquei curiosa em saber mais sobre Marge Sherwood, mas fico aqui na esperança dela aparecer novamente ao longo da série.

No mais, fica a minha forte indicação, mas com um aviso: evitem a todo custo ler sinopses e resenhas do livro. Alguns falam muito mais do que deveriam e acabam estragando todo o prazer da leitura. Pasmem: em alguns casos, encontrei informações de coisas que acontecem nas páginas finais da obra. Muitos desses resumos contêm análises de situações que eu não cheguei a perceber, o que me faz concluir que estão sujeitas à subjetividade de quem as escreveu. Acho que eu passei aqui as informações principais para descrever o livro, sem estragar suas surpresas. E assim deve ser a leitura de um bom policial! 

Série Ripley:
  1. O talentoso Ripley (The Talented Mr. Ripley), 1955 
  2. Ripley subterrâneo (Ripley Under Ground), 1970 
  3. O jogo de Ripley (Ripley’s Game), 1974  (os demais ainda não lançados nessa edição)
  4. O garoto que seguiu Ripley (The Boy Who Followed Ripley), 1980 
  5. Ripley debaixo d'água (Ripley Under Water), 1991 
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