Paris é uma festa – Ernest Hemingway
>> sexta-feira, 26 de março de 2021
HEMINGWAY, Ernest. Paris é uma Festa. Rio de
Janeiro: Editora Bertrand, 2013. 252p. Título original: A Moveable Feast.
Paris é uma festa é um livro do famoso autor
americano Ernest Hemingway, baseado em anotações feitas de sua vida em Paris
entre 1921 e 1926 e editadas pelo autor ao final de sua vida, sendo publicadas
em formato de livro postumamente, em 1964. O livro é um clássico exemplar da
literatura de não-ficção, podendo ser classificado no gênero “memórias”, e nos
traz personagens enigmáticos e renomados da literatura modernista dos anos
1920-1940 como John Dos Passos, F. Scott e Zelda Fitzgerald, James Joyce, Ezra
Pound e Gertrude Stein. Contendo relatos de um jovem adulto se aventurando na
carreira de escritor, o livro nos traz a imagem de uma Paris efervescente como
uma garrafa de seus mais famosos champagnes e mostra como a geração do pós
Primeira Guerra Mundial tinha um jeito peculiar negativo de ver a vida, mas
aproveitando todos seus aspectos positivos como se não houvesse amanhã.
Ernest Hemingway me dá um gosto saudosista na memória.
Ele era o autor favorito de um tio querido que infelizmente um câncer tirou
cedo de minha vida. Ler esse livro foi para mim como ter mais uma conversa com
meu tio, que em muito copiava o estilo de vida desse emergente Hemingway. Eu
não o julgo, pelo contrário: o autor fazia (e ainda faz) parte do imaginário estadunidense
como a típica figura de um escritor de sucesso, e suas andanças mundo afora o
fizeram conhecido mundialmente muito antes de seu Pulitzer ou do prêmio Nobel
de Literatura em 1954. Hemingway era o ideal da elite intelectual mundial: um
menino inteligente com talento nato para a narrativa que conseguiu um emprego
em um jornal e logo foi transferido para o exterior (Paris, no caso) para
trabalhar como correspondente internacional. Sua atitude de se jogar na vida e
aproveitar o máximo de todos os dias e todas situações, de sempre estar no
centro da história e das conversas o rendeu uma experiência de vida
inimaginável para os padrões atuais. Aos 18 anos era ex-combatente na Itália e
seus dias em Paris o renderam aclamadas coberturas jornalísticas de conflitos
daquela Europa em ebulição no período entre Guerras. A vida boêmia era a
oportunidade de manter contatos e amizades com pessoas que seguiam o mesmo
caminho e uma frutífera fonte de inspiração para suas histórias. Era apaixonado
por boxe e, na Espanha, se tornou um fervoroso consumidor de touradas. Adorava
pescar e caçar, o que rendeu ao longo da vida estadias em Cuba (sendo um grande
“embaixador” americano na ilha) e viagens à África. Foi correspondente
jornalístico no front durante a Guerra Civil Espanhola e na Segunda Guerra
Mundial, onde até correu um boato bem exagerado de que ele próprio havia
libertado Paris dos alemães. Teve 4 casamentos e inúmeros casos, e toda sua
experiência de vida e as situações inusitadas que vivia eram transformadas em
inspirações para suas histórias, livros e contos. Morreu em decorrência da
depressão que o assolou no final da vida, de dores crônicas resultantes de 2
acidentes aéreos e dos reflexos de uma vida de bebedeira. Mas ele viveu, foi um
cidadão do mundo, experimentou, correu, lutou, chorou, curtiu, sofreu... e
escrevia histórias incrivelmente cruas e realistas sobre isso. E daí vem o
mito, o profissional respeitado e o escritor consagrado.
Acho interessante que de todos os livros que se tornaram
clássicos imediatos, a obra que escolhemos do autor foi suas memórias
publicadas postumamente. É poético conhecer a pessoa antes de conhecer a sua
obra, como meu tio certamente o fez. Assim, na leitura coletiva de março/2020,
podemos ler as anotações selecionadas do autor sobre um período muito vivo e
festivo de sua vida, apesar de todas as dificuldades. É um insight interessante
daquela época de Paris, que inclusive serviu de inspiração para o premiado
filme de Woody Allen, “Meia Noite em Paris”. Eu imagino meu tio andando
por Paris, uma cidade que ele amava e se sentia inteiro quando visitava,
parando num café e tendo conversas sobre literatura e política com Joyce ou
Fitzgerald. É um sonho nosso que foi a realidade de Hemingway, talvez com ele
iniciada.
O livro é dividido em capítulos que não observam uma
ordem cronológica e tratam de sua vida na cidade com sua primeira esposa e suas
amizades na época. Biógrafos do autor dizem que ele pretendia que a obra fosse
lida em qualquer ordem, sem a sequência de um livro, mas eu acredito que
funciona melhor seguindo a linha do início ao fim. Lugares citados pelo autor
ainda estão de pé na cidade e se tornaram pontos turísticos devido aos ilustres
visitantes, que hoje caíram nas graças da história e dos turistas. Em 2011 tive
o prazer de visitar a tão mencionada livraria Shakespeare and Company
que, à época de minha visita, apenas trabalhava com exemplares antigos ou de
colecionadores, mas jamais deixando de ser um lugar charmoso e simbólico.
A viagem à Paris de 1920 certamente foi nostálgica para o
autor, que trabalhou em suas anotações durante os últimos anos de sua vida.
Digo certamente pois esse sentimento também passa ao leitor. Eu lia sobre Gertrude
Stein e pensava em como queria conversar com meu tio sobre o assunto, ou como
seria bom viajar novamente, aproveitando as inúmeras delícias de uma cidade tão
global e tão histórica como Paris. Esse realmente é o melhor que o livro nos traz.
Sou consumidora assídua de memórias e, conhecendo um
pouco do gênero, reparo em alguns problemas na obra. Talvez por não ser uma
memória intencional, mas sim uma adaptação de anotações esparsas em seus
cadernos de viagem daquela época, o livro não tem uma fluidez literária como
outros do gênero. A descrição dos amigos e pessoas parecem mais reflexões pessoais
do que uma história bolada, que muitas vezes me questionaram a real necessidade
do capítulo. Pessoalmente, gostaria de conhecer um pouco mais sobre James Joyce,
o que ele achava da pessoa e do escritor, e não uma noite de bebedeira entre os
dois. A impressão que me fica é que o livro tinha um objetivo, mas talvez faltou
um pouco para ser alcançado.
Mesmo assim acredito ser uma leitura leve, fácil e por
vezes alegre, que nos trás a alegria de outros tempos, tempos antes da
pandemia, e que nos deixam a esperança de talvez não viver como Hemingway
viveu, mas de voltar a desbravar o mundo e suas festas.
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