A Inquilina de Wildfell Hall – Anne Brontë

>>  sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

 

BRONTË, Anne. A Inquilina de Wildfell Hall. São Paulo: Editora Martin Claret, 2020. 580 p. Título original: The Tenant of Wildfell Hall.
 
 
É sempre um prazer viajar pelo mundo das Brontë. Já conhecia Jane Eyre de Charlotte Brontë e O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, mas exatamente por nunca ter lido a terceira irmã, Anne, não me declarei uma grande conhecedora da família Brontë. Isso mudou em junho de 2019, quando visitei o vilarejo que foi a casa da família, Haworth, no noroeste da Inglaterra. Essa viagem me deixou emocionalmente mais próxima aos sentimentos e conquistas das irmãs, e decidi que estava na hora de também conhecer um pouco de Anne.
 


 
Também publicado em 1848 sob um pseudônimo masculino, A Inquilina de Wildfell Hall é o segundo romance de Anne Brontë e definitivamente tem as marcas de sua família: o amor não correspondido, a vida difícil, e o destino que não sorriu aos personagens principais. Inclusive, conhecendo um pouco mais sobre a família, é impossível desassociar os personagens de algumas figuras reais. O personagem Arthur Huntingdon é uma clara referência ao seu irmão Branwell, também muito inconsequente e com diversos encontros desastrosos sob a influência do álcool.
 
O livro é escrito na forma de uma série de cartas de Gilbert Markham, um fazendeiro local, para seu amigo sobre os eventos relacionados com seu encontro com uma jovem viúva misteriosa, Helen Graham, que chega com seu filho pequeno a Wildfell Hall, uma mansão elisabetana que está vazia há muitos anos. Contrariando as normas do início do século XIX, ela segue a carreira de artista e ganha dinheiro com a venda de seus quadros. Sua reclusão e o fato de estar sozinha logo dá origem a fofocas na aldeia vizinha e ela se torna uma pária social. Recusando-se a acreditar em qualquer coisa escandalosa sobre ela, Gilbert fica amigo da mulher e aos poucos vai descobrindo mais sobre seu passado, muito em razão de um diário que ela entrega a ele para que entenda sua história e as razões das escolhas que ela realizou.
 
Acho que vale a pena ressaltar como a obra trata de assuntos extremamente polêmicos até hoje, quem diria na era vitoriana inglesa. O principal, talvez, seja a relação marital que não pode ser prejudicial à mulher que queira entrar no mercado de trabalho ou seguir a vida de acordo com seus princípios, não necessariamente os do marido. Nisso, o livro tem muito sucesso ao desvincular a relação de gênero no casamento, ao colocar a mulher como um membro ativo da sociedade para além das tarefas caseiras. Helen é uma pintora e não o deixa de ser com o casamento, e o fato de ganhar dinheiro e sustentar com isso é mal visto pela sociedade, mas dá a ela uma satisfação e um senso de responsabilidade capaz de ignorar esse desconforto. Está aí um pouco do feminismo que marca as Brontë, e ele é muito gritante com as palavras e pensamentos de Anne.
 
A religiosidade também é muito marcante no livro. Helen Graham é uma cristã devota e se esforça para viver sua vida de acordo com os princípios bíblicos. Seu casamento com Arthur Huntingdon testa tanto sua fé quanto sua determinação de ser boa em face do mal. Mesmo quando Arthur zomba de sua piedade e sua própria infelicidade lhe sugere que a instituição do casamento pode às vezes ser uma prisão, ela permanece fiel aos princípios cristãos de caridade e perdão, acreditando que no final será recompensada por seus sacrifícios. No geral, isso oferece uma “moral” relativamente direta para a história de Brontë: sua afirmação de que se apegar à fé e às virtudes cristãs, mesmo em face das dificuldades e injustiças, acabará por levar à felicidade - se não nesta vida, pelo menos na próxima.
 
Por fim, acredito que A Inquilina de Wildfell Hall seja um bom livro para se ler, especialmente para aqueles que já conhecem o mundo das Brontë. É muito interessante achar temas semelhantes das obras e tentar realizar um paralelo entre a família. Individualmente, o livro pode ser um pouco melodramático e definitivamente agradará aqueles que adoram uma história de amor sofrida, com vários percalços e desavenças. É uma leitura fluida e interessante, mas que peca um pouco no sentimentalismo, pelo menos para meu gosto. Mas mesmo assim considero um clássico que vale a pena ser lido e apreciado!

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