Rebecca – Daphne du Maurier
>> sexta-feira, 2 de outubro de 2020
Rebecca é um livro que eu não me canso se indicar, talvez não por ser apaixonada pelo livro, mas sim entender como a obra influenciou diversos autores ao longo dos anos. Depois de uma onda de leitura do livro Verity, de Colleen Hoover, entre minhas amigas, mais uma vez me encontrei pregando como esta é mais uma das inúmeras obras influenciadas pelo mais famoso romance da britânica Daphne du Maurier. E acho que finalmente chegou a hora de falar desse livro que tanto me marcou.
Ao contrário do que considero ideal, conheci a história de Rebecca primeiro pela adaptação cinematográfica de ninguém menos do que Alfred Hitchcock, de 1940. Eu era jovem e estava na minha fase de consumir sem moderação clássicos do cinema Hollywoodiano, e encontrei em Hitchcock um favorito. Talvez seja as semelhanças com meus queridos livros de Agatha Christie, mas o mistério bem elaborado, combinado com o glamour da época e os roteiros emaranhados e imprevisíveis me faziam delirar. Por incrível que pareça, Rebecca, a adaptação do livro que aqui resenho, é o único de seus filmes a ser laureado com o Oscar de Melhor Filme, uma película que considerei nos níveis certos de psicopatia, amor, paranoia, obsessão e mistério.
Bom, o fato é que eu conheci a história antes de ler o livro, na verdade antes mesmo de saber que era um livro. Isso é muito comum, especialmente quando lidamos com um clássico da literatura gótica britânica datado de 1938, absolutamente amado e muito popular na terra da rainha. E quando eu falo em literatura gótica, permitam-me esclarecer que não é nada parecido com o culto gerado pelo O Corvo de Edgar Alan Poe, mas sim o estilo literário marcado especialmente pelas seguintes características:
1) Cenário misterioso e sombrio, comumente enormes mansões vazias para seu tamanho;
2) A presença ou o medo da presença de monstros e fantasmas;
3) Maldições ou profecias;
4) A donzela em perigo;
5) Romance;
6) Trama psicológico.
Rebecca é um grande representante do gênero, e nesta resenha vou tentar explicar um pouco a razão para isso, e como esse clássico envelheceu tão bem e foi diversas vezes adaptado, mesmo sem seu devido crédito (estou olhando para vocês, A Sucessora e O Mistério de Irma Vapp).
O livro conta a história de uma jovem moça cujo nome não sabemos, que trabalha como dama de companhia para uma rica senhora americana de férias em Monte Carlo. Ela, por acaso também nossa narradora, conhece um rico homem inglês mais velho, o Sr. Maximilian “Maxim” de Winter e começa a inocentemente se encontrar com ele. Ao final de sua rápida estadia em Monte Carlo, o Sr. De Winter pede a jovem e então pobre moça em casamento, a introduzindo ao mundo da sociedade britânica e a colocando como a Sra. De Winter, cuidadora da mansão Manderley, um dos cenários mais conhecidos da literatura e do cinema.
Ao se casar com Maxim De Winter, a vida da nossa narradora muda completamente. Além de entrar em um novo e desconhecido mundo de posses e riquezas, ela também tem que lidar com as muitas responsabilidades e expectativas que lhe foram impostas como esposa do famoso Maxim De Winter. Essa experiência a transforma em uma mulher mundana e mais confiante, mas, no entanto, é um desenvolvimento gradual – e muito devagar. Por exemplo, no início do romance, o narrador tem fantasias românticas irrealistas dela e de Maxim. No entanto, após o convívio com o distante Maxim, a real situação do casamento começa a se mostrar: não há romances intermináveis e desejados, não há ardência... Há a rotina e o dia a dia de cuidar de uma propriedade tão estimada e tão grande, e são os afazeres que a aproximam de seu marido.
O novo casal segue então para Manderley, onde somos enfim apresentados a uma das melhores personagens da literatura britânica, na minha humilde opinião: a governanta da casa, a assustadora, sinistra e exigente Mrs. Danvers! É com ela que a principal personagem do livro nos é apresentada: Rebecca, a primeira esposa de Maxim e até então a Sra. De Winters e dona de Manderley, que faleceu em um acidente de barco um ano antes. Mrs. Danvers era profundamente dedicada à Rebecca, e quando eu digo profundamente, eu quero dizer mais fundo que a camada pré sal. A governanta tem uma veneração doentia àquela que ela considera a mais bonita de todas, a mais elegante, a inigualável, incomparável e inesquecível Rebecca.
Mrs. Dancers de cara não gosta da nossa narradora, a tratando com desdém e minimizando tudo que ela tenta fazer na casa, com incontáveis e fervorosas comparações à antiga chefe. Isso para mim é motivo de demissão por justa causa sem direito à recomendação, mas para a nossa pobre mocinha narradora, é um alimento à sua baixa auto estima e confirma suas suspeitas de que ela não está a par do título que seu casamento lhe deu. Passamos uma boa parte da narrativa assim, com a Mrs. Denvers fazendo jogos de tortura psicológica com a nova senhora da casa, e esta respondendo cabisbaixa e aceitando as humilhações. A nossa narradora chega então a termos com o fato de que ela jamais alcançará a beleza, a urbanidade, a simpatia, a destreza e o encanto de Rebecca. E o pior, com a falta de afeto e carinho de seu marido, a nova Sra. de Winter (assim que ela é mencionada no livro, jamais pelo seu nome) se convence de que Maxim ainda está perdidamente apaixonado pela incrivelmente superior Rebecca, e como não? Nunca haverá mulher como Rebecca! (essa é a frase marcante do livro, imortalizada por Hitchcock na adaptação cinematográfica).
Só que as coisas estão longe de ser o que parecem, e temos uma trama muito bem tecida, um verdadeiro thriller psicológico de mistério, amor, obsessão, devoção, traição onde todos têm seus motivos, mesmo que doentios.
Me chama atenção a nova Sra de Winter, a sucessora, aquela tão secundária que jamais sabemos seu nome. Esse direito foi dado à protagonista, que nem viva está: Rebecca. Rebecca tem seu nome falado sem parar, sua presença é marcante e inconfundível, enquanto a segunda nem esse direito básico conseguiu. Esse nome assombra o romance e enlouquece a heroína de ciúme e medo. Porém, mesmo anônima ela é uma das heroínas mais famosas da literatura inglesa, no mesmo nível de Jane Eyre e Elizabeth Bennet.
Antes rejeitada como um romance gótico, como "ficção feminina", Rebecca é agora considerada o thriller psicológico mais extraordinário, explorando nosso medo mais primitivo do rival: a mulher que é mais bonita, mais realizada do que nós. E essa história foi contada e recontada em todos os cantos do mundo, desde Sylvia Plath à segunda Sra. Ted Hughes, a Linda McCartney e Heather Mills, a Verity de Colleen Hoover e, no Brasil, A Sucessora de Carolina Nabuco e a famosa peça O Mistério de Irma Vapp. É difícil para uma segunda esposa competir com a memória da primeira. Daphne du Maurier aproveitou brilhantemente disso e assim influenciou uma geração de suspense e mistério.
Du Maurier, que conhecia Freud e Jung, criou um romance estranho e alucinatório que exerce um poderoso domínio narrativo. Cheio de sequência de sonho surreal e sexualidade reprimida, ele não hesita em retratar assassinato ou suicídio. O escritor o viu como "bastante sombrio", até mesmo "desagradável", um estudo de ciúme sem nada de uma "história de amor requintada". E isso faz desse livro uma leitura extraordinária e indispensável para os amantes de clássicos e mistério.
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