Perdão, Leonard Peacock – Matthew Quick
>> sexta-feira, 16 de outubro de 2020
Perdão, Leonard Peacock conta a história de um jovem rapaz assombrado pela depressão e pensamentos suicidas, que deseja usar a pistola de seu avô ex-combatente da segunda guerra para matar seu ex melhor amigo e, em seguida, tirar a sua vida. Essa descrição por si só é muito sombria e traz a ideia de uma história dramática e pesada, mas não é bem assim. Mais uma vez Matthew Quick se solidifica como um de meus autores contemporâneos favoritos e nos traz um texto fluido, leve, cheio de referências pop e com um humor irônico que se tornou sua marca registada. E assim uma história que tinha tudo para tomar as características que vemos em Precisamos Falar Sobre o Kevin ganhar ares leves ao mesmo tempo que trata com seriedade um problema muito comum e que ainda está coberto de tabus e estigmas.
Hoje é o aniversário de Leonard Peacock, que acaba de completar 18 anos. O grande problema é que ninguém se lembra da data, o que ele já sabia que ia acontecer. Sua mãe, Linda, é uma ocupada e badalada estilista que vive em Nova York cercada de modelos e agentes e não tem tempo para lidar com seu filho de um fracassado casamento. Para ela, um pai presente é aquele que paga as contas e sustenta, e nada mais do que isso. O pai de Leonard era um astro do Rock que por muito tempo viveu dos direitos autorais de suas músicas, mas que acabou em desgraça viciado em jogos de apostas e eventualmente desaparecendo no mundo ao ser descoberto sonegando impostos. Leonard então vive sozinho, tendo muito pouco a seu favor. Na escola, ele é enquadrado como um nerd esquisito e não tem amigos, pelo menos não da sua idade. Seu melhor (e único) amigo é Walt, um idoso vizinho que fuma como uma chaminé e quem o introduziu ao fantástico mundo de Humphrey Bogart, talvez o maior nome do cinema clássico hollywoodiano. Os dois passam o dia assistindo filmes antigos, uma prática tão comum que já até sabem os diálogos de cor, e conversam usando as falas de seu ator favorito.
Na escola, Leonard não se encontrou: somente consegue enxergar hipocrisia nos atos de seus colegas e criou um muro de autodefesas que impede qualquer um de se aproximar. Não que alguém queira: as atitudes grosseiras do menino deixam bem claro que ele não está interessado nas mesmas coisas que os jovens de sua idade. Sua relação com os professores é um pouco diferente. É com eles que Leonard mais se identifica e consegue estabelecer trocas intelectuais que o satisfazem e, segundo o mesmo relata, o fazem aguentar as perspectivas de mais um dia nesta terra. O grande destaque é Herr Silverman, o professor que atualmente ensina o Holocausto e é responsável por ativar e desenvolver o senso crítico de cada um, respeitando suas individualidades e saindo do lugar comum que um ensino escolar pode ser. As aulas de Herr Silverman são um oásis para Leonard, algo a que se esperar e a salvar o seu dia. Mas mesmo assim chega a um ponto que nem isso é mais suficiente.
Então hoje, quando completa 18 anos, Leonard resolveu que não quer mais viver. Mas ele não quer deixar uma impressão ruim naqueles que tocaram sua vida positivamente de alguma forma, não como um assassino cruel como o Kevin do livro que mencionei anteriormente, não para essas pessoas. Assim, mesmo sendo seu aniversário, mesmo sem ninguém saber, ele resolve presentear 4 pessoas que marcaram sua breve vida. Uma dela é seu amigo Walt. O outro é o seu professor Herr Silverman. E os outros dois vou deixar para vocês descobrirem com a história, pois faz parte da razão pela qual viramos ansiosamente as páginas desse livro: queremos Leonard bem, queremos ele curado, queremos que as pessoas notem que há algo de errado e de algum modo o salvem. Esperar por esses presentes faz isso, nos dá esperança de que talvez, apenas talvez, Leonard fique curado. Mas a depressão não é uma doença simples assim.
Aproximadamente 2 meses após o início da quarentena, eu escrevi as seguintes palavras em um email do clube do livro que participo:
“Ah, 2020. 2020 é o ano que todos querem esquecer. Comigo começou com uma ousada declaração no réveillon, passado com meus pais de pijama assistindo Netflix (provavelmente Friends, na dúvida sempre é Friends) apenas com uma taça de champagne para comemorar a tradição da virada dos relógios. Empolgada com as perspectivas de um 2019 agitado e surpreendente, declarei ao brindar que estava começando o melhor ano das nossas vidas. Eu sou teimosa e pago pela minha teimosia. Teimosia em ser positiva e fazer previsões agradáveis de um futuro, quando o passado sempre me mostrou que quando se é positiva e ansiosamente se espera por uma coisa, grandes são as probabilidades de você irritar os Deuses e o universo de castigar. É esse o meu desabafo: eu sozinha causei esse 2020: A minha cerveja favorita estava envenenada, a cidade recebeu a maior chuva já registrada e o mundo como conhecemos não existe mais, graças ao corona (curiosamente minha nova cerveja favorita. Eu claramente gosto do sabor DESASTRE).
“Todo mundo está assim”, as pessoas continuam a dizer para Lili, a maioria no sentido de ajudar por minimizar seus sentimentos. Isso fez Lili se sentir nula, mais uma no meio de milhões de pacientes, porém ainda com os sintomas da temida palavra com D, aquela que não deve ser nomeada. Para o bem de seus parentes e de seu futuro nesse mundo DQ, Lili procurou ajuda, alguém para conversar e chorar, alguém que não coloque seus problemas como histeria em massa e a faz sentir um pouco melhor. E aos poucos Lili voltou a conseguir dormir e a passar os dias sem gritar. Mas algumas coisas ajudam, sempre ajudam.”
Essa palavra com D que tanto me persegue ao mesmo tempo exerce sobre mim uma fascinação inexplicável. Acho que de algum jeito sou como Leonard, eu procuro fazer com os outros o que mais desejo no fundo da minha alma. Eu procuro fazer todo mundo ficar bem na minha ânsia de ficar bem. E por isso eu sofri tanto com a história desse livro. Matthew Quick faz isso comigo: ele pega todos os meus problemas, todas as questões que eu não sei que tenho mas estão lá bem no fundo da minha cabeça e escreve um livro sobre elas, sobre como o poder do BEM é a maior força que existe, e o fato de coisas ruins acontecerem nunca anulará isso. De seus antigos livros, “Quase UmaRockstar” é um hino ao poder da positividade e ao impacto que você tem na vida das outras pessoas, mesmo sem saber disso. “Todas as Coisas Belas” nos mostra que aparências não são tudo e que as vezes um exercício de autoconhecimento é o melhor remédio para a alma. “Garoto 21” nos diz como os heróis não são perfeitos, mas mesmo assim tem atitudes louváveis. “O Lado Bom da Vida” nos faz crer em segundas chances, e “A Sorte do Agora” nos mostra como sair da zona de conforto é uma aventura que pode sim ser difícil, mas tem tudo para ser incrível. E agora “Perdão, Leonard Peacock” nos diz que buscar ajuda não é fraqueza e não é errado, mas que depender do outro para ter a sua felicidade é mais errado ainda.
Em uma das minhas resenhas, comecei um ranking dos livros de Quick, e resolvi voltar agora, só por diversão.
1. Quase uma Rock Star
2. Todas as Coisas Belas
3. Perdão, Leonard Peacock
4. O Lado Bom da Vida
5. Garoto 21
6. A Sorte do Agora
Esses são os livros lançados pela editora Intrínseca e maravilhosamente traduzidos. Ainda existem 2 não lançados no Brasil, e fica aqui o pedido para que esse erro seja brevemente corrigido!
Apesar da história de Leonard ter me tocado e ter sido um livro impossível de largar, tenho um problema com o final. Na verdade, gostaria que o livro tivesse o dobro de páginas e o dobro da história que tem. Não sei se vocês ficaram ou ficarão com a mesma impressão, e espero poder conversar com vocês sobre. Somente por isso resolvi tirar 2 estrelas da obra, o que mesmo assim não me impede de indicar a leitura para aqueles corações necessitados de um acalento.
Pode ser que o tema não os agrade muito, mas temos que tirar esse estigma e esse medo sobre o assunto DEPRESSÃO. Nisso, este livro é um incrível embaixador.
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Perdão, Leonard Peacock
Avaliação (1 a 5):