Middlemarch: Um Estudo da Vida Provinciana – George Eliot
>> sexta-feira, 9 de outubro de 2020
Middlemarch é uma das obras mais conhecidas de George Eliot, pseudônimo da autora Mary Ann Evans, originalmente publicado entre 1871 e 1872. Primeiramente como fã das grandes escritoras britânicas do século XIX e início do XX, que exemplifico por Jane Austen, as irmãs Brontë, Virginia Woolf e Mary Shelley, foi um grande prazer introduzir mais um nome a esta lista que não canso de fazer crescer e divulgar: George Eliot. Segundamente como historiadora, o enredo da vida dos habitantes de uma cidade no interior da Inglaterra em um momento que não conhecia muito (a reforma eleitoral e a ascensão de um novo rei), me intrigou. Não é todo dia que encontramos um livro que preenche tantos requisitos nas suas preferências literárias: escrito por mulher, clássico da literatura, momentos históricos (mesmo que para mim então desconhecidos) e relatos da vida de pessoas comuns. Há algo sobre o normal que me encanta, o fato de que cada um, por mais simples que seja, tem uma narrativa e uma história para contar. Isso me atraiu para este livro, mais uma obra que consumo no formato de audiolivro, uma maneira de me divertir e treinar o inglês, o que é facilitado pela excelente funcionalidade do aplicativo Audible, da Amazon (ainda não disponível no Brasil, mas com algumas obras em português liberadas gratuitamente. Clique aqui para ter acesso).
Middlemarch conta a
história de diversos de seus habitantes, histórias que se cruzam e se comunicam.
O narrador é onipresente e é bastante opinativo, uma inteligente maneira
encontrada pela autora de expressar suas opiniões políticas, especialmente
aquelas concernentes ao papel da mulher na produção intelectual e a vida no
casamento. Uma das histórias principais, inclusive, tem muitos toques pessoais.
É a de Dorothea Brooke, uma órfã de 19 anos que mora com sua irmã mais nova,
Celia, sob a tutela de seu tio, o Sr. Brooke. Dorothea é uma jovem boa e
piedosa, com excelentes habilidades em arquitetura, o que é visto com maus
olhos pelo seu tio. A jovem, apesar de cortejada por um rapaz de sua idade, se
sente atraída pelo reverendo Edward Casaubon, de 45 anos, de quem aceita a oferta
de casamento, encantada pela inteligência e trabalhos realizados pelo homem. Logo
na lua-de-mel o casamento é colocado a teste, quando Dorothea descobre que o
marido não tem interesse em envolvê-la em discussões intelectuais, ou ao menos
investir em sua formação, nem mesmo de publicar seus livros, um sinal de passividade
intelectual e machismo que desencoraja a moça. Em meio a esses acontecimentos,
o casal se aproxima bastante de Will Ladislaw, primo mais jovem de Casaubon e
por ele sustentado, que desenvolve uma frutífera amizade com Dorothea, nutrindo
até mesmo sentimentos amorosos.
Um segundo núcleo é
representado pela história de Fred e Rosamond Vincy, filhos do prefeito da
cidade. Fred é um pouco preguiçoso e visto como um fracassado pelos habitantes,
mas não se importa muito pois acha que será o herdeiro de seu tio, Mr.
Featherstone. Rosamond, por sua vez, é muito egoísta e ambiciosa e procura se
promover financeiramente e socialmente através do casamento, oportunidade que
encontra com a chegada do médico trabalhador Dr Tertius Lydgate.
O terceiro núcleo da narrativa
é justamente centrado em Lydgate, um liberal que quer aplicar novas ideias
sobre medicina e sanitização. Ele obviamente é alvo de muitas críticas da ala
mais conservadora da cidade, o que não impede de chamar atenção e atrair
aliados até mesmo a seus ideais políticos. Um deles é Bulstrode, um rico clérigo
que deseja construir um hospital de acordo com a filosofia do amigo médico.
Bulstrode, inclusive, é alvo das atenções mais ao final do livro, quando
trata-se de suas venturas políticas e eventual desgraça.
O último núcleo é o do
relacionamento entre Fred Vincy e Mary Garth, jovens apaixonados porém sem
qualquer noção sobre sobrevivência, convívio em sociedade e honra. As diversas
idas e vindas do casal são cuidadosamente detalhadas, com tons de crítica
societária à ideia de posses atrelada ao valor de um homem.
Comecei a leitura sem grandes expectativas; queria apenas
me divertir e conhecer mais do estilo de uma celebrada autora, ainda
desconhecida no Brasil. Por isso não tive pressa na leitura (ou escuta, no meu
caso), que demorou para mim cerca de 2 meses. Não considero isso
necessariamente um problema, gosto de consumir clássicos com calma e parcimônia,
caminhando devagar e refletindo à medida que vou lendo. A linguagem do século
XIX inclusive dificulta muito as leituras fluidas que temos hoje, o que repito
não ser necessariamente um problema. São experiências diferentes, e sempre
devemos ter isso em mente quando escolhemos nos aventurar pelas páginas de um
clássico da literatura.
Ao pesquisar mais sobre o livro durante e após termina-lo,
me deparei com diversas críticas normalmente em sites ingleses, apenas achei
uma crítica em português, isso quando do lançamento da única edição no Brasil
até hoje, em 1998 pela editora Record. O que essas críticas tinham em comum era
a classificação deste romance como de proporções épicas ao mesmo tempo que
redefine o significado de épico.
Os épicos geralmente narram a história de um herói
importante que vive uma grande aventura e geralmente interpretam os eventos de
acordo com um grande projeto do destino, em um grande e conhecido momento da
história. Cada evento tem grandes consequências imediatas, como uma pequena
ação é capaz de mudar o destino do mundo e coroar reis e destruir dinastias. A “epicidade”
do livro é redefinida e atestada em seu subtítulo: "Um Estudo da Vida
Provinciana". Isso significa que Middlemarch, uma cidade fictícia
no centro da Inglaterra, representa a vida de pessoas comuns, não as grandes
aventuras de príncipes e reis. O livro então representaria o espírito da
Inglaterra do século XIX através das pessoas comuns desconhecidas e
historicamente nada notáveis. A pequena comunidade de Middlemarch ganha
destaque no contexto de transformações sociais maiores, e não o contrário.
Depois de ler esses comentários e somente depois de ler
esses comentários que a significância do livro ganhou novas proporções para
mim. A verdade é que eu achei um livro simplório até demais e
desnecessariamente arrastado em partes. Porém, analisando diferentes pontos de
vista, desta vez de pessoas que estudam este livro durante a formação escolar,
eu consigo entender o que ele representa: além de ser mais uma obra prima
escrita por uma mulher (que teve que ser publicado com um pseudônimo
masculino), ele originalmente mudou o foco do grande para o pequeno, do
extraordinário para o comum, da vida na corte para a vida provinciana. E isto é
um feito realmente incrível. Acho que eu teria que estar mais inserida na cultura
e ter mais ciência dos eventos históricos para compreender esta dimensão.
Acho que as tramas sociais complexamente simples não me
agradaram tanto quanto gostaria. Como disse, precisaria estar mais
contextualizada e situada para profundamente apreciar a obra. Dito isso, estou
feliz por ter conhecido um pouco de George Eliot e terminado o livro, mas não
tenho certeza se quero encarar outra obra deste estilo no momento, mas é uma
porta que definitivamente não está fechada!
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Avaliação (1 a 5):