Viagens da Alice #4 – Clube do Livro
>> sexta-feira, 11 de setembro de 2020
*texto escrito
em 27 de maio de 2020
O ano era 2020. Era, pois com a
escalada da COVID-19, temos um novo calendário. Hoje é dia 70 do mundo DQ
(Durante a Quarentena) e apesar de sinais de abertura em algumas cidades, a
maioria das pessoas continua com medo de sair de casa, não antes de um remédio
eficaz ou de uma vacina. O que nos resta é a Netflix (uma das poucas empresas
que viram suas ações decolarem durante o maior período de crise desde 1929 do
antigo calendário cristão) e livros. A leitura voltou a ser um hábito, como no
mundo pré televisão. Livros antes largados nas estantes para pegar poeira
finalmente têm seu lugar ao vento (o que ironicamente faz com que a poeira
esvaeça, apenas para ser limpada por inteligentes aspiradores eletrônicos com
nomes engraçados e nostálgicos de um mundo pré doença, como Rosie e Aécio). As
versões eletrônicas dos livros físicos ganham cada vez mais adeptos, e diálogos
como “estou na página 100” são substituídos por frases comuns como “agarrei em
17%”.
Tudo estava bem, no novo normal. O
novo normal é não se sentir bem e se acostumar com isso. O novo normal é ler um
livro com histórias de um mundo distópico onde as pessoas saem de casa, se
abraçam e até se beijam. Um mundo onde o Zoom nem existia, muito menos caía de
40 em 40 minutos.
Há dias melhores e dias piores. Os
piores dias são aqueles que a gente descobre no Instagram de um jeito
vergonhosamente engraçado que nosso irmão terminou um namoro com uma doce
menina que nos indicou um livro 4 estrelas. Os melhores são aqueles em que
adotamos uma nova gata tão pequena que se recolhe confortavelmente no nosso
ombro. Mas um dos melhores é quando um grupo de amigas resolvem ajustar as
agendas, embora com muito custo, para se reunir virtualmente e conversar sobre
preços do sacolão, cortinas em uma janela bem indiscreta de frente para a rua,
o uso de maquiagem no mundo DQ (um conceito totalmente AD – Antes da
Quarentena), adaptação de gatos, receitas de chocolate quente e livros.
Especialmente livros.
Essas amigas nunca externalizaram o
pensamento comum a todos: o clube é um refúgio, uma lembrança de um mundo mais
simples e com menos preocupações. Um lugar alegre e seguro para conversar
daquilo que as une: o amor por livros. E é por dia como esses que elas acordam
todos os outros dias desse novo calendário, e encontram forças para sorrir
genuinamente apesar de tanta confusão e tanta guerra.
E assim chega mais um mês, repleto de novas
leituras neste mundo diferente. Um mundo diferente, mas que tem algumas
semelhanças com o mundo anterior: o amor pela risada descompromissada e por
livros, seja a querida série Mortal, seja romances em uma Rússia em guerra,
seja Vampiros dando entrevistas (talvez não vampiros dando entrevistas), seja
uma leve comédia engajante. Agora o que espera o próximo mês?
Vamos descobrir.