Pulmão de Aço - Eliana Zagui

>>  sexta-feira, 18 de setembro de 2020



ZAGUI, Eliana. Pulmão de Aço: uma vida no maior hospital do Brasil. São Paulo: Belaletra Editora, 2012. 239p.  


“Só fui alfabetizada aos 12 anos. Era consenso entre os médicos que não viveríamos muito. Por isso nenhum esforço foi feito para que tivéssemos qualquer tipo de atividade escolar.” (p. 132)


Pulmão de Aço traz as memórias de Eliana Zagui, a segunda moradora mais antiga do Hospital das Clínicas de São Paulo. Diagnosticada com poliomielite antes de completar 2 anos de idade, a menina desafiou todas as estatísticas e consensos médicos e com muita garra sobreviveu. Na verdade, ela mais que sobreviveu: Eliana viveu, e que vida viveu. Neste livro, a autora narra sua história como uma criança paciente desfrutando sua infância na enfermaria e com a família que o Hospital lhe deu; uma adolescente confusa, se descobrindo e enfrentando os estigmas da doença; e uma adulta plena e realizada, em busca da independência e a tão sonhada alta hospitalar.

No caminho conhecemos as tantas pessoas que acabaram por virar a família de Eliana: as crianças companheiras Paulo, Pedro, Anderson, Luciana, Tania e Cláudia, além de diversos médicos, enfermeiras e demais profissionais da saúde que fizeram parte de sua vida e que, com esse livro, agora também fazem parte do nosso imaginário. Explico um pouco mais: Eliana era uma de sete crianças residentes integrais do Hospital das Clínicas de São Paulo, a grande maioria afligida pela poliomielite na sua última grande epidemia. Por motivos majoritariamente financeiros, suas famílias não puderam arcar com os custos de as manter em casa, quando isso ao menos era uma possibilidade, fazendo com que as crianças morassem no hospital. Era uma situação necessária, uma vez que elas precisam ficar ligadas a respiradores mecânicos dado a expansão da doença.

Eu sou uma grande fã de memórias, e algo desse livro me atraiu. Talvez fosse pela maestria com que Philip Roth tratou o surto da doença na década de 1940 nos EUA no fantástico Nêmesis. Talvez fosse pela linda capa, trazendo a menina vestida de palhaço com seu aparato hospitalar, uma escolha editorial magnífica que nos convida a investigar a história por trás daquela imagem. Ou talvez seja aquele típico caso de coincidência divina onde o livro certo te encontra na época certa. O fato é que esta obra encontrada aleatoriamente por minha irmã nas prateleiras de uma livraria durante um despretensioso passeio entrou na minha vida num domingo de manhã e tomou todo o meu dia, minhas horas, meus minutos, dominou completamente meu pensamento e divagações, para sair naquele mesmo domingo no final do dia. Uma obra que você percebe ser escrita com o coração, remoendo muitas vezes lembranças dolorosas que são capazes de trazer lágrimas aos corações mais frios (talvez esse que vos escreve) e compartilhando momentos singelos e felizes, capazes também de derreter os mesmos corações.

Eu me senti como uma moradora da ala hospitalar, ali do lado das crianças observando tudo acontecer e mal podendo me conter por mais informações: o que aconteceu com cada um deles? As páginas passavam e eu me segurava, esperando o pior e temendo por ele. De alguma forma surgiu em mim um sentimento de revolta, e uma necessidade de proteger essas crianças. A vida foi tão dura com elas por motivos alheios à sua vontade, e a vida no hospital continuava a ser um caso de sobrevivência dia após dia: procedimentos médicos dolorosos, funcionários ineptos e maliciosos, e, especialmente, o abandono. Dói ler Eliana contar como eles tiveram que aprender a não ter esperança, de como as pessoas chegam, entram em suas vidas para depois ir embora sem maiores motivos. As alegrias e grandes vitórias de suas vidas, como as ilustres visitas de Ayrton Senna e Fábio Júnior, por exemplo, trazem um necessário alívio literário à história que podia muito bem ser apenas das dificuldades da situação. Porém, com muito talento, a autora consegue mesclar suas lembranças para balancear casos engraçados, lembranças saudosas dos amigos, alegrias e tristezas, conseguindo como resultado uma bela história de superação e de como cada um tem seu papel nesse mundo, e como podemos conquistar nossos objetivos com muita honra, amizade e luta.

Após 43 anos, Eliana deixou o hospital e hoje mora em casa. Ela é pintora (usando a boca) e escritora mas, mais do que tudo, ela é um exemplo e sua história merece ser lida e conhecida.

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