Piano mecânico - Kurt Vonnegut

>>  quarta-feira, 30 de setembro de 2020

 VONNEGUT, Kurt. Piano mecânico. Rio de janeiro: Editora Intrínseca, 2020. 496 p. Título original: Player piano.


Não é novidade para ninguém, mas não custa lembrar, que distopia é um dos meus gêneros literários favoritos, ainda mais se vier associado a uma boa e velha ficção científica. Piano mecânico é uma boa mistura de ambos, de modo que quando fiquei sabendo de seu lançamento mal pude esperar para ler e saber o que ia achar! Agora, conto para vocês minhas impressões sobre o livro!

Após a Terceira Guerra Mundial, o mundo está se adaptando a uma nova realidade: as máquinas venceram e estão dominando tudo. Os seres humanos foram relegados à realização de pouquíssimos trabalhos para os quais ainda não há máquinas.

Além disso, a sociedade agora não tem suas classes sociais divididas pela quantidade de dinheiro que se ganha, mas pela inteligência que se tem. Todos têm seu QI catalogado e registrado em um sistema público do governo, e a posição que ocupará dependerá dessa catalogação.

Assim é a vida na cidade de Ilium, em Nova York, onde se passa a história.

Não adianta espernear. Se seu QI for baixo, não importa que você tenha habilidade em determinadas coisas, ou que já exista uma máquina que a faça, ou, ainda, que você seja muito bom: você terá que se contentar em trabalhar no setor de Reconstrução e Reparos, vulgarmente conhecido como Fedidos e Ruídos. A classe proletária. Ou você ainda pode trabalhar para o exército. Os que são assim classificados são designados para viverem ao sul de Ilium, em um lugar chamado de Domicílio.

Caso seu QI seja mais alto, contudo, ou se você for um engenheiro, um gerente, você poderá trabalhar nas indústrias de Ilium, ganhar muito bem e viver cheio de regalias e benesses, e ganhar uma bela residência a noroeste da cidade.

Se você for uma máquina, viverá a nordeste de Ilium.

Ou você pode ser burro, feito uma porta, e se casar com um gerente e, assim, subir na vida e ir direto para uma casa rica e aconchegante.

O Doutor Paul Proteus é um engenheiro considerado o mais inteligente de Ilium, razão pela qual chefia a indústria da cidade. Ele é casado com Anita e ambos vivem em uma bela e confortável casa. A vida deles é realmente perfeita e sem defeitos. Ou ao menos era, até que seu antigo colega de engenharia, Edward Finnerty, que fazia parte do alto escalão da indústria em outra cidade, aparece repentinamente para visitar Paul e lhe conta que desistiu de tudo, pediu demissão e o que quer agora é a liberdade, se sentir humano novamente.

Paul, que achava que tudo era perfeito, começa a se questionar sobre se os argumentos do antigo amigo são válidos, se o melhor seria viver na simplicidade, em um mundo sem máquinas, mais humano.

Mas Paul estaria disposto a largar todas as regalias a que tem direito, todas as máquinas que fazem praticamente tudo por ele? E sua esposa? Estaria disposta a acompanhá-lo?
                                                                 
 
                            "- É o jogo mais fascinante que existe, impedir que as coisas permaneçam como estão." p. 482

 
Essa é uma história assustadoramente maravilhosa e atual, embora tenha sido escrita em 1952. Com certeza você já deve ter visto, na TV e na internet, matérias sobre um novo eletrodoméstico que faz o serviço no seu lugar, ou um novo robô que faz alguma outra atividade antes realizada por um ser humano; cobradores de ônibus substituídos por máquinas de cartão; braços mecânicos substituindo as mãos de um cirurgião.

São tantas tecnologias que não damos conta de acompanhar, apenas assistimos impotentes aos seres humanos serem cada dia mais substituídos por máquinas que conseguem fazer o seu trabalho de forma mais eficiente, com um menor custo e, o melhor (ou pior), jamais adoecem.

Por isso não tem como não sentir empatia pelo Doutor Paul Proteus, um cara que, apesar da grande inteligência e bondade, sente que algo está errado, se sente cada vez mais "automatizado" e com a liberdade cada vez mais restringida pelas regras rígidas do governo, embora não pareça, inicialmente. A que preço as pessoas estão dispostas a ter comida na mesa, plano de saúde, um teto para morar e, ao mesmo tempo, ter a liberdade de expressão e pensamento tão restringida (ou manipulada)?

Torci muito por Paul, principalmente para que ele se livrasse de sua esposa antipática, Anita. Afinal, até mesmo o relacionamento havia se tornado algo automatizado, sem sentimento, e fiquei o livro todo aguardando que ela aprontasse alguma.

Outro personagem que não me causou empatia, e por quem torci contra, foi o Shepherd, que para mim não passava de um despeitado querendo tudo o que Paul tinha (literalmente tudo).

Finnerty é um cara engraçado, um pouco viajado, mas me diverti bastante nas cenas em que ele aparece.

Teve um ponto que pode parecer negativo para algumas pessoas, mas que para mim foi positivo nessa história: o autor, por vezes, insere uma passagem, uma informação supostamente fora de contexto, ou que até tem a ver com a premissa, mas aparentemente ele pensou por acaso naquele trecho, inseriu no livro e depois não retomou o pensamento. Penso que não é um ponto negativo justamente em razão de, apesar de parecer largada ao relento a informação, ela acaba fazendo total sentido para a história. Possivelmente são viagens que só quem ama ficção científica vai conseguir embarcar, rs.

Além disso, o autor traz uma quebra constante de expectativa, de modo que quando você acha que a história vai seguir determinado rumo, você quebra a cara porque as coisas não acontecem exatamente como se espera.

O que me fez ficar ainda mais encantada com a história é o tom crítico da narrativa o tempo todo. Por baixo de todo o humor, toda situação inusitada vivida pelos personagens ali, está a crítica à automação e ao crescimento cada dia mais desenfreado das tecnologias.

Indico para quem curte ficção científica e distopia, e para quem não conhece o gênero, é uma ótima pedida!

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Avaliação (1 a 5):
4.5


 
 

 

  

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