Auto da Compadecida – Ariano Suassuna

>>  sexta-feira, 4 de setembro de 2020

SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. Rio de Janeiro: Editora MEDIAfashion, 2008. 148p.


É tão bom quando um livro aparece na sua vida na hora certa, no momento certo e te deixa tão feliz e tão completa. Ainda mais quando esse livro ficou por anos na sua prateleira e por uma jogada do destino você finalmente dá uma chance a ele. Você descobre que seus preconceitos são infundados e que, ao vivermos em uma bolha onde o sabão é aquilo que estamos acostumadas, o prazer de estourá-la e encontrar um mundo cheio de ar puro e novidades é incomparável.


Sempre evitei ler Auto da Compadecida. Começou com uma birra infantil pelos livros que éramos obrigados a ler na escola (muitos escolhidos sem qualquer tato ou sensibilidade e que geram traumas literários em várias pessoas). Depois, com o sucesso da minissérie e filme da Rede Globo, confesso que estava passando por uma fase de rebeldia tupiniquim, onde infelizmente negava a produção cultural popular brasileira. Com os anos, o pecado de nunca ter lido ou assistido a Auto da Compadecida foi sendo esquecido, à medida que o livro foi acumulando as fatídicas poeiras e teias de aranha, marca do desprezo. Durante esse tempo me redescobri na literatura, e procurei me desafiar, enveredando por caminhos antes evitados. Foi quando fiz uma reflexão e percebi que o caminho de casa é mais próximo de mim, e aquele que mais ignorei. 2020, para mim, foi um ano de redescobrir os clássicos, especialmente os clássicos brasileiros. O que antes li por obrigação, hoje abro com uma curiosidade inocente e afiada, e tenho orgulho ao descobrir versos, passagens e histórias adoráveis e até mesmo favoritas neste interessante emaranhado da literatura brasileira.

Cheguei a Auto da Compadecida por indicação da minha mãe e da minha irmã, que ao saber da minha vontade em ler autores nacionais, prepararam uma lista recheada de suas obras favoritas. Esta acabou sendo a escolhida, e uma leitura adiada por cerca de 20 anos se acabou em poucas horas. O texto é simples, o que só faz vangloriar a sua elaboração e confecção. A simplicidade é o nome, sobrenome, a marca e a característica, e é o que melhor há. Uma leitura simples e rica, feia e bela, rápida e marcante.

Para aqueles que viveram numa bolha que nem eu, eis a história: João Grilo é um pobre nordestino que é a alma e a origem do “jeitinho brasileiro”. Aos trancos e barrancos, João vai se ajeitando, ganhando uns trocadinhos aqui e se livrando de qualquer coisa com sua conversa e esperteza. Ele é acompanhado de seu amigo Chicó, um verdadeiro contador de histórias dono do famoso bordão “não sei, só sei que foi assim”, que agora que conheço nunca mais vou parar de usar.

A história, brilhantemente contada em formato de peça, se passa no sertão nordestino e em meras 148 páginas é capaz de trazer com muito humor e nem um pouco de delicadeza a estrutura social que ali reina: Coronel, Igreja, Comerciantes, Trabalhadores, Bandidos, Sertanejos, Cachorro, Gato. Jesus, Diabo e Nossa Senhora: todos os elementos da vida brasileira. Recheado de trocadilhos e histórias, João Grilo e Chicó juntos enfrentam diversos problemas e situações, dentre causos e risos. Os diálogos vão tecendo a alma nordestina e aquela simplicidade que é muito linda e muito complexa e que a todos encantam.

Uma leitura tão fácil e prazerosa que não sei como a adolescência me privou dessas sensações. Deve ter alguma relação com os hormônios ou a rebeldia que me é comum. Mas estou muito feliz de finalmente dar uma chance a esta obra, que não é a toa hoje é um clássico amado e respeitado. Agora por mim também.

 E eu não sei como. Só sei que foi assim.

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