The outsiders: vidas sem rumo - S.E.Hinton
>> quarta-feira, 20 de maio de 2020
HINTON,
S.E. The outsiders: vidas sem rumo. Rio
de Janeiro: Editora Intrínseca, 2020. 240 p. Título original: The outsiders.
Tenho
certeza que, quando você ouve falar na palavra “gangue”, o primeiro pensamento
que lhe vem à cabeça é negativo. Algo do tipo “sexo, drogas e rock and roll”.
Ou, provavelmente, alcunhas negativas como “bandido”, “pivete”, “ladrão”. É
compreensível. Estamos acostumados, sobretudo pelo que assistimos na televisão,
a fazer essa associação. Quando recebi The outsiders: vidas sem rumo para ler,
a primeira coisa que me ocorreu é que eu encontraria nas páginas do livro
garotos de um péssimo caráter, de conduta ruim, viciados em drogas, falando
muito palavrão e acostumados e tratar mulheres como lixo e a fazer com elas o
que bem entendessem. Foi com essa expectativa – ou pré-conceito – que a minha
leitura se iniciou. Se eu estava certa e se minhas impressões se confirmaram?
Confira abaixo e descubra!
Ponyboy
Curtis é um garoto de quatorze anos que vive com os dois irmãos mais velhos,
Sodapop e Darrel. Os pais deles faleceram há menos de um ano em um trágico
acidente de carro e, desde então, Darry, como Darrel era conhecido, se tornou o
“homem da casa”. Ponyboy não tinha uma boa relação com ele, principalmente
depois da morte dos pais, pois achava que Darry sempre o tratava mal e brigava
com ele o tempo inteiro.
Sodapop,
por sua vez, era o irmão bonitão e bonzinho, aquele de quem todos gostavam
(principalmente as garotas) sem que ele precisasse fazer o menor esforço. Era
também o irmão mais querido por Ponyboy.
Os
irmãos Curtis faziam parte de uma gangue conhecida como Greasers. Eram
facilmente reconhecidos por se vestirem ao estilo rock and roll e usarem o
cabelo comprido, penteado com brilhantina. Faziam ainda parte da gangue: Two-Bit
Mathews, famoso por suas piadinhas; Dallas, que era conhecido por já ter sido
preso e por ser um tanto barra pesada; Johnny, o mais sério da turma e melhor
amigo de Ponyboy; e Steve, o melhor amigo de Sodapop.
Eles
tinham como rivais a gangue Socials, ou
simplesmente Socs, os playboys filhinhos de papai que geralmente viviam no lado
leste da cidade. Era a região deles. Os Greasers, por sua vez, tinham uma
condição financeira mais baixa e viviam no lado oeste da cidade.
As
gangues não perdiam um pretexto para brigar, brigavam até mesmo sem pretexto
algum, bastava apenas que um Soc (que nunca andava sozinho) visse um Greaser
dando sopa sozinho por aí, e já partia para o ataque.
E
é nesse contexto de brigas, descobertas da puberdade e perdas importantes em
sua vida que Ponyboy vai descobrir, não da maneira mais cômoda e alegre
possível, que a vida é difícil para todo mundo, mas muito mais para uns do que
para outros.
“– O primeiro verde da natureza é dourado, / O
matiz mais difícil de ser fixado. / Sua primeira folha é uma flor / Que só tem
uma hora de vigor. / A folha em outra folha deságua, / Assim o Éden se encheu
de mágoa. / E a aurora se transforma em dia. / Nada que é dourado permaneceria.”
p. 103
~~~~~~~
A
história é narrada em primeira pessoa por Ponyboy. Sim, esse é o verdadeiro
nome dele, assim como Sodapop também não é apelido. Eles apenas tinham pais
criativos.
À
primeira vista, pode parecer que o fato de a história ser narrada por um garoto
de quatorze anos dá a ela um ar mais infantil, mais trivial. Porém, após
algumas páginas, isso não se confirma.
O
que presenciei nas 211 páginas deste exemplar excepcional lançado pela Editora
Intrínseca, em comemoração aos 50 anos da história, foi muito mais do que uma
capa linda, em tons rubro-negros, e uma pintura trilateral vermelha. Foi algo
tão arrebatador e tão marcante, que tive que reescrever várias vezes esta
resenha, buscando encontrar palavras que pudessem fazer chegar até você, amigo
leitor, o que senti ao longo da leitura.
Ponyboy
não tem nada de bobo ou infantil como eu esperava. A ingenuidade que encontrei
nesse garoto é tão comum a garotos de quatorze anos quanto possível, sobretudo por
se tratar de um jovem que vive na periferia, marginalizado. Em algumas poucas páginas,
ele me conquistou de uma forma que me vi torcendo não só por ele, mas por todos
os Greasers, ainda que nem todos merecessem torcida, rs.
O
que temos nessa história é um grupo de jovens pobres que, por trás da cara de “machões”
e da agressividade, estão simplesmente tentando sobreviver em uma sociedade
cruel. A segregação social que persiste no tempo, atravessa gerações. São
jovens pobres, com famílias destruídas ou inexistentes, pais bêbados,
agressivos. Garotos que têm o caráter moldado pelo sofrimento que os persegue.
São forçados a largar os estudos para sustentar a si mesmos e a casa, crianças
que não sabem o que é infância e que se veem obrigadas a crescer de repente.
Jovens com pouco a perder, mas que têm, acima de tudo, lealdade aos amigos e persistência
na luta por aquilo que acreditam. Tanto pela questão financeira quanto pela
aparência e pela história de vida, os Greasers são muito mais temidos e também têm
muito menos a perder que os Socs, riquinhos bajulados pelos pais. Isso me fez
pensar em quão plausível eram os motivos de cada gangue para seus
comportamentos.
Contudo,
quem olha os Greasers não enxerga essa realidade, mas apenas as roupas, o ar de
“machão” e o cabelo penteado com brilhantina.
Ponyboy
e Johnny, por serem os mais jovens do grupo, representam a inocência perdida, a
vida adulta precoce, ante as situações a que a vida os expõe, e o grupo se une para
tentar, dentro do possível, mantê-los dentro de uma “normalidade”, para que não
tenham que passar no futuro o que os amigos mais velhos vêm enfrentando.
Essa
é uma história atemporal. Por isso mesmo, no final do livro, há uma entrevista
com a autora em que ela é questionada sobre por que o livro continuava a fazer
tanto sucesso tantos anos depois. É impossível discordar da resposta que ela dá:
“Todo adolescente sente que os adultos não sabem de nada. Era exatamente isso
que eu sentia quando escrevi The outsiders. Até hoje a ideia dos grupos
populares e dos grupos excluídos é a mesma. O pessoal mais novo diz: ‘Tá, é
tipo os mauricinhos e os nerds’, ou sabe-se lá como se fala hoje em dia. As
roupas e os nomes dos grupos mudam, mas os adolescentes entendem na hora que a
experiência deles é muito similar à do Ponyboy.”
O
livro foi adaptado para o cinema em 1983 e o filme se tornou tão famoso quanto
o livro. Teve atores superconhecidos como Patrick Swayze (Darrel), Emilio
Estevez (Two-Bit), Matt Dillon (Dallas) e Tom Cruise (Steve), além de Rob Lowe
(Sodapop), C. Thomas Howell (Ponyboy) e Ralph Macchio (Johnny).
Assim
que terminei a leitura, assisti à adaptação. Antes de dizer o que achei,
preciso mencionar que no final do livro, além da entrevista com a autora, cujo
trecho transcrevi acima, há uma entrevista com os atores que participaram do
filme e com Francis Ford Copolla, que foi o diretor. Em um trecho específico da
entrevista com Rob Lowe, que interpretou Sodapop, o ator faz uma afirmação que
eu não tive como discordar: “É claro que fiquei muito grato pela oportunidade
de participar do projeto, mas gostaria de ver algo à altura do livro atemporal
da autora”.
E
é exatamente essa a minha opinião sobre o filme. Ele e o livro não poderiam ser
ao mesmo tempo tão parecidos e tão diferentes. As cenas estão todas lá, as falas
são exatamente as mesmas. Mas nem de longe o filme consegue transmitir a
mensagem do livro, o que foi muito frustrante. Tão frustrante quanto a trilha sonora que aparece em uns momentos inapropriados, possivelmente para dar um ar mais leve à história e que achei totalmente desnecessária. Ainda assim, é um bom filme.
Então,
antes de me despedir, deixo o trailer para que vocês assistam. Não se assustem
com Tom Cruise, ele está realmente muito “diferente”.
Quanto
ao livro, indico para todo mundo! É curto, é rápido e certeiro. Leiam! E como
diz a frase mais cheia de significado deste livro e que vou levar para vida:
Permaneçam dourados!
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