1793 - Niklas Natt och Dag
>> sexta-feira, 8 de maio de 2020
DAG,
Niklas Natt och. 1793. Rio de
Janeiro: Editora Intrínseca, 432 p. (Trilogia Bellman noir, v.1). Título original: 1793.
Jean
Michael Cardell, chamado de Mickel Cardell por aqueles que o conhecem, ou
simplesmente Cardell, é um veterano de guerra, aleijado e solitário que mora em
Estocolmo. Após a guerra, foi nomeado sentinela, contudo de seu trabalho
restaram apenas a farda e o salário que ele recebe sem fazer nada em
contrapartida, como uma compensação por ter perdido seu braço esquerdo em batalha.
Para complementar sua parca renda, ele trabalha como “segurança” em bares, mas
não é muito jeitoso para tratar com os arruaceiros, já que, desde a guerra,
qualquer coisa é motivo para ele descer a porrada e querer ver um banho de
sangue.
Era
inverno de 1793 quando Cardell, desacordado de tão bêbado em um bar que
frequentava, é despertado por duas crianças que juram ter visto um cadáver
boiando na Ucharia (um lago que é pura sujeira, esgoto e lama) e dizendo que
ele precisa tirá-lo de lá.
A
princípio, ele tem certeza de que se trata de uma brincadeira das crianças para
fazê-lo entrar atoa na água imunda do lago. Aquilo não parece um corpo.
Contudo, quanto mais Cardell se aproxima, maior é a conclusão de que é, sim, um
corpo, ou o que teria restado dele.
Cecil
Winge é um advogado, mora em um quarto alugado desde que se separou de sua
esposa e presta serviços extraoficiais para Norlin, o chefe de polícia,
investigando casos de assassinatos mais complexos e que poderiam atrair atenção
de pessoas indesejadas para a polícia.
Winge
está gravemente doente, sofrendo do que, àquela época, era chamado de “tísica”,
e seus dias estão contados assim como os de Norlin como chefe de polícia. Como último
ato extraoficial, Norlin pede-lhe que investigue o pedaço de corpo encontrado
na Ucharia e o motivo pelo qual alguém o teria cortado tanto antes de
abandoná-lo no lago daquela forma.
É
aí então que os caminhos de Winge e Cardell se cruzam, e os dois vão, juntos,
desbravar os mistérios que cercam o corpo encontrado, a quem dão o nome de Karl
Johan. Enquanto isso, ainda têm que lidar com assuntos pessoais e
inconvenientes que vão aparecendo no caminho, com pessoas tentando prejudicá-los.
E o que eles descobrem vai deixar você, leitor, de cabelo em pé.
“O senhor não me engana! É mesmo um lobo
afinal. Já vi exemplares suficientes para saber, e, mesmo que eu esteja errado,
o senhor em breve se tornará um. Ninguém corre com a matilha sem aceitar suas
condições. O senhor tem tanto os dentes de predador quanto o brilho de seus
olhos. Nega sua sede de sangue, mas ela se ergue à sua volta como um fedor. Um
dia seus dentes estarão manchados de vermelho, e nesse dia o senhor terá
certeza do quanto eu estava certo. Sua mordida será funda. Pode ser que o
senhor se revele o melhor lobo, Senhor Winge, e com isso, lhe desejo boa noite.” p. 87
A
primeira coisa que me chamou atenção no livro, e com certeza vai ser a razão de
muita gente querer comprá-lo, foi a capa linda e a pintura trilateral preta,
que dá um ar sombrio à história. A Intrínseca arrasando nas edições, sempre!
Dentro
do livro, logo nas primeiras páginas, para que o leitor se familiarize com as
descrições e a localização exata dos lugares mencionados ao longo da história,
há um mapa da cidade, o que ajudou bastante durante a leitura e me levou à conclusão
de que a cidade não é apenas um cenário onde tudo acontece, mas também um
personagem da história.
O
livro é dividido em quatro partes que guardam relação entre si, cada uma com um
título e se passando em uma estação do ano, iniciando-se no outono de 1793,
passando pelo verão, depois pela primavera e encerrando com o inverno do mesmo
ano, 1793, que dá título ao livro.
Em
relação à história em si, ao longo de todo o livro fui acometida por uma série
de sentimentos. Dentre eles, posso destacar os seguintes:
Empatia:
Winge e Cardell se tornaram meus dois personagens (atualmente) favoritos, rs.
Com certeza serão carregados na minha memória para sempre ao lado de alguns outros
inesquecíveis. Na minha visão, Winge é a razão e Cardell, o coração da dupla. Cada
um tem seus problemas pessoais, suas limitações em razão de problemas físicos e
de saúde, mas ainda assim evoluem de tal forma ao longo da história, de maneira
tão arrebatadora, que não tem como não se encantar por esses dois camaradas. A
amizade entre eles supera a de muita gente que se conhece a vida toda (e olha
que eles nunca sequer tinham se visto antes de Cardell tirar os restos mortais
do lago).
Ainda
há outra personagem, Anna Stina, que não aparece desde o início da história.
Porém, quando ela apareceu, confesso que fiquei imaginando qual o sentido de
inserir uma personagem aparentemente de modo aleatório na história e qual rumo
ela tomaria para se unir aos demais. Esse pensamento foi logo derrubado pela evolução
da personagem de uma forma tão envolvente, que em breve me vi querendo saber
mais e mais sobre ela e passei a torcer para que ganhasse mais espaço na
história. A melhor definição de construção de um personagem você encontra neste
livro, e o nome dele é Anna Stina. Agora, preciso me corrigir e dizer que meu
coração ganhou mais três (e não dois) personagens favoritos.
Aversão/Nojo:
Mais uma vez, menciono a narrativa desenvolvida pelo autor. Ela é tão envolvente
e as descrições das cenas cruéis são tão bem-feitas, que são quase palpáveis.
Juro que senti cheiro de sangue algumas vezes enquanto lia, assim como cheiro
de lixo e esgoto. E em determinados momentos (muitos) fui acometida por uma
vontade de vomitar que quase não contive (e não estou exagerando). Além disso,
a história, como eu disse, se passa em 1793. Naquela época, Estocolmo era uma
cidade pobre, fedida, suja, permeada de lodo, lixo animal e humano (nos sentidos
literal e figurado), de modo que dá para se imaginar que não era um lugar muito
bom para se viver. (E se você fosse mulher, não dava para viver de jeito
nenhum).
Desespero:
Se tem uma coisa que Niklas, o autor, soube fazer muito bem foi amarrar os
pontos da narrativa. Mas até que eles fossem amarrados (sempre no momento certo,
nunca de forma apressada ou lenta demais), fui tomada por um desespero, uma
ansiedade por descobrir onde os caminhos trilhados pelos personagens iam dar. O
ritmo da narrativa não é corrido nem acelerado, tem uma velocidade suficiente
para que o leitor assimile todas as informações (algumas são conhecidas antes
mesmo de os próprios personagens saberem) e junte-as até chegar à conclusão,
sem ficar entediado com o ritmo. E sobre a conclusão, o que tenho a dizer é que
foi diferente de tudo o que eu sonhava que aconteceria. O que leva ao
derradeiro sentimento:
Contentamento/Satisfação:
Sim, caros leitores. O final do livro me trouxe uma sensação de que tudo foi
muito bem amarrado para chegar ao desfecho e à conclusão. Ainda que eu não
tenha sequer imaginado as razões do crime e o desfecho da história tal como
eles acontecem no livro, fiquei extremamente satisfeita (maravilhada seria uma
palavra melhor, penso agora) com o final da história.
O
sentimento que me restou agora foi de abandono, de saudade dos personagens.
Há
ainda que se mencionar a estratégia do autor de contextualizar com alguns fatos
históricos ao longo do texto e que ajudaram a compor o cenário e a história,
como o início da Revolução Francesa, os sans-culottes,
a Tomada da Bastilha, o reinado de Gustav III da Suécia (que governou no
período de janeiro de 1746 a 1792).
Quem
me conhece sabe o quanto amo História Geral (e do Brasil também), e todo livro
que insere contexto histórico ao longo de suas páginas ganha de forma
irreversível meu coração de leitora.
Depois
de tudo isso que falei sobre o livro, fica até difícil de você acreditar se eu
contar que 1793 é o romance de estreia de Niklas Natt Och Dag. E se você tiver
dúvidas de que um romance de estreia possa começar com o pé direito, não custa
nada eu te contar que esse livro ganhou prêmios importantes, como o de melhor
ficção estreante da Academia Sueca de Escritores de ficção policial, em 2017, e
o Livro do Ano da Suécia, em 2018. Depois disso tudo, só resta torcer para que
o autor lance mais e mais livros e que todos sejam tão bons quanto este!
Indico
para todo mundo, ainda que ficção policial não seja seu estilo favorito!
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Trilogia Bellman Noir do Niklas Nath och Dag:
Trilogia Bellman Noir do Niklas Nath och Dag:
- 1793 (1793)
- 1794 (ainda não lançado no Brasil)
- Título não definido.
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