Máquinas Como Eu – Ian McEwan
>> sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020
MCEWAN, Ian. Máquinas Como Eu. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 328p.
Título original: Machines Like Me.
Cara, isso é
muito Black Mirror!
A clássica frase dos fãs da famosa
série da Netflix reflete bem minhas opiniões sobre o mais novo livro de Ian
McEwan, quem rapidamente caminha para ser um dos meus autores favoritos da
atualidade. Black Mirror (série que fervorosamente indico, por tratar do
lado obscuro de uma sociedade dependente da tecnologia) teria um incrível
roteirista em Ian McEwan, carinhosamente apelidado de Ian Macabro.
Máquinas Como Eu questiona se
a fabricação de seres humanos sintéticos provocaria admiração, facilidade rotineira
ou fragilidade e dor. Mas estamos falando do Sr. Macabro, então a resposta não
será uma vida maravilhosa, romântica e perfeita, certo?
Em 2018 tive a oportunidade de resenhar outro
livro do autor, A Criança no Tempo. Revendo minhas considerações, me
deparei com o seguinte trecho:
“Denso. Dramático. Triste. Distópico (o gênero
definitivamente está me perseguindo). Incrivelmente bem escrito: esse é “A
Criança no Tempo”, obra do premiado autor Ian McEwan (que eu conheço por
“Reparação”, outro livro que pode ser descrito com as características que usei
acima).”
Definitivamente podemos afirmar que o autor tem um
estilo e é incrivelmente fiel a ele. Máquinas Como Eu é Denso,
Dramático, Triste, Distópico, acrescentando Perturbador, Reflexivo e Bom. Muito
bom.
O livro traz a história de Charlie, cidadão
britânico numa realidade onde Adam Turing não sofreu repressões por sua
sexualidade e continuou seus trabalhos em prol da tecnologia, na Inglaterra em
decadência após a perda da Guerra das Malvinas e, em pleno anos 1980,
completamente automatizada na era de ouro da Robótica. Neste contexto Charlie,
que não tem muito controle sobre sua vida, gastos e vontades, gasta sua herança
comprando um robô chamado Adão. Adão é o primeiro lançamento de uma empresa que
fabrica robôs-companhia (nas versões limitadas Adão e Eva), sendo completamente
humanizado e com plena consciência, graças aos algoritmos e desenvolvimentos da
robótica possíveis pelo trabalho de Turing.
Ele resolve dividir o comando de Adão com sua
vizinha Miranda, por quem nutre um amor que beira a carência. Miranda é uma
jovem historiadora que tem um passado misterioso, e que muitas vezes
politicamente bate de frente com Charlie. Todavia, a “Guarda compartilhada” de
Adão faz os dois se aproximarem e iniciarem um relacionamento. Um dia, as bases
dessa nova relação são testadas quando Miranda decide testar uma das funções de
Adão – o Sexo. Charlie fica enfurecido e Miranda indiferente, e dois argumentos
são apresentados:
·
Se
parece com uma pessoa, fala como uma pessoa, age como uma pessoa, pensa como
uma pessoa e interage como uma pessoa, então é uma pessoa e, assim sendo, há
traição;
·
A
constituição é uma máquina, misturando mecânica e robótica. Seria um vibrador mais
sofisticado e, assim sendo, não há traição.
Tudo se complica quando Adão, cada vez mais
desenvolto em seus pensamentos e reflexões e encantado com a vida consciente,
declara-se apaixonado por Miranda, formando um inesperado e complexo triângulo
amoroso. Assim, são levantadas questões como confiança, subserviência, sentimentos,
ética, moral e criacionismo, entre outras.
O livro é uma leitura afiada, precisa e
perturbadora, que muito faz refletir sobre amor, família, ciúme e erros. E fica
a pergunta: se construíssemos uma máquina que pudesse olhar em nossos corações,
poderíamos realmente esperar que ela gostasse do que vê?
Refleti bastante para dar uma nota a este livro. Acho
que preciso de mais tempo para refletir e formar uma opinião consolidada.
Porém, gostei muito de como é envolvente, complexo e bem escrito, e indico a
todos que gostam de refletir sobre os limites da tecnologia. Fica a minha
indicação.