Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço – Adriana Negreiros

>>  sexta-feira, 30 de novembro de 2018


NEGREIROS, Adriana. Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2018. 296p.

Sinopse: A mulher mais importante do cangaço brasileiro, que inspirou gerações de mulheres, ganha agora sua biografia mais completa e com uma perspectiva feminista. Embora a mitificação da imagem de Maria Bonita tenha escondido situações de constante violência, ela em nada diminui o caráter transgressor da Rainha do Sertão. Desde os anos 1990, a data de nascimento de Maria Bonita passou a ser celebrada no Dia Internacional da Mulher. Com o tempo, ela transformou-se em uma marca poderosa, emprestando seu nome a centenas de pousadas e restaurantes espalhados pelo Nordeste, salões de beleza, academias de ginástica, cerveja, pizza, assentamento rural, música, bandas de forró e coletivos feministas. Enquanto a companheira de Lampião viveu, no entanto, essa personagem nunca existiu. A cangaceira que teve a cabeça decepada em 28 de julho de 1938 era simplesmente Maria de Déa: uma jovem de 28 anos que morreu sem jamais saber que, um dia, seria conhecida como Maria Bonita. Nos anos em que viveu com Lampião e nos subsequentes à sua morte, despertou pouco interesse em pesquisadores ou jornalistas. E foi essa lacuna de informações sobre sua vida e a das outras jovens que viviam com o bando que contribuiu para que se criasse a fantasia de uma impetuosa guerreira, hábil amazona do sertão, uma Joana D’Arc da caatinga. Essa versão romântica e justiceira de Maria Bonita, rapidamente apropriada pela indústria cultural, tornou-se um produto de forte apelo comercial — e expandiu seus limites para além das fronteiras do sertão.

Fazia tempo que lia um livro de história, e ainda mais tempo desde que li um com uma mulher protagonista. Fui positivamente surpreendida pelo lançamento da Editora Objetiva, uma obra bem trabalhada, bem pesquisada, que denuncia os horrores que passaram as mulheres cangaceiras, com foco na mítica figura de Maria de Déa, a Maria Bonita.

Uma edição linda, colorida, alegre, viva, por dentro esconde histórias de verdadeiro horror. São mulheres que até então não foram escutadas, vírgulas na história que nunca antes foram tratadas com a devida importância ou dado o valor. De certa forma, a história as tratou tão mal quanto o bando de cangaceiros, que abertamente praticavam estupros coletivos por que era o que as mulheres queriam, matavam e ameaçavam, e sentiam imenso prazer em simplesmente aterrorizar.

Não são histórias que gostamos de escutar. Definitivamente este livro não está na categoria “lazer”. Mas é necessário. Talvez seja o livro mais importante que li este ano: mais do que nunca, as mulheres precisam ser ouvidas, os horrores sofridos precisam ser conhecidos, para que os erros de uma sociedade machista e abusiva nunca mais se repita.

É de partir o coração e cerrar o punho escutar relatos de mulheres como Dadá, que inicialmente se uniu ao bando com a promessa de riquezas e uma vida de aventura, mas teve uma vida miserável, de abusos sexuais e morais constantes, onde valia menos que um cachorro e era um bem a ser usado por todos, completamente dispensável.

Maria de Déa, futuramente registrada na história oral e escrita como a escolhida de Lampião, Maria Bonita, na verdade nunca soube deste apelido. Ela era mais uma do bando, talvez a especial por ser “a favorita”, mas uma mulher sofrida, que frequentemente era “coberta” (maneira a que os cangaceiros referiam ao ato de violentar uma mulher) e compartilhada, como troféu após um dia de trabalho. Troféus. Era isso que as mulheres eram. Objetos. Eram assim que elas eram tratadas. E não foi só Dadá e Maria de Déa. Temos Durvinha, Otília, Maria, e dezenas mais. Algumas escolheram estar ali. Outras foram “roubadas”, e forçadas a seguir o bando. É triste. É real. É brasileiro. É a luta da mulher.

Quem se interessa por história, especialmente por história do nordeste e do cangaço, esta é uma obra especial, por ter como sujeito narrador e objeto vivo alguém novo, antes silenciado. E que voz temos aqui. Definitivamente uma que vale a pena ser ouvida, e que, apesar de me aterrorizar, me sinto honrada de compartilhar.

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