O terraço e a caverna - Maurício Limeira
>> quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018
LIMEIRA.
Maurício. O terraço e a caverna. Pará: Fundação Cultural do Estado
do Pará, 2016. 270p.
Conheço
muita gente não curte livros nacionais. Também conheço muita gente que não
gosta de ler livros nacionais seja por considerar os estrangeiros melhores,
seja por receio de dar opinião sobre o livro. Eu não só adoro livros nacionais
como acho que toda crítica construtiva é válida. Foi assim que aceitei ler o
premiado livro O terraço e a caverna, com o compromisso de dizer a
verdade, nada mais que a verdade sobre as impressões que o livro me passou.
Raquel, ou
Quinha, como é carinhosamente chamada pelos parentes, é uma garota rica, tem 12
anos de idade e mora na cobertura de um prédio no Rio de Janeiro, a qual ela
chama de terraço. Desde pequena, Quinha desenvolveu, inconscientemente, um
desprezo por outros seres humanos, adquirindo a chamada síndrome da pessoa
inexistente. Quinha não ficou cega nem possui uma doença degenerativa, o que
acontece é que para ela os demais seres humanos simplesmente não existem. Ou
seja, não é uma questão física, e sim mental. O único contato dela com outras
pessoas é pelas redes sociais no computador que acessa de casa. Ainda assim,
acredita estar falando com personagens de um conto de fadas, e não com pessoas.
Quinha vive com um irmão mais novo, os pais e o avô materno na cobertura. Como
ela não os enxerga, eles são considerados por ela como “forças invisíveis”, e ela
não gosta que eles a toquem, com medo de isso lhe fazer mal. Para Quinha não
existem seres humanos, existe o gato Moisés, uma espécie de amigo imaginário.
De outro
lado temos Paco, um garoto pobre de 11 anos. Após fugir junto com sua família
do morro onde viviam porque o pai estava devendo aluguel do barracão para um
cara barra pesada, passou a morar embaixo de uma estação de metrô desativada,
que ele chama de caverna. Ele é cadeirante, mas nem sempre foi assim. Foi
devido a um acidente que ele perdeu os movimentos da cintura para baixo. Para
Paco existe uma vida difícil. Ele não acredita em felicidade ou em coisas boas.
E, entre
ignorar os amigos virtuais nas redes sociais, escrever poemas e acompanhar as
postagens de Paco – que não só não tem medo das outras pessoas como as
enfrenta, seja com respostas duras, seja com postagens agressivas e de ódio –,
Quinha se “aproxima” dele e ele passa a ser a única pessoa com quem ela troca
mensagens. Até mesmo os pais dela, que criaram perfis nas redes sociais como
modo de tentar se aproximar de Quinha, são total e completamente ignorados por
ela.
Os dias
passam, então, a ser bons ou ruins à medida que Paco passa ou não a fazer parte
do dia de Quinha. Nos dias em que ele aparece, a melhora na condição da menina
é evidente, ao passo que quando não aparece, ela tem uma piora considerável.
Paco tenta fazer Quinha entender que as forças invisíveis podem não ser tão
ruins quanto ela pensa. Pelo menos não todas.
O que os
pais da menina querem é apenas que ela volte a “enxergar” as pessoas, volte a
ver a vida como ela é, e não como ela imagina. E, a cada dia que passa, isso se
torna mais difícil.
___________________
O terraço e
a caverna é, para mim, um livro metafórico, abstrato e reflexivo. E por
metafórico sempre entendo que há mais de uma possibilidade de interpretação –
inclusive subjetiva – da mensagem que o livro passa, e isso nunca me agradou
muito. Claro, considerando especificamente meu gosto literário.
Com toda
essa abstração que acredito ter encontrado ao longo do texto,
vislumbrei referências, por exemplo, à violência do mundo e às
pessoas que desejam e praticam o mal contra as outras. Há também, de forma
clara, a demonstração da proteção paterna excessiva que faz com que
as crianças, quando adultas, não saibam lidar com a vida ou interpretem a
realidade de uma forma distorcida, como é o caso de Quinha e, de certa forma,
de seu irmão, já que ele também é superprotegido pelos pais. A diferença dele
para a irmã é, no fim das contas, a forma como eles reagem a essa superproteção.
De outro
lado, temos também a clara demonstração da pobreza e das precariedades vividas
por Paco, que, apesar de não estar preso a uma realidade paralela como Quinha,
vive entre sua cota de abstração (como a cena das sombras na parede) e a dura
realidade de quem não tem onde viver – sem contar o fato de viver em uma
cadeira de rodas, o que dificulta ainda mais o acesso a tudo.
O livro
convida o leitor a experimentar um choque de realidade, explorando a
desigualdade social e até mesmo a diversidade cultural entre os personagens
Paco e Quinha. Mesmo assim, apesar de viverem realidades totalmente diferentes,
eles têm em comum, ainda que sem saber, a dureza de sofrer bullying na escola,
não terem amigos de verdade e não poderem viver como as demais crianças. Essa
abordagem é superválida, relevante e até mesmo necessária. É um grande
aprendizado para quem está lendo.
Contudo,
acho que minha experiência com a leitura como um todo teve seus altos e baixos,
o que me frustrou um pouco. Nesse caso, estou me referindo à construção textual
e de linguagem. A história é narrada por um narrador não identificado e que
também não é personagem. Porém, a todo o momento, os parentes de Quinha são
tratados como Papai Raul, Mamãe Rosa e Vovô Reinaldo. Não entendi esse uso de
expressões com carga afetiva em relação a eles. Na metade do livro, isso já
cansa um pouco. O livro não é infantil, não é narrado por Quinha, logo, achei
desnecessário e sem sentido.
Além disso,
em determinados aspectos, a expectativa que o livro te leva a nutrir ao longo
do texto em relação à proximidade entre Paco e Quinha foi um pouco frustrada
com o desfecho, mas é bom deixar claro que, ao final da leitura, o livro passa
uma mensagem que provavelmente provocará muita reflexão no leitor.
Como eu
disse no início, o livro foi premiado em um concurso literário no Pará,
promovido pelo governo do Estado por meio da Fundação Cultural desse estado, em
2015, na categoria romance. E, apesar de eu ter esperado gostar mais da
história, tenho certeza de que muitas pessoas que gostam de livros nesse estilo
vão curtir bastante.
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