O ódio que você semeia - Angie Thomas

>>  quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

 

THOMAS. Angie. O ódio que você semeia. Rio de Janeiro: Galera Record, 2017. 378 p. Título original: The Hate u give.


Não é a primeira vez que digo que adoro temas polêmicos e assuntos pouco falados e tal, certo? Isso todo mundo já sabe. Depois de O sol é para todos, Preciosa, Estrelas além do tempo e outros livros que abordam o preconceito racial, trago para vocês mais um grande livro sobre o tema: O ódio que você semeia. Meu primeiro livro nota 5 e favorito do ano e do blog, desde que comecei a resenhar. Vocês já vão descobrir a razão.

Starr Carter é uma adolescente de 16 anos que, à sua maneira, vive uma espécie de vida dupla. Ela é bolsista em uma escola particular, a Williamson Prep., estuda entre brancos e ricos e namora um deles. À tarde, quando as aulas terminam, ela e os irmãos, Sekani e Seven, dirigem 45 minutos de carro de volta para a realidade da vida em que vivem em Garden Heigths, um bairro da periferia da cidade, e ela volta a ser a “menina do gueto”. O pai de Starr, Maverick, um antigo chefe da gangue do bairro King Lords, é dono do único mercado do bairro. A mãe é uma enfermeira que, junto com o marido, corta um dobrado para pagar a escola particular dos filhos.

Tudo isso para mantê-los o mais longe possível do bairro em que moram. Um bairro dividido por gangues que disputam a posse das ruas e chefes de tráfico que querem acabar com a vida de todo mundo. Seus pais querem também garantir que terão o melhor futuro possível.

Starr nunca gostou de ir a festas em Garden Heigths. Primeiro, porque os pais dela nunca deixavam. Segundo, porque essas festas sempre terminavam em briga e tiroteio e alguém morria. Mas, depois de muita insistência da única amiga que Starr tem no bairro, Kenya, as duas vão para uma festa de fim de recesso de primavera que está acontecendo na casa de um cara conhecido como Big D. Na festa, Starr reencontra aquele que desde a infância fora seu melhor amigo, de quem se afastou ao começar a frequentar outra escola e, consequentemente, outro bairro: Khalil. Os dois eram unha e carne quando mais novos, e o reencontro deixa Starr incomodada com o fato de ter se afastado tanto do amigo.

De repente, pra variar, uma briga começa na festa, tiros são ouvidos, e Starr e Khalil entram no carro dele e vão embora. Ele vai deixá-la em casa e colocar o papo em dia. Melhor dizendo, ia, pois são impedidos ao serem abordados por um policial (branco) a caminho da casa dela.

Aos 12 anos, ao invés de ter com os pais aquela conversa constrangedora sobre como são feitos os bebês e como evitá-los, Starr ouviu do pai o discurso de como agir diante de uma abordagem policial. “Mantenha as mãos onde ele possa ver, não diga nada, não faça movimentos bruscos e coisas do tipo”. Starr aprendeu a lição, mas Khalil parecia não ter tido esse tipo de conversa com os pais e, ao fazer um movimento brusco durante a abordagem, ele é morto pelo policial. (Não é spoiler, tá, gente?)

O mundo de Starr vira de cabeça para baixo, e tudo começa a girar em torno da morte de Khalil. Contar ou não para a polícia o que aconteceu? O policial iria a júri? Seria condenado? O que aconteceria com Starr e a família dela por ter presenciado o homicídio? Khalil merecia ter morrido?

Enquanto isso, na vida “paralela” de Starr no Colégio Williamson, onde ela é a descolada pelo simples fato de ser negra, ninguém, a princípio, parece ter noção do que aconteceu, e Starr precisa agir como se nada tivesse acontecido, tanto para suas amigas, Hailey e Maya, quanto para seu namorado, Chris. Mas, com tudo o que presenciou, se torna muito difícil para Starr separar as vidas paralelas que leva, até que ela perde o controle sobre tudo.

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Só de escrever esse resumo para vocês, meu sangue volta a ferver e, ao mesmo tempo, todos os sentimentos que tive enquanto lia esse livro voltam.

A narrativa da autora, em primeira pessoa, contada por Starr é muito fluida, muito fácil de ler. Além dos momentos tensos e dos emocionantes, temos os momentos engraçados, as tiradas são muito boas. Quando me dei conta, mais da metade do livro já tinha se passado e eu não conseguia parar de ler.

Ao longo do livro, muitos movimentos negros que inspiram principalmente a educação de Starr e de seus irmãos são mencionados, e parei todas as vezes para pesquisar sobre eles. De alguns eu já tinha ouvido falar, como Os Panteras Negras. Assim que terminei, assisti ao filme “O nascimento de uma nação”, que conta sobre uma rebelião de escravos ocorrida em 1831, liderada por Nat Turner (também mencionado no livro), que lutou para que os escravos fossem libertados.

O livro tem muitos personagens (nada que vá fazer você se perder ao longo da leitura), então, digo apenas que curti quase todos eles. Quase! Diferentemente de vários livros, os personagens secundários tiveram papéis importantíssimos para a história e para a evolução de Starr como personagem, todos brilharam com louvor. Exceto dois deles.

Hailey, uma das amigas de Starr no colégio, com certeza estará no meu Top Muro de Chapisco 2018. Aguardem! Que ser humano desprezível!

Outro personagem revoltante (além do policial que matou Khalil, claro) é King, maior chefe do tráfico no bairro e chefe da gangue Big Lords.  Ele é perigoso e tem certa rixa com o pai de Starr, Mav. Até aí, ok, não fosse o fato de ele ter umas atitudes que me deram muita vontade de jogar o livro na parede de raiva.

 Acho que a Starr vai estar, para sempre, no Top de melhor protagonista. Ainda que eu considere erradas algumas atitudes dela, principalmente em relação à “separação das vidas”, eu não posso julgá-la. Acostumada que estou a ler e assistir a filmes em que ser negro é motivo de piada, de se tornar escória junto com os gordinhos, os nerds, os deficientes, me surpreendi ao tratarem Starr como uma pessoa descolada e popular só pelo fato de ser negra. Dentre tantas falas sensacionais ditas ao longo da história, uma delas eu jamais vou esquecer. Explica muito do que ela faz para lidar com as duas “vidas” que leva: “É ótimo ser negro, até ser ruim ser negro”.

Uma vez mais, o romance não é o foco nesse livro. Contudo, achei que a participação de Chris, namorado de Starr, deixou bastante a desejar. Demorou muito para que ele tomasse uma atitude, mas quando o fez, eu quase aplaudi.

O final, de certa forma, me surpreendeu ao mesmo tempo em que, bem lá no fundo, penso que os sinais do que iria acontecer estavam ali o tempo todo. Diversas passagens me fizeram chorar muito, seja de raiva, seja de revolta, seja de tristeza, seja de alegria também, por que não?

É um livro para se levar para a vida. Desses de que me lembrarei daqui a muito tempo ainda. Estará na lista daqueles para se indicar para o mundo. Um livro marcante, inesquecível.

Não posso dizer que sei o que é passar pelo que Starr passou, mas posso dizer que esse livro foi um aprendizado e tanto!  Já aguardo ansiosamente por mais livros da autora. Espero que ela não pare de escrever!

A história vai ser adaptada para o cinema pela 20h Century Fox, e a personagem Starr será interpretada por Amandla Stenberg (aquela que interpretou a Rue em Jogos Vorazes e a Maddy em Tudo e todas as coisas). Apesar de as gravações já estarem avançadas, ainda não há uma previsão de estreia para o filme. Já estou ansiosa!

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