Vulgo Grace – Margaret Atwood
>> sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
ATWOOD, Margaret. Vulgo Grace. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2017. 496p. (Título original: Alias Grace).
Sinopse: Assassina ou cúmplice?
Demônio ou
vítima frágil e involuntária?
Intriga,
mistério e sobrenatural permeiam a história de um crime no século XIX, cuja protagonista
enternece e surpreende, ludibria e fascina, envolvendo o leitor num enigma
desafiador.
Eu ainda não sei se vocês costumam ler as sinopses
que coloco antes de toda resenha que escrevo, o que é a minha tentativa de
explicar o enredo do livro e deixar mais espaço para meus comentários no texto.
Porém, para esse livro não tem como. É simplesmente impossível estabelecer uma
resenha no modelo sinopse, com linearidade e explicação clara do que é a
história. Vou fazer o possível para falar do enredo, fazer meus comentários e
ao final, espero convencer todos vocês a dar uma chance a este livro!
1.
Conextualizando a Atwoodmania
Este livro chega quentinho nas prateleiras
virtuais e livrarias, após o sucesso de O
Conto da Aia, livro da mesma autora, a canadense Margaret Atwood, que
ganhou reconhecimento e vendas após o lançamento da série do Hulu, The Handmaids Tale, vencedora do Emmy de
melhor série de Drama neste ano (e responsável por dar a Rory Gilmore uma
estatueta).
Com isso, Hulu se tornou a primeira plataforma por
assinatura a abocanhar a principal premiação da televisão, passando Netflix e
Amazon. O que deve doer ainda mais para as duas gigantes é que a série foi
oferecida a elas, mas negada. Que isso sirva de lição para nós... Podemos ser
um The Handmaids Tale, basta
persistir!
Após o estrondoso sucesso de The Handmaids Tale, a Netflix não perdeu tempo e garantiu os
direitos de adaptação de outro livro da autora, Vulgo Grace (Título original: Alias Grace).
A série já está disponível na plataforma, e é
IMPERDÍVEL! Se você prefere ler o livro antes de assistir, tudo bem. Eu
acredito que não faça muita diferença, mas essa é uma opinião e gosto pessoal
de cada um.
Nesta resenha eu vou falar um pouco das minhas
impressões do livro (a série
posso comentar futuramente). E fiquem tranquilos, que não darei spoilers.
Adianto que os estilos são bem diferentes, mas
mesmo assim conseguimos ver que Atwood é uma baita escritora e sabe tecer uma
história como poucas!
2. A
História
O livro é baseado em eventos reais, com
personagens reais e históricos, presentes na história oral canadense. Gira em
torno da azarada e sofrida protagonista, Grace Marks, uma humilde empregada de
origem Irlandesa na região de Toronto que em 1843 foi acusada do assassinato de
seu patrão Thomas Kinnear e da governanta da casa, Nancy Montgomery.
A história de Grace Marks foi muito divulgada na
época, e ela foi alvo de estudos de historiadores e contos populares. A verdade
sobre a história não é conhecida, pois os testemunhos e as provas são contraditórios,
e o imaginário popular se alimentou disso, com teorias e ideias que ganharam
vida e tamanho ao longo dos anos.
Não é spoiler algum dizer que Grace Marks foi
condenada pelos crimes, mantida anos em hospícios e prisões, e sempre esteve
nos holofotes com a eterna dúvida de sua culpa ou não. Aqui, a autora romantiza
os fatos com personagens fortes, interessantes e que completam alguns buracos
que os relatos históricos não foram capazes de tampar.
Grace é a grande protagonista, e é seu relato que
escutamos. Ela conta sua história em sessões particulares com o médico (fictício,
importante relembrar) Simon Jordan, que pesquisa seu caso em relação com a
psicologia criminal. Aos poucos, ele se envolve emocionalmente com a história e
passa a nutrir sentimentos por Grace (amor ou luxúria? Mais uma dúvida da
história), e tem dificuldades em aceitar a natureza selvagem dos crimes com a
frágil figura diante de seus olhos. Jordan é o narrador da história, mas é de
Grace as palavras, é ela a protagonista e é dela que queremos saber.
Nas sessões de Grace, conhecemos mais sobre suas
origens, sua vida anterior ao trabalho com as vítimas, suas crenças, seus
sentimentos, e suas ações. Conhecemos vários “J” em sua vida (coincidentemente,
todos os homens da sua história), e vamos tecendo uma colcha de como era
(será?) sua rotina. Devido a esta característica, ao tentar explicar a história
do livro para uma amiga, simplifiquei como “Se Downton Abbey fosse no Canadá, sob o viés dos empregados, e com um
crime no estilo Assassinato em Gosford
Park”. Sinceramente, acho que esta é a melhor descrição possível.
3. O
Veredito (sobre o livro)
Margaret Atwood confessou que se encantou pela
história de Grace, e neste livro criou (e recriou) a Toronto de 1840 para dar
sua versão dos acontecimentos. Em entrevistas, a autora deixa bem claro que a
história não reflete sua opinião pessoal, mas sim uma romantização da história, com diversos personagens fictícios e
situações criadas. Ela sempre deixou muito claro que não emite sua opinião
pessoal para não influenciar os leitores e as demais pessoas que pesquisarem
sobre essa intrigante mulher, Grace Marks. E é nesse ponto que está o encanto
do livro e da história.
Esta é uma obra que dá para fechar o livro e
discutir dias e dias sobre suas opiniões. Seria Grace a pessoa no lugar errado,
na hora errada, com o pior azar do mundo? Seria ela uma dissimulada, mentirosa
compulsiva, psicopata que vive pela atenção alheia? Seria ela realmente uma
paciente psiquiátrica, carente de cuidados especiais?
O livro vive dessas dúvidas, dessas incertezas,
dessas opiniões que deixam os dois lados com razão e defensores fervorosos da
sua ideia. E o que foi o êxito da autora, não apenas no caso final (ela matou
ou não?), mas sim em diversos outros momentos. Ela é louca ou não? Foi tudo
armado ou não? Ela falou a verdade ou não? O doutor estava apaixonado ou apenas
sentindo os desejos da carne (provavelmente devido a pessoa na sua frente, de
posição inferior e indefesa)?
Não há resposta certa ou errada. E mesmo 170 anos
depois, essa história ainda rende.