A Noite da Espera – Milton Hatoum
>> segunda-feira, 13 de novembro de 2017
HATOUM, Milton. A Noite da Espera. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. 216p. (O
Lugar Mais Sombrio, v.1).
Sinopse: Nos anos 1960, Martim, um jovem paulista, muda-se para Brasília com o
pai após a separação traumática deste e sua mãe. Na cidade recém-inaugurada,
trava amizade com um variado grupo de adolescentes do qual fazem parte filhos
de altos e médios funcionários da burocracia estatal, bem como moradores das
cidades-satélites, espaço relegado aos verdadeiros pioneiros da capital
federal, migrantes desfavorecidos. Às descobertas culturais e amorosas de
Martim contrapõe-se a dor da separação da mãe, de quem passa longos períodos
sem notícias. Na figura materna ausente concentra-se a face sombria de sua
juventude, perpassada pela violência dos anos de chumbo.
Normalmente, eu evito ler obras de autores
brasileiros sem ter uma boa indicação prévia de pessoas que conhecem meu gosto.
Nada sobre a qualidade de nossos escritores – aliás, diversos dos meus livros
favoritos são nacionais. Meu problema é com os fã clubes e manifestações
ufanistas que decorrem de uma crítica negativa. Muitas vezes, o fato de não
gostar de um livro de autor brasileiro segue a fala de “você não valoriza o
nosso país”. Quero deixar bem claro que eu valorizo meu país, mas não valorizo
críticas sem fundamento além de “eu amo tanto o autor”, “ela é tão legal no
twitter” ou aqueles que já dão 5 estrelas sem nem ler a obra, simplesmente por
serem fãs.
Dito isso, comecei o novo livro de Milton Hatoum
com muito ceticismo e cautela, sabendo que sempre é perigoso resenhar autores
nacionais (nossa companheira Luciana Mara que o diga). Ao virar a primeira página,
deparei com uma agradável surpresa que, profeticamente, ditou o tom dos meus
sentimentos no decorrer da história:
(Inserir Foto)
Desconsiderei o fato de que a dedicatória foi
endereçada à Fernanda, e fiquei muito feliz. Anteriormente, conhecia apenas o
livro “Relato de um Certo Oriente”,
lido obrigatoriamente na escola, deste autor manauara, um importante
representante de vozes normalmente ignoradas ou menosprezadas.
Este livro tem muito disso: vozes políticas,
vozes ignoradas, vozes menosprezadas. Vozes que lutam por serem ouvidas, tanto
que gritam, na sua maneira de chamar atenção. Assim seguimos a história de
Martim, jovem que muda da sua segurança de classe média na cidade de São Paulo
para morar com o pai na recém construída Brasília. Na época de sua construção e
alguns bons anos após, Brasília era uma cidade odiada, ignorada, criticada,
odiada. Os traços de sua “colonização” estão presentes até hoje, com a divisão
Norte-Sul-Cidades Satélites, Funcionários Públicos-Governantes-Embaixadores, e
um dos mais efervescentes e envolventes centros de desenvolvimento cultural e
de pensamento político, com estudantes engajados, muitas vezes ignorados pelos
pais, pela polícia, pelo poder, lutando por seus ideais ao mesmo tempo em que
se descobrem.
Esse livro deixa claro algo que é muito gritante
para mim: O Brasil tem muitas histórias, muitas narrativas, muitos “causos” do
homem comum, da vida cotidiana, do dia a dia. E essas histórias têm que ser
contadas, seja em livros, em filmes, em séries, em documentários. Nossa
produção cultural tem um incrível potencial desperdiçado. Esses relatos deste
adolescente em Brasília, Paris e São Paulo, antes, durante e depois, visto que
é uma narrativa não linear) são, na minha opinião, uma voz que grita. Uma voz
do adolescente em descoberta, do abandono da mãe, do relacionamento com o pai,
e do cidadão mundial político ativo que ali nasceu e aflorou. E essa voz aqui
ganha voz em um relato surpreendentemente simples e eficaz do autor.
Engraçado como fui apresentada a Hatoum na
escola, pois o meu lado educadora, a cada página que passava, tecia ideias de
como trabalhar este livro em sala de aula, com alunos na idade de Martim. Como
esse público teria sua voz representada, e como conseguiria desenvolve-la com
um bom trabalho interdisciplinas, entre literatura, linguagens, história e
geografia. E, então, lembrei-me das origens, de “Relato de um Certo Oriente”, e agradeci os excelentes professores
de literatura que tive em minha vida.
Gostaria de dar uma nota maior à obra, mas não o
faço por que não entendi a razão dos “picotes” temporais. Me pareceram uma
idéia posterior e apressada, que não foi encaixada com a finesse dos demais
relatos. Tirando isso, a obra me agradou bastante, com uma leitura rápida,
fácil, prazerosa, politicamente carregada, mas com leveza e simplicidade,
fugindo do paternalismo e sem ser pedante. Creio que agradará especialmente
àqueles curiosos e visitantes esporádios da cidade de Brasília e das
manifestações estudantis durante a Ditadura, sem esperar obras historiográficas,
jornalísticas ou densas.
Em suma, uma gratíssima surpresa.
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