Tudo o que nunca contei - Celeste Ng

>>  quarta-feira, 16 de agosto de 2017

NG, Celeste. Tudo o que nunca contei. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2017. 304p. Título original: Everything I never told you.

“Lydia está morta. Mas eles ainda não sabem disso. Dia 3 de maio de 1977, seis e meia da manhã, ninguém sabe nada a não ser por esse fato inofensivo:  Lydia está atrasada para o  café da manhã.” p.5

Diferente, inquietante. Esse é mais do que um livro voltado aos adolescentes, é um livro principalmente para os pais. Se esse é o primeiro livro da americana Celeste Ng, eu espero obras incríveis no futuro. Confiram o que achei de Tudo o que nunca contei.

A família Lee sempre foi observada, mas nunca foi aceita na pequena cidade de Ohio onde viviam. A mãe, Marilyn, é uma loira linda, legítima americana, mas o pai, James, embora tenha nascido nos EUA, sempre foi visto com maus olhos por sua descendência Chinesa. Ele sempre tentou se encaixar. Mas começou estudando em uma escola de alunos ricos, quando os pais eram empregados, e nunca fez amigos. Na faculdade, foi sempre solitário. E ele tentou, se formou e se especializou em história americana, lecionava sobre Cowboys, mas mesmo assim, nunca fez parte da sociedade onde vivia. Acredita que foi um pequeno milagre Marilyn se apaixonar por ele, e mesmo indo contra a opinião da mãe dela, eles se casaram. E hoje tinham três filhos. Nath, o mais velho, estava prestes a ir para a faculdade. Lydia, com 16 anos, é a menina dos olhos dos pais. E a mais nova, Hannah, que cresceu sendo um pouco ignorada pela família.

Lydia sempre foi a favorita dos pais. A única que puxou os olhos claros da mãe, e não os traços chineses do pai. Para James ela tinha a chance de se encaixar, de fazer parte. Sempre insistiu para que a filha tivesse amigos, fosse aos bailes, era o seu maior orgulho. E ela carrega o peso dos sonhos perdidos da mãe. Marilyn estava prestes a cursar medicina, quando largou tudo para se casar e ter filhos. Nunca superou ter perdido seu maior sonho, até ver na filha a possibilidade de realizá-lo. Lydia seria brilhante, seria uma médica. Com isso, os outros filhos, ficavam à margem da família.

Naquela manhã de primavera de 1977, eles não tinham consciência de nada disso, era só um dia comum. Até que descobrem que Lydia não está em casa. Desesperados, os pais chamam a policia e aguardam notícias. No dia seguinte, o corpo da garota é encontrado no fundo do lago. Acidente? Assassinato? Suicídio? Para os pais arrasados, era impossível conceber que a filha perfeitamente feliz pudesse se matar. Mas eles também não sabiam dizer o que ela estaria fazendo de madrugada, em um bote no meio do lago. Lydia não sabia nadar e tinha pavor de água.

No decorrer das investigações e relembrando fatos do passado de cada membro da família, eles vão formando um quadro mais completo. E começam a perceber que sabiam muito pouco sobre a vida da filha.

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Esse livro não sai da minha cabeça desde que terminei a leitura! É um daqueles livros simples, você não dá muito por ele, acredita que é só mais uma ficção adolescente com uma boa dose de suspense. Mas ele é muito mais, ele aborda temas muito mais profundos e com desdobramentos assustadores. Mais do que um livro de ficção, é uma obra que aborda inúmero temas importantes para serem refletidos, por filhos, mas principalmente, por pais.

O quanto você conhece seus filhos? O quanto você cobra deles suas próprias expectativas e sonhos não realizados? Lydia era a perfeita adolescente. Bonita, estudiosa, cheia de amigos. Depois de sua morte os pais descobrem que ela era infeliz, não tinha amigos, e estava indo muito mal na escola. O sonho da mãe de Lydia era que a menina fosse médica, o sonho do pai ela que ela se encaixasse. Que sem os olhos puxados, que sem os traços chineses, ela não sofreria o mesmo preconceito dos demais membros da família. E o sonho de Lydia? O sonho dela era atingir as expectativas dos pais. Era agradar, era nunca decepcionar. Muito disso partiu de uma trauma familiar na infância, mas na época, os pais simplesmente seguiram em frente. Ela nunca disse o que queria ou não, talvez nem tenha pensado nisso, ela só seguia o que era pedido. Mesmo que isso estivesse pesando sobre ela,  mesmo que não quisesse nada daquilo. E os outros dois filhos? Nash e Hannah eram praticamente ignorados, enquanto tudo girava em torno da filha "prodígio".

Depois da morte de Lydia, a família aos poucos se desintegra. A mãe quer descobrir o que aconteceu, com raiva, clama por justiça. O pai inconsolado, toma atitudes erradas que podem acabar com sua família.  O irmão mais velho se culpa, mas mais que isso, tem certeza que o vizinho tem algo a ver com o que aconteceu. E a silenciosa Hannah, a mais nova, enxerga muito mais do que todos eles. E é a única capaz de entender o que aconteceu com a irmã.

A autora consegue escrever um livro onde todos os membros da família, acabam por decepcionar uns aos outros; por não compreendê-los ou a si mesmos. Ela fala do fardo de atender as expectativas, da necessidade de pertencimento, da busca pelo sucesso pessoal. Eu fiquei chocada com o nível de preconceito que os imigrantes sofriam, era triste ver tudo o que aconteceu em decorrência disso. De como as pessoas escondem seus sentimentos, e acabam criando uma situação sem volta, por falta de diálogo.

O final foi lindo, foi triste, foi chocante. A autora faz reflexões e narra de uma forma onipresente, refletindo sobre futuro e passado. É uma das leituras mais surpreendentes deste ano e eu com certeza indico. Leiam!

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Avaliação (1 a 5):

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