Viagens da Alice #1
>> segunda-feira, 13 de março de 2017
Comecei a escrever essa primeira coluna para falar
do amor da minha vida, meu chihuahua bravinho idoso, que alegra minha vida
desde 2006. Porém, ao escrever, fui levada a lembranças dos meus primeiros
contatos com animais. Assim, resolvi escrever sobre eles, e é para todos esses
animais inocentes, amorosos e marcantes que dedido este primeiro texto!
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Eu e minha irmã sempre quisemos um cachorro. Nunca
gostamos muito de animais, mas sempre, desde que eu me lembro como gente, pedíamos
um cachorro para meus pais. Nunca um gato – o mais próximo que chegamos dessa
espécie foi o dia em que um filhotinho invadiu a casa da minha avó (caso para
outra “viagem”...) – mas sempre um cachorro.
Quando passava as férias com minha família em Diamantina,
matava a vontade com os cachorros do sítio, sempre muito amorosos, protetores e
inteligentes. Voltando à rotina de Belo Horizonte, onde nasci e fui criada, só
tinha contato com os cachorros das minhas avós: um pastor alemão que detestava
crianças e era um pouco racista, e um cocker que tinha ciumes das netas que
roubavam a atenção dele.
Meus pais nunca gostaram muito de animais e sempre
foram contra ter bichos em apartamento, então não crescemos com esse contato.
Este fato até hoje me causa estranheza, visto que minha mãe foi criada em uma
casa onde o jardim era um verdadeiro zoológico, com meu avô, um grande e zeloso
cuidador e defensor dos animais.
Mas eu e minha irmã nunca desistimos. Tentamos
tanto que as vezes ganhávamos pequenos prêmios de consolação: peixes de
lembrança das feiras de animais do Shopping Del Rey (em Belo Horizonte), que a
vida útil nunca ultrapassava sete dias, assim como nossa paciência para manter
a água limpa para algo meramente decorativo. Às vezes, dependendo da economia
do país, a lembrança era um pintinho, que logo virava personagens das minhas
brincadeiras de “Fazenda da Barbie”.
Uma vez, fazendo compras no Mercado Central de BH,
me deparei com o famoso corredor das lojas de animais. Depois de muito insistir
e choramingar, meus pais foram vencidos pelo cansaço e me deram um periquito
australiano de presente. Ele era amarelo, com a barriga verde, e era mais lindo
do que qualquer foto que já vi antes. Carreguei meu prêmio para casa numa caixa
de sapato com uns furos, e meus pais até hoje falam que só cederam por que
custou menos de R$1,00 e acharam que ia durar cerca de um mês.
Meu passarinho lindo virou meu amigo, que dormia
cedo, acordava cedo, comia painço e pulava puleiros. Minha mãe sugeriu o nome
Minsk, e pegou. Chegando em casa, minha irmã, vendo meu prêmio, ficou chateada
(para não dizer “louca da vida e emburrada, irmã caçula mimada consegue tudo
que quer”) e meus pais foram obrigados a voltar ao mercado e arrumar uma
namorada para o Minsk. Foi aí que veio a Minska, azul e branca, e mais brava
que gordinho no início da dieta (vocês verão que eu tenho uma “queda” por
animais bravos, na medida que forem escutando meus casos).
Meus Periquitos viveram mais de 8 anos. O Minsk se
foi primeiro, depois de uma doença degenerativa nas patas. Amava tanto meu
amiguinho, que coloquei meu violão a venda para pagar as contas do veterinário
(eu tinha 9 anos de idade na época). Meus pais assumiram os gastos e tomaram
conta de todo, mas sempre lembrando que ele custou R$1,00 e tinha a expectativa
de vida de apenas 4 semanas. Hoje, o Minsk descança perto de mim, na jardineira
do meu quarto, a mais bonita e florida da casa.
Como a Minska se sentiu muito sozinha, trouxemos
outro periquito verde e amarelo, o Boris. Minha mãe protestou que Boris é nome
de gato, mas eu queria um nome Russo para honrar o Minsk, e tinha um coleguinha
chamado Yuri, então não seria muito bem visto. Quando o Boris chegou,
descobrimos do pior jeito possível um fato até então desconhecido: A Minska na
verdade era Minsk! Ou Minskoysky, para não confundir. Sim, nosso “casal” de
periquitos australianos na verdade era composto por dois machos, e o Boris
trouxe brigas e disputas territoriais e culminaram em 2 gaiolas distintas. Como
Minskoysky já era velho, logo se foi, ao passo que minha irmã trouxe uma nova
azul e branca, dessa vez fêmea atestada, a Atena.
Boris e Atena foram um verdadeiro caso de amor:
namoravam, brincavam, beijavam, tiveram mais filhos que o Brad Pitt e a
Angelina Jolie. O primeiro filhotinho foi uma fêmea, Atena, que ficou conosco
por mais um tempo. Alguns filhotes cresciam fortes e dávamos para pessoas de
bem, que sabiamos serem bons cuidadores. Outros eram descartados pelos pais
(uma prática comum entre pássaros), e eram cuidados a base de conta gotas por
nós.
E assim a resistência a animais foi caindo, e
brechas foram permitidas: também oriundas do Mercado Central, vieram o trio de
tartarugas mais louco do pedaço: Genovena, Gertrudes e Genival, que adoravam
passear pela casa, morder dedos e comer a ração mais fedorenta desse país.
Percebendo o perigo de ter tartarugas minúsculas no chão, levamos para um lugar
melhor, onde elas cresceram e foram bem cuidadas.
(Relembrando tudo isso, não me surpreende o fato
desse comércio não ser mais permitido, e como esses animais eram maltratados no
comércio. Várias coisas dos anos 1990 parecem oriundas de séculos atrás)
Ficamos um tempo sem animais de estimação, mas em
2006, quando trouxemos o assunto outra vez, não encontramos tanta resistência e
facilmente conseguimos convencer. Finalmente teríamos um cachorro! Após meses
de visita a canis, pet shops, criadores, pesquisas na internet, veterinários,
um pequeno chichuahua entrou nas nossas vidas. Mas isso é caso para outro
dia...
O fato é que esse meu contato com os passarinhos e
as tartarugas me fizeram sentir mais próxima do meu avô. Ele faleceu anos antes
de eu nascer, então não o conheci, mas sempre escutei histórias, casos e
descrições. Ele era apaixonado por passarinhos, passava o dia com eles,
conversando, arrumando viveiros, comida, cuidando... Eu nunca tive isso, e
nunca tive no mesmo grau, mas o fato de eu criar um vínculo com minhas ninhadas
Russas e Gregas aladas me fez conhecer, entender e amar mais meu avô. Procurava
nas suas coisas antigas por manuais, usei suas gaiolas feitas manualmente com
todo cuidado e esmero, conversava e amava. Quanto mais amava, mais sentia perto
algo que nunca tive.
É isso que mais me encanta nos nossos parceiros do
mundo animal: a capacidade de gerar sentimentos que não imaginavamos sermos
capaz. O que esses passarinhos e tartarugas fizeram para a Alice de 9 anos foi
mais importante que um album de família ou um sobrenome dado. Eles me deram um
avô, e um avô que eu gostava muito.
Esses sentimentos são tão importantes para mim
quanto oxigênio, e é exatamente esta sensação que leva um livro ser favorito,
ou 5 estrelas: o fazer sentir. O sair das palavras escritas e entrar na
memória, nas lembranças, no coração. Meus livros favoritos fizeram isso, cada
um com um assunto diferente, em um momento distinto, de um jeito diferente.
Espero cada vez mais adicionar favoritos ao meu
coração, e desejo a todas vocês livros que o lembrem de seus avós, sua
infância, seus amigos. Livros que lembrem de um cheiro gostoso, um dia
especial, um beijo perfeito, que tragam a tona uma memória esquecida. Livros
que independentemente do que outra pessoa ache ou o que a crítica diga, façam
você sentir uma mágica acontecer!
Um grande abraço a todos que viajaram comigo hoje,
e até a próxima!
Por Alice Bertucci
Por Alice Bertucci