A menina que contava histórias - Jodi Picoult
>> terça-feira, 15 de setembro de 2015
PICOULT, Jodi. A menina que contava histórias. São Paulo: Editora Verus, 2015. 490p.
Título original: The storyteller.
“Percebo o que você está fazendo. Não é
só um conto de fadas, é uma alegoria, certo? Os upiory, eles são como os
judeus. Para a população em geral, são sugadores de sangue, uma tribo sombria e
assustadora. Devem ser temidos e combatidos com armas, cruzes e água benta. E o
Reich, que se coloca ao lado de Deus, encarregou-se da missão de livrar o mundo
dos monstros. Mas os upiory são atemporais. O que quer que tentem fazer
conosco, nós, judeus, já estamos por aqui há tempo demais para sermos
esquecidos ou derrotados.” p.223
Quando eu li A
guardiã da minha irmã ele entrou imediatamente para minha lista de
favoritos. E mesmo assim, depois de descobrir o quanto a autora era fantástica, acabei não lendo
mais nenhum de seus muitos livros publicados no Brasil. Até agora. O livro de
hoje chamou a atenção já pelo título. E hoje conto para vocês o que achei de A menina que contava histórias da Jodi
Picoult.
Sage Singer é uma jovem padeira, amargurada e solitária
pela perda dos pais. Depois de um acidente vem sofrendo há três anos pela morte da mãe, não consegue
se perdoar. Se esconde do mundo, sua cicatriz no rosto é tudo o que enxerga
quando se olha no espelho. Tudo o que tem é seu emprego e um caso com um homem
casado. Sage se sente incapaz de ser amada, então se contenta com pequenas
migalhas. Apesar de ser judia, Sage não se pensa muito nisso, não acredita em Deus
e não segue as tradições familiares. Curiosamente, acabou trabalhando na padaria
de uma ex freira, Mary. O talento é
de família, sua avó recebeu esse dom, seu bisavô fora um padeiro excelente.
“Eu sei de cada detalhe que ele está
vendo. O cordão irregular de pele formando uma prega no canto do olho esquerdo.
As linhas brancas cortando a sobrancelha. O quebra-cabeça de retalhos de pele enxertada, que não combinam
muito bem e não encaixam muito bem. O jeito como o canto da boca é repuxado
para cima, por causa do modo como o osso da face se consolidou. O entalhe em meu
couro cabeludo, onde não cresce mais cabelo e que cubro cuidadosamente com a
franja. O rosto de um monstro.” p.45
Quando conhece Josef Weber, 95 anos, um idoso que
participa do mesmo grupo de luto, eles acabam ficando amigos. Talvez por
reconhecerem suas mutuas cicatrizes, as que guardam escondidas dentro deles.
Mas tudo isso muda quando Josef decide confessar seus mais sombrios segredos.
Ele foi um membro da SS na Alemanha nazista, e pede a Sage um favor, que ela
lhe perdoe e lhe ajude a morrer. Ele acredita estar amaldiçoado pelo que fez no
passado, impedido de morrer, condenado a vagar nesse mundo carregando sua culpa
para sempre.
“Eu não pensava no que estava fazendo. Como
poderia? Ser totalmente despido, ouvir gritos para se mover mais rápido, mais
rápido em direção à vala, com seus filhos correndo ao lado. Olhar para baixo e
ver seus amigos e seus parentes, morrendo um instante antes de você. Tomar seu
lugar entre os membros ainda espasmódicos dos feridos, deitar-se e esperar sua
hora. Sentir o golpe da bala e, depois, o peso de um estranho caindo sobre
você. Pensar nisso era pensar que
estávamos matando outros seres humanos e, para nós, eles não podiam ser
humanos. Porque, nesse caso, o que isso diria sobre nós?” p.172
Porém, embora não fale
no assunto, Minka, sua avó, é uma
sobrevivente do Holocausto. Sage nunca ouviu sua história, mas acha que tem
ideia do terror por qual ela passou. Perdoar Josef parecia impossível, mata-lo seria um anto de vingança... ou de justiça?
Sage não sabe, mas sua avó queria ser escritora, ela e sua melhor amiga, Darija, tinham sonhos e uma boa vida. Não sabe que o livro de sua avó salvou sua vida, mais de uma vez. Nem do horror, da fome, do terror diário dos guetos, e por fim, dos campos de concentração. Quando ela souber disso tudo, o que pode então acontecer?
Sage não sabe, mas sua avó queria ser escritora, ela e sua melhor amiga, Darija, tinham sonhos e uma boa vida. Não sabe que o livro de sua avó salvou sua vida, mais de uma vez. Nem do horror, da fome, do terror diário dos guetos, e por fim, dos campos de concentração. Quando ela souber disso tudo, o que pode então acontecer?
“Algumas das mulheres rezavam. Eu não via
o sentido disso, porque, se houvesse um Deus, ele não teria deixado aquilo
acontecer. Outras diziam que as condições em Auschwitz eram tão horrendas que
Deus preferiu não ir lá. Se eu rezasse por alguma coisa, seria para adormecer
depressa sem me concentrar em meu estômago digerindo seu próprio revestimento.”
p. 308
“Apontei para a cicatriz.
- Está faltando – eu disse.
Minha avó sorriu, e bastou isso para que
eu parasse de ver a cicatriz e a reconhecesse oura vez.
- Sim – disse ela. – Mas você vê quanto de mim ainda existe?” p. 388
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Perfeito, emocionante,
comovente. Uma lição de vida e de sobrevivência, um daqueles livros que faz o
leitor refletir em quão boa sua vida é, e em como deveríamos reclamar menos e
agradecer mais. Eu posso ler cem livros sobre o holocausto, e todos irão me
chocar como se fosse a primeira vez que li sobre o assunto (saudades de O diário de Anne Frank). Esse livro ainda retrata também a visão de
um soldado alemão da SS, de como ele realmente acreditava que suas ações
estavam corretas, que exterminar o judeus faria da Alemanha um lugar melhor.
Foi um foco diferente, normalmente romances que se passam durante a segunda guerra
narram tudo sobre a visão da vítima, dos judeus e outros refugiados.
São tantas citações,
páginas e páginas tão marcantes que minha resenha ficou esse recorte de frases.
E olhem que precisei selecionar, tinha marcado muita coisa durante a leitura. É
uma daquelas histórias que deixa o leitor sem palavras. Eu me emocionei, mas também
sorri muito com a força das personagens, seu amadurecimento e sua luta pela
sobrevivência. Sage que se culpava pela morte da mãe e que nunca se abriu para
a vida, Minka que deixou o passado enterrado e nunca mais quis falar sobre o
assunto. Josef que foi um monstro e que agora desejava paz, mas será que alguém
realmente pode deixar de ser um monstro? Quantos anos de boas ações é preciso
para um assassino ser perdoado?
O livro é narrado em
momentos diferentes. Sage no presente, Josef narrando a guerra pelos olhos de um soldado alemão, Minka narrando seu passado como judia. As histórias irão se
cruzar em algum momento, surpreendendo o leitor no final.
Imprescindível na
estante. Um daqueles livros que valem cada página, uma narrativa cuidadosa, um talento palpável que salta aos olhos. Jodi Picout mais uma vez faz
magia com as palavras, traduz sorrisos e lagrimas em emoções e mais um de seus
livros entra na minha lista de favoritos. Tem espaço para drama e para romance, tragédias e recomeços. Leiam!
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