A garota que você deixou para trás - Jojo Moyes

>>  terça-feira, 7 de outubro de 2014


MOYES, Jojo. A garota que você deixou para trás. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2014. 384p. Título original: The girl you left behind.

“Eu não olhava meu corpo havia meses. Não tivera razões para isso. Agora, a silhueta que eu tinha refletida diante de mim era a de uma estranha. Eu parecia ter metade da largura de antes. Meus seios estavam caídos e murchos. Meu traseiro também. Eu estava magra, e os ossos apareciam por baixo da pele: a clavícula, o ombro e as costelas ganhando proeminência. Até meu cabelo, antes lustroso, estava sem brilho.
Cheguei mais perto e examinei meu rosto: as sombras embaixo dos olhos, os leves vincos entre as sobrancelhas. Estremeci, mas não de frio. Pensei na garota que Édouard deixara para trás havias dois anos. Pensei no toque das mãos dele na minha cintura, seus lábios macios no meu pescoço. E fechei os olhos.” p.97

Eu sou uma negação artística, tanto para fazer qualquer coisa, quanto para apreciar rs. Não entendo nada de arte, os poucos pintores que conheço são os super famosos, aqueles que só morando em Marte você não reconheceria. Enfim, quando vi a sinopse o assunto explorado não me interessou particularmente, mas era da Jojo Moyes, que quase destroçou meu coração com Como eu era antes de você e depois dele, se for da autora, vou querer ler. Eu esperava a mesma carga dramática, e hoje conto para vocês o que encontrei em A garota que você deixou para trás.

França, 1916
O pintor francês Édouard Lefèvre está defendendo seu país na Primeira Guerra Mundial. Ele foi obrigado a deixar para trás sua amada esposa, Sophie Lefèvre. Sozinha, ela deixa Paris e se muda para a pequena St Péronne, para ficar com a irmã Hélène - cujo marido também estava na Guerra-, seus sobrinhos e seu irmão mais novo, Aurélien. A cidade está ocupada pelos Alemães e a família pena para sobreviver. As rações são pobres e insuficientes, seu coração se aperta ao ver as crianças tentando dormir e chorando de fome, observa a magreza dos irmãos e vê como se tornou apenas um espectro da mulher que foi um dia. Ela observa o retrato feito pelo marido. A esposa amada, aquela mulher linda e com um olhar petulante não existe mais, o quadro é tudo que lhe restou.

A pintura em questão chama a atenção do novo Kommandant, que escolhe o restaurante da família para servir o jantar dos soldados. Sophie e sua irmã são obrigadas a cozinhar para os inimigos, e começam a notar o estranho interesse que o Kommandant nutre pelo quadro. Tem início um complicado jogo de interesses, com terríveis consequências.

Londres, 2006.
Liv Halston também passa muito tempo refletindo sobre a mulher que fora um dia, quando seu marido ainda era vivo. Era ainda muito nova para se tornar uma viúva, mas seu coração não consegue seguir em frente. Ela ainda pensava em David o tempo todo, e se afogava em dívidas para manter a casa feita por ele. Tudo que lhe resta é aquela casa de vidro, lembranças, e o retrato de uma bela jovem, presente de seu marido. O retrato a desafia, muitas vezes aquela mulher desconhecida foi quem a ajudou a sair da cama e começar seu dia. Até que o encontro aleatório com um homem conduz Liv a uma descoberta que mudará o rumo de sua vida.

Ela descobre o verdadeiro valor da pintura e um pouco sobre sua trajetória. Liv começa a investigar, sem saber que o quadro irá mudar sua vida. A história de duas mulheres que estão dispostas a fazer de tudo para lutar por aquilo que amam.

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A autora escreve com maestria e nos conduz habilmente por dois mundos completamente diferentes. De um lado a França desolada pela Guerra, ao invés dos soldados, acompanhamos a vida das mulheres, crianças e dos velhos, deixados para sobreviver em meio ao caos. De outro uma mulher desolada pela perda de seu amor, fechada como uma ostra e deixando a vida passar por ela. Ambas, Sophie e Liv, amaram com toda a sua força, ambas perderam o que lhes era mais importante. As duas são sobreviventes, mulheres que foram injustiçadas e que lutaram sozinhas pelo que mais desejavam.

O livro é um carrossel de sentimentos, é impossível não se envolver com a narrativa e não julgar as decisões das duas. Me vi torcendo para que as duas mudassem de opinião e não fossem tão teimosas, em outros momentos temi intensamente por elas e tentei não julgar suas decisões.  

Jojo Moyes me surpreendeu mais uma vez, eu imaginava um desdobramento e o final foi inesperado. A narrativa começa no passado com Sophie, depois tem um salto temporal para o futuro narrado por Liv, alternado com pequenos flashes do passado. Não é nada que deixe o leitor impaciente ou no escuro, cada capítulo está onde deveria. O enredo se mostra aos poucos, não é um livro repleto de ação e o leitor não deve esperar um ritmo emocionante.

A autora aborda um assunto interessante, a posse de objetos de arte que foram apreendidos na época das Guerras. Ela consegue abordar os dois lados da situação, o leitor pode analisar e tomar uma posição. A quem pertence hoje um quadro valioso roubado da família durante uma ocupação? De um lado temos os descendentes, lutando pelo que é seu de direito. De outro os compradores atuais, pessoas que pagaram pela obra, muitas vezes de boa fé. Temos as famílias que lutam para achar algo pelo valor sentimental, e outros que já estão olhando o valor de mercado da obra de arte. O assunto é muito interessante e rende interpretações diferenciadas.

Sophie é a personagem que te conquista no primeiro capítulo. Age impulsivamente e muitas vezes eu quis impedir que ela fizesse alguma besteira, mas tem uma força de vontade estarrecedora. Liv é uma mulher de luto, apática, desmotivada. Ela irrita com suas más decisões, com seu jeito teimoso sem sentido. Eu demorei a entender o quanto as duas tinham em comum, muito mais do que uma obra de arte.

Não amei como o meu queridinho da autora, talvez por esperar algo mais dramático. Não que eu não tenha chorado... ah não, é que em Como eu era antes de você meus olhos se enchem d’água só de lembrar rs. Encontrei algo diferente, mais profundo e reflexivo. Acima de tudo é um romance maravilhoso, uma história que poderia ser real e que toca o coração do leitor por diferentes motivos. Leiam!

Avaliação (1 a 5): 4,5

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