Dançando sobre cacos de vidro - Ka Hancock

>>  quarta-feira, 9 de julho de 2014

HANCOCK, Ka. Dançando sobre cacos de vidro. São Paulo: Editora Arqueiro, 2013. 336p. Título original: Dancing on broken glass.

“Acariciei o rosto de Mickey e pensei naquele dia, muitos anos antes, quando Gleason me falou como seria a nossa vida. Não demorou para que eu entendesse o que ele quisera dizer. Cacos de vidro. Nesse momento, estávamos descalços e dançando sobre um mar de cacos de vidro. Por mais verdadeiro que isso fosse, porém, Mickey sabia que eu dançaria com ele para sempre se pudesse, mesmo que meus pés sangrassem.” p.211

Tem algum tempo que não leio um bom drama, desses com personagens fortes, histórias trágicas, final de soluçar. Vi muitos comentários entusiasmados sobre este livro e hoje conto para vocês o que achei de Dançando sobre cacos de vidro da Ka Hancock.

Lucy Houston, 33 anos, não tem medo da morte, de desafios, ou da vida. Aos 5 anos, assustada depois da professora dizer que um dia todos morreriam, ela ouviu o pai lhe tranquilizar; lhe dizendo que apesar disso, ela não tinha nada a temer. Lucy conheceu a morte. E não teve medo dela. Quando ela veio buscar seu pai - um policial morto em serviço- poucos dias depois, Lucy entendeu e não se assustou. Aos 17 anos a morte voltou, desta vez para levar a mãe, vítima de um câncer de mama. Restaram apenas ela e as irmãs mais velhas, Lily e Priscilla. Sempre contaram com o apoio dos vizinhos da pequena cidade, que acabaram sendo suas mães e pais postiços. Por causa do histórico de câncer na família, Lucy e as irmãs vivem em uma corda bamba, sempre esperando o próximo exame preventivo.

Lily se casou com o melhor amigo, um menino que desde a infância não desgrudava dela. Priscilla formou-se em direito, e o trabalho era sua vida. Lucy estava na faculdade, seu sonho era forma-se em história e voltar para sua cidade natal como professora. Sua vida seguia tranquila, até que aos 21 anos, conheceu seu grande amor.

Michael Chandler havia se acostumado com a solidão, seus relacionamentos geralmente não davam certo, e ele não tinha como evitar. Mickey sofre de um grave transtorno bipolar, e suas crises normalmente vão do caos a longos períodos de internação. Ele não tem família por perto; não é próximo ao pai ou ao irmão mais velho, e perdeu a mãe muito cedo, vítima da mesma doença. Lucy logo se interessa por ele, aquele cara lindo, divertido, dono da boate da cidade. Ele tenta afastá-la, mostra claramente o quadro completo de seus problemas, de como ele é simplesmente uma má opção para uma mulher como ela.

“Essa mulher ainda me fascina, sobretudo em momentos como este, quando saio do buraco com o cérebro embotado e a primeira coisa que consigo enxergar com nitidez é o seu amor.
Todo ser humano que não bate bem deveria ter a mesma sorte.” p.19

Lucy insiste no relacionamento, ela está apaixonada, mesmo ciente que Mickey é o pacote completo, o homem e a doença que o define. Contrariando todas as hipóteses os dois se casam e vivem  juntos por 11 anos, entre altos e baixos. Devido ao histórico complicado dos dois, eles firmam um contrato de compromisso, algo que os ajuda ao longos dos anos. Porém, este ano todas as regras serão quebradas, quando Lucy é surpreendida com uma notícia que irá mudar a vida de todos.

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Impossível não mexer com o leitor, no final eu estava em prantos, um choro que misturava alegria e tristeza. Na verdade foi um dos dramas mais pesados que já li, eu gosto de histórias realistas, mas aqui em diversos momentos eu achei que era muita desgraça para um livro só rs.

Primeiro vou falar sobre Lucy e Mickey, ela uma pessoa única, um misto de coragem e fé cega no amor. Ela se apaixonou por ele, lutou pelo seu amor, e nunca se arrependeu de sua decisão. É lindo, é romântico e é bem ingênuo. Mickey é bipolar... minha mãe é bipolar, e eu não nego... se conhecesse um homem com esta doença, eu correria para longe o mais rápido possível, sério. Não é complicado algumas vezes, é sempre complicado. O bipolar alterna períodos de frágil estabilidade com momentos de depressão profunda, de vontade de morrer. Ele está bem e de repente está hiperativo, não dorme, tem ideias bizarras e faz coisas bizarras. Os muitos comprimidos tentam tratar a depressão, a ansiedade, manter o paciente na linha entre os altos e baixos. Lucy soube de tudo isso antes de se envolver, e mesmo assim escolheu este homem e jura que o escolheria de novo.

Se isso já não fosse o suficiente, ver seu marido entrando e saindo do hospital psiquiátrico, ficar diariamente preocupada se ele está bem, se está tomando os remédios... ela também tem um grave problema com o câncer. Ela já venceu a doença uma vez, ficou entre a vida e a morte, e agora periodicamente tem que passar pelos exames para saber se está bem.

O problema é que Lucy cuida de Mickey e faz tudo o que pode por ele, enquanto ele não consegue fazer o mesmo; pois se Lucy passa por dificuldades, é mais fácil ainda Mickey entrar em crise. Quando a descoberta de Lucy caí no meio do relacionamento deles, o caos se inicia. É angustiante, é triste, mas ao mesmo tempo é uma linda lição de amor incondicional.

Lucy é das personagens mais altruístas e corajosas que já conheci, embora eu, como sangue frio que sou, passasse grande parte do livro duvidando de sua bondade. Só conseguia pensar que poderia ser tão mais fácil para ela se tivesse escolhido alguém normal. Mesmo ela mostrando uma e várias vezes, o quanto seu casamento era repleto de amor e de alegria, apesar dos pesares.

A leitura mexeu muito comigo, eu não amei de paixão, mas me emocionei e devorei a história dos dois. Os personagens secundários são ótimos e não ficam largados na trama. Evitei de contar algumas coisas que acho interessante descobrir durante a leitura, mas sei que vocês já desconfiaram qual é a “surpresa” que irá abalar o casamento dos dois.

A narrativa alterna alguns trechos do diário de Mickey com a narrativa em primeira pessoa de Lucy, além de abranger o passado e presente dos dois. Tive uma aula de bipolaridade e foi muito esclarecedor conhecer a doença pelos olhos do próprio Mickey. Quem está de fora nem imagina, e sei por experiência própria, que as pessoas não costumam compreender como funciona a mente de uma pessoa que sofre de uma doença mental.

Para quem gosta de uma história real e de um bom drama, é uma excelente leitura. Leiam!

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