O Caso Dunas Altas - Jones V. Gonçalves
>> segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Jones V. Gonçalves autor nacional do mês de fevereiro no Viagem Literária enviou este conto feito exclusivamente para o site, hoje vocês vão poder conferir em primeira mão o conto inédito e conhecer um pouco mais sobre o trabalho do autor.
Boa leitura!
O caso Dunas Altas
Não existia lua no céu. Tudo escuro, sem claridade alguma, Gomes se esforçava para ver a espuma das ondas se formando logo a frente, tarrafeador experiente aguardava no seco, queria a onda mais cheia e assim ficava atento. Quando ela veio o pescador se pôs de pé em um salto, sentiu a água gelada tocar seus pés e arremessou a rede. Aberta por completo a tarrafa vai ao fundo, na passada da onda Gomes sente o papa-terra resvalar em suas pernas, provavelmente pegara algo já que pelo menos na onda peixes haviam.
Trouxe de volta a rede com agilidade e cuidado, baixando o corpo pra frente, esticando a malha, viu não um, mas pelo menos três peixes presos e abriu um sorriso faceiro.
- João traz o balaio. - gritou pro catinguento que o seguia de balaio na mão.
- Mas pai, o balaio esta cheio, o Mauricio ainda não veio com o carro. - o menino não tinha mais que quinze anos, desde criança aprendera a seguir o pai madrugada adentro em suas pescarias, não importava o quanto estivesse cansado pela tarde cheia de atividades, gostava de seguir seu pai.
- Faz quanto tempo que o teu primo foi lá buscar o carro? - o ideal para se tarrafear nas madrugadas na praia era se ter não menos que três pessoas, o tarrafeador, o catinguento que carregava o balaio de peixes, provavelmente tem este nome devido ao fedor dos peixes, e por fim um motorista, sim, pois as vezes você caminha muitos quilômetros seguindo a posição da maré, nunca se fica no mesmo lugar, então a menos que queira caminhar tudo de volta leve um motorista.
- Não sei, uns dez minutos eu acho. - João parecia indeciso, o cansaço não o deixava calcular direito, mas o certo é que já se fazia um certo tempo.
Gomes olhou para traz, não enxergava nada, nenhuma luz. Sabia que o carro não estava tão longe assim para que se demorasse tanto. Olhou para a tarrafa cheia, era melhor o sobrinho ter um bom motivo para toda aquela demora. Enrolou a malha o melhor que pode e começou a voltar com João vindo logo atrás.
Alguns minutos antes Mauricio chegara ao carro, estava entediado com tudo aquilo, poxa queria estar na cama dormindo pra de manhã cair na água. O carro havia ficado em frente ao farol de Dunas Altas, uma construção extremamente alta e quadrangular com uma luzinha que de tempos em tempos piscava para avisar aos navios que existia terra ali, nada parecido com os faróis antigos, com suas luzes giratórias que iluminavam o mar, não aquilo não era nada parecido.
Sem pressa abriu a porta do carro, uma caminhonete Ecco Sport vermelha, o tio mesmo sendo um empresário abastado sempre gostou de pescar, e trazia a caminhonete para a beira da praia. De súbito ouviu um rugido, um grunhido fraco, baixo, mas audível, o ruído de um animal.
Deixando a porta aberta foi para trás do carro, que era de onde vinha o som, com a escuridão nada pode ver, mas um bloco escuro formava-se a sua frente, um vulto da altura de sua cintura. Mauricio aproximou-se, estava receoso, o grunhido havia parado, existia ali apenas aquela mancha escura a sua frente que não se movia.
Com a mão tateou o bolso, achou o celular e o usou como lanterna para então sorrir, a carcaça de uma cadeira de praia enferrujada jazia aberta à pelo menos dez metros a sua frente. Deu um sorriso sem graça lembrando do medo que sentira antes, mas e o som, o que seria aquele som que agora não mais ouvia. Não deu muita importância aquilo, não iria se preocupar com tal som.
Caminhou de volta para o veículo, parou por um instante, voltou a olhar na direção da cadeira e vislumbrou um vulto maior e em movimento, parecia caminhar em sua direção, Mauricio não conseguia distinguir o que era, estava muito escuro.
- João é você? – Perguntou, sabia que provavelmente não se tratasse de seu primo, pois mesmo que o adolescente fosse grandalhão ainda não tinha aquela estatura. Buscou novamente o celular e iluminou a frente. Tomou um susto com o que viu, gritou, mas não haveria ninguém a não ser seu tio e primo e estes estavam longe demais.
Tratou de tentar entrar no carro, mas foi pego no meio do movimento. Com fúria foi arremessado para longe, não sabia o que aquilo era, nem entendia o que estava acontecendo, ate sentir as presas rasgarem sua carne. Gritou, esperneou e chorou enquanto seu corpo era arrastado para longe da caminhonete.
Caminhando a passos largos Gomes demorou cerca de quatro minutos para chegar até o veiculo, como tudo estava escuro não conseguiu perceber as manchas de sangue no chão. Estranhou é claro a porta aberta e que seu sobrinho não estava ali.
João que vinha mais atrás viu o pai acender a luz interna do carro, deixou o balaio cair no chão ao chegar mais perto, pois havia uma pequena poça de algum liquido no chão. Tocou a substancia com a ponta dos dedos e levou a luz, apenas para perceber que se tratava de sangue.
- Pai! - gritou o menino mostrando a ponta vermelha do dedo, em seu rosto um terror inesperado.
O pescador olhou para o chão, uma mascara de preocupação se fez em seu rosto. Provavelmente algo acontecera com seu sobrinho.
- Fica aqui João. Vou ver se acho o Mauricio. Ele deve ter se ferido em algum anzol ou coisa assim e foi até as poças lavar o ferimento. – O pescador não acreditava naquilo, mas precisava deixar seu filho despreocupado, de trás do banco retirou a faca que usava para descamar os peixes e caminhou para trás do carro.
João obedeceu a seu pai e entrou na caminhonete, não teve medo, nunca algo havia acontecido naquelas praias. Provavelmente Mauricio se engatara em algum anzol mesmo, sabia que o primo era um desastre em pessoa, como foram ensinados por Gomes a como proceder com estes ferimentos por serem surfistas Mauricio deve ter procurado uma destas poças de canal para lavar o ferimento. Era nisso que o menino pensava enquanto esperava.
A pouca luminosidade lançava sombras disformes aos céus, Gomes pensou ter visto alguém caminhando sobre as dunas, mas sabia que aquilo provavelmente era uma alucinação, um produto de sua mente. Voltou a olhar naquela direção, mas não conseguia ver mais nada. As sombras ali na margem também lhe pregavam peças, galhos cravados na terra, calões de rede, lixo. Tudo naquela noite poderia dar medo nos desavisados, mas Gomes há muito aprendera sobre essas coisas, noites sem lua eram boas para meter medo nos meninos.
- Mauricio! - gritou ele pela primeira vez, João ouviu este grito, pelo menos sabia que era seu pai.
Aguardou mais alguns minutos, mas seu pai não voltou a falar por um bom tempo. Trancou as portas do carro e ficou ali, em pouco tempo o cansaço do dia atravessou os sentidos e o menino dormitou. Acordou sobressaltado com os gemidos de dor e gritos que enchiam a noite.
Com medo João olhou para fora, mas estava tudo escuro ainda. Não havia sinal do pai ou do primo, apenas escuridão. Abriu a porta do carro e olhou lá fora, sentiu um vulto caminhar em sua direção, provavelmente deveria ser seu pai. Então caminhou de encontro, parou apenas ao ouvir os grunhidos.
O menino não viu o que o seguia, só sabia que estava com medo daquilo. Entrou correndo no carro e trancou a porta, esperava que a coisa ficasse do outro lado. Colocou a mão na ignição, mas as chaves não estavam lá, Mauricio as havia levado com ele. Ouviu o arranhar na lateral do carro, um barulho crescente que o incomodava. Olhou para a janela e lá estavam dois olhos amarelados olhando ameaçadoramente em sua direção.
Em um minuto o vidro se partiu e João acompanhou a criatura com seus olhos. A besta arrastou-se para dentro do carro. O medo paralisara o menino, e a paralisia só fora quebrada com a dor das garras penetrando sua carne, sentiu-se ser puxado com força para fora, tentou resistir, mas conseguiu apenas se machucar ainda mais, foi atirado para fora do carro caindo de costas no chão. Tentou erguer-se, mas sua perna estava quebrada, olhou na direção do carro e não existia ali apenas um vulto, mas pelo menos cinco pares de olhos amarelos o observavam.
Pela terceira vez naquela noite a beira da praia se encheu com os sons de gritos de desespero e dor, e novamente não havia ninguém para ouvir aos gritos.
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Faziam dois dias que Matheus e Caio haviam voltado do interior, o investigador mais experiente estava treinando o novato, portanto o deixara de molho lendo alguns livros sobre esoterismo e ocultismo.
- Essas merdas servem pra alguma coisa mesmo? – Perguntou Caio com cara de poucos amigos, não gostava muito de ler sobre aquilo.
- Acredite guri existem muito mais coisas neste mundo do que estamos acostumados a ver. – Matheus ria da postura do novato, se fosse Francisco ali a ouvir aquilo certamente teria dado uma dura nele.
- Certo, eu já bastante coisa esquisita nos últimos dias, coisas que não julgava existir. – O investigador voltou seus olhos para o livro aberto a sua frente, sabia que aquilo poderia ser importante, só não sabia onde seria importante.
- Você ainda não viu nada novato. Se estivesse com a gente no rincão e visse o Adão em ação, com certeza não teria aceitado entrar para o D.E.I.S., mas já que aceitou eu te digo guri, bem vindo ao inferno. – Desde que se conheceram e que Matheus começou a treinar Caio, o agente tentava fazer com que o outro desistisse, mas o outro não se importava com aquilo.
Os dois ficaram ali por um tempo calados, Caio observava o colega com seus olhos castanhos decididos, até que o outro decidiu sair, sabia que era perda de tempo tentar fazer o outro desistir, mas tentaria, sabia que entrar para o D.E.I.S. apenas arruinava as vidas dos policiais. Quando não era a mente que se quebrava com tantos horrores, era a vida social quase inexistente. Não havia fama, ou reconhecimento, apenas os casos, quando tinham sorte era um atrás do outro, quando não, como agora, os agentes ficavam no departamento aguardando, lendo, treinando ou mesmo conversando.
O investigador saiu da biblioteca, preferia a academia no subsolo, desceu as escadas até chegar lá e sorriu ao ver que apenas Daniel usava os aparelhos. Foi pro vestiário, tirou as roupas normais e pôs calções, como fazia um calor infernal não colocou camiseta.
- Está muito parado ultimamente. – puxou conversa enquanto se ajeitava em um dos aparelhos, queria treinar a musculatura do braço, mesmo que esta não fosse problemas, Matheus como os agentes de apoio estava em perfeita forma física, musculatura riscada de tantos exercícios, o que era incomum para um investigador.
- Eu e o Francis tivemos alguns problemas em Porto Alegre semana passada, mas antes disso, nenhum serviço. E vocês? Como foram em Passo Fundo ? – Daniel falava ofegante, estava ali na esteira a mais de uma hora.
- Cara, tudo normal, mostrei ao guri que existe muito mais entre o céu e a terra como diz aquele ditado clichê. – Estava pronto, iria iniciar a primeira seção. – Cara, me diz ai, essas tatuagens que tu trás nos braços, significam alguma coisa?
- Sim, claro que sim cara. – Um pequeno sorriso se fez no rosto, uma ou duas cicatrizes se esticaram, nada que estragasse muito o rosto do policial. – São selos de proteção, o Francis me ensinou estes símbolos, além de legais ajudam um pouco.
- Ajudam em que cara? Nós sempre nos ferramos nestas operações. – Matheus estava em um péssimo dia, reclamando de tudo que via pela frente.
- Ajudam a impor medo, os piercings, as tatuagens, os músculos. – O policial não deixou as reclamações do colega porem fim ao seu bom humor. Enfatizou esta ultima palavra demonstrando a musculatura, sabia que quando se tratasse de fazer alguém falar, sua aparência poderia assustar as vezes, ou como já fizera encantar.
- Entendo, mas no nosso ramo, com o que lidamos isso não deve funcionar muito. – Continuou a seção de musculação, mas não disse mais nada durante os próximos minutos.
Lá em cima o capitão Marco entrava na biblioteca, ao seu lado Francisco trazia um recorte de jornal. Os dois olharam para o novato, um rapaz com pouco mais de vinte e cinco anos, moreno claro, cabelos bem curtos, de porte imponente, mas não tão forte como o pessoal de apoio ou mesmo Matheus. Caio não percebeu a entrada dos dois, estava compenetrado nos livros, havia finalmente encontrado algo em que se interessasse, vampiros, já os conhecia, mesmo que tivesse escapado por pouco deles queria uma revanche qualquer hora.
- Caio, cadê o Matheus? – Perguntou o capitão, pensava que o outro agente estaria ali também.
- Não sei senhor, ele saiu faz um tempinho. – Respondeu o garoto sobressaltado.
- Calma guri, tomou um susto com a gente, imagina se fosse um fantasma. – Francisco riu-se com aquilo.
- É que eu estava entretido. – explicou um pouco sem jeito.
- Francis você vai com eles? – O capitão deu atenção a ele.
- Não, quero voltar a Vila Natal, depois de Porto Alegre, acho que pode haver algo errado por lá, mas pode mandar o Danny com eles. – Respondeu Francisco entregando o jornal ao capitão.
- Certo, vai lá, espero que esteja enganado, mas tudo bem. – Deu um tapinha nas costas do oficial mais experiente que tinha e virou-se para Caio. – Preciso que encontre o Matheus e o Daniel, eles devem estar lá embaixo, é onde sempre os encontro, avisa pra eles que quero vocês três na sala de reuniões.
- Entendido capitão, eu falo com eles sim. – respondeu o garoto fechando o livro e começando a se levantar.
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Meia hora depois os três estavam sentados nas cadeiras acolchoadas da sala de reunião, ao redor da mesa de operações, Marco vinha vindo calmamente com a folha de jornal na mão.
- Temos serviço capitão? – Perguntou Matheus com ar desanimado.
- Sim, parece que sim, nada muito concreto ainda. – Respondeu Marco entrando na sala e indo sentar-se na ponta da mesa.
- Pra onde vamos? – Daniel parecia tranqüilo, seus olhos azuis não demonstravam nenhuma emoção com aquilo.
- Esta é a boa noticia, vocês deixaram o calor da cidade pelo clima menos abafado do litoral. – Marco estava um pouco preocupado ainda com tudo que estava acontecendo, já havia transferido três de seus homens para outras unidades pela falta de casos depois de todo aquele estardalhaço do ano anterior.
- To precisando de uma cor mesmo! – Riu-se Daniel que de todos ali era o mais branco, realmente estava de bom humor naquele dia.
- Por que nós? – Matheus olhava direto para o capitão, geralmente nestas calmarias Francisco pegava todos os casos, não que ele desejasse ficar parado no departamento. Caio que estava ao seu lado apenas observava aquilo tudo, era muito novo no departamento para opinar em algo.
- Francisco esta vendo outras coisas no momento, coisas referentes ao caso dos cães no ano passado. – Marco já conhecia bem seus subordinados e sabia que era exatamente disso que Matheus se referia.
- E o que tem pra nós então. – O grandão começava a se animar com aquilo, mais um caso, menos tempo de marasmo sem nada a fazer.
- Direto ao ponto, temos dez desaparecidos em uma semana no balneário de Dunas Altas, próximo a praia de Quintão. Por enquanto nenhum corpo foi encontrado, mas segundo testemunhas que ouviram gritos das supostas vitimas, elas foram carregadas de suas casas, ainda tem um veiculo que foi encontrado abandonado na beira da praia, o dono esta desaparecido também junto com seu filho e sobrinho. Não sabemos ainda se é um caso nosso, por isso estou enviando os três. – O resumo foi rápido e preciso, Daniel não disse nada, Caio que já estava quieto apenas baixou a cabeça pensativo, e Matheus apanhou o recorte de jornal e leu a noticia.
- Se sairmos agora não pegamos muito transito. O que acham? – Perguntou o investigador por fim.
- Mais alguma coisa capitão? – Perguntou Daniel olhando pro superior.
- Não, tudo que sabemos do caso esta nesta pasta, dêem pro novato ir lendo no caminho, vão. – Estendeu o braço para entregar uma pasta cheia de folhas do arquivo, com os nomes dos desaparecidos e responsáveis pelo caso.
Os três despediram-se de Marco e foram preparar o material que levariam. Alguns minutos depois estavam dentro da viatura, isso já eram onze horas da manhã. Daniel dirigia o carro, conhecia bem o trajeto, pois seu pai muito o levara para pescar naquela região.
-Preparados para uma hora e meia de viagem pela 040? - perguntou o soldado querendo puxar assunto.
- Leva tudo isso! Pensei que estaríamos lá antes do meio dia. - Respondeu Matheus não muito satisfeito com aquilo.
- Bom, se eu extrapolar o limite de velocidade a gente leva uma hora mais ou menos, mas claro se o transito não estiver trancado. - enquanto Daniel explicava a paisagem ia passando e mudando. Primeiro cidades, depois pequenos grupos de mata e então os campos de arroz.
Pouco conversaram os três, Matheus estava contente por ter saído do departamento, e ainda por ter Daniel para ajudá-lo a cuidar do novato. Cerca de quarenta minutos depois chegavam ao túnel verde de Capivari. Uma formação natural com cerca de três quilômetros de extensão formada por arvores dos dois lados da estrada e que se encontravam no alto, formando assim um túnel natural.
- Uma vez tivemos um caso aqui. - Daniel falava sem muita emoção, não era uma boa lembrança. - Um amigo morreu em operação.
- Esse é o nosso destino Dani. Morrer em serviço. As coisas com o que lidamos, cedo ou tarde isso acontece. - Nos últimos dias Matheus vinha um tanto depressivo, não tinha expectativas quanto ao futuro.
- Ela foi embora Matheus? - Daniel perguntou sério, não achava graça naquilo, e não queria um amigo com problemas lhe dando cobertura.
- Quando fui pro interior com o Caio. – A voz do outro estava arrastada, não tinha nenhuma empolgação.
- Por isso desisti de relacionamentos sérios! Você sabe, nesta nossa atividade não se consegue conciliar os dois, não há parceiro ou parceira que compreenda o que fazemos e fica tranqüilo quando estamos em campo. – Olhar direto na estrada, estavam passando pela rótula de cidreira, pegaram o rumo para Pinhal.
- Mesmo sabendo disso eu me sinto arrasado, poxa cara, eu gostava dela. – Foram as ultimas palavras sobre o assunto, pelo menos da parte de Matheus.
- Não esquenta cara, quando o caso acabar vamos encher a cara nos bares de Quintão. – Daniel tinha um meio sorriso no rosto, Caio estava pensativo quanto a tudo aquilo, ainda sonhava em constituir família, tinha uma namorada e gostava dela, mas será que ela compreenderia.
Dez minutos depois chegavam a entrada de Quintão, Daniel sabia que a delegacia era bem ali, o primeiro prédio da cidade. Uma casinha velha e apertada com um estacionamento do lado, mal cabiam os soldados dentro dela. No interior um homem corpulento estava sentado em frente a um monitor de tubo digitando algo, quando Daniel entrou ele deu uma espiadela por sobre o monitor, mas logo voltou a digitar sem dar muita atenção a eles.
- Boa tarde, somos policiais da Civil. – Chamou Matheus olhando direto para o homem que olhou novamente analisando os três.
- Por que estão aqui? – Voltando os olhos para o monitor, o policial parecia estar de mau humor, não queria muita conversa.
- Viemos ajudar no caso dos desaparecidos. – Matheus falava pouco e era direto, sabia que quanto menos informações desse mais rápido sairiam dali.
- Não chamamos a Civil senhores, então podem voltar de onde vieram. – Total descaso com os agentes, foi isso que conseguiram traduzir na voz do homem.
- Somos do D.E.I.S. policial, temos jurisdição neste assunto, então por favor comece a colaborar. – Daniel era mais experiente com aquilo, sabia que o D.E.I.S. poderia se intrometer em qualquer caso mesmo não sendo chamado.
- Opa, por que não falaram antes, D.E.I.S. né, o bando de lunáticos que acredita em Papai Noel , certo, certo, vocês podem se meter nos casos dos outros, então sintam-se a vontade, só não esperem de mim qualquer colaboração entendeu? – Sarcasmo total, era o que continha na voz do homem, que com ar desinteressado voltou para a tela do computador.
Os três ficaram olhando aquilo, em Gravataí, Porto Alegre, Canoas ou Cachoeirinha tinham o apoio total da policia comum, mas no interior era sempre assim, as ordens nunca chegavam a tempo, e a colaboração era difícil. A passos largos voltaram para o veículo, calados os três, foi só quando entraram que resolveram conversar.
- Vocês viram aquilo? – Matheus estava pasmo.
- Não se acostumou ainda garoto. Vamos, Dunas Altas não fica muito longe daqui. – Daniel voltou a ligar o carro, estava com fome, por isso pensou em conversar a respeito do caso em algum restaurante da cidade, e conhecia alguns legais por ali, os Esquilus, sabia que haviam pelo menos três no caminho.
- Tudo bem, mas como vamos conseguir as informações sobre o caso? – Caio ainda estava acostumado a ter cobertura de fatos da policia, nunca entrara em um caso sem ter pelo menos um relatório detalhado em mãos, teria de se acostumar com o D.E.I.S., ali aquilo era difícil de acontecer.
- Da maneira mais clássica garoto, perguntando pro povo! – Respondeu Matheus com um sorriso no rosto.
Com esta resposta o carro começou a se mover, estavam indo para o interior da cidadezinha, em um dos restaurantes fizeram um lanche conversavam animadamente sobre casos antigos, mulheres e o pessoal do Depto. Depois se dirigiram para o balneário Dunas Altas, era como um condomínio, mas sem muros, sem portões, apenas as casas parecidas e geminadas que o pessoal alugava para passar uns dias no verão. Havia ali um salão de festas, praças para as crianças e um tipo de estacionamento comunitário. Policiais caminhavam pelas ruas, isso era o mais incomum ali naquele dia.
- O que acha Dani, vamos parar e conversar com os brigadianos? – Matheus não gostara da recepção, mas sabia que os soldados poderiam ser mais receptivos que seu comandante.
- Acho que pode ser uma boa idéia. – Respondeu Daniel parando o carro em um dos lados da rua.
Os três desceram e caminharam até o primeiro soldado que encontraram, um jovem magro e alto de cabelos negros e a pele bronzeada. Ele olhou para os agentes que haviam se identificado e um sorriso se abriu em seu rosto.
- Ainda bem que estão por aqui detetives. Temos mais um desaparecido. – O garoto apontou para uma casa logo a frente. – Desta vez a vitima não estava na rua, mas sim dentro da casa, ontem havíamos aconselhado a todos que ficassem em suas casas a noite que nossos homens estariam na rua.
- Nenhum dos homens viu movimentação? – Caio foi quem perguntou, sob o olhar desaprovador de Matheus.
- Perdemos dois bons soldados ontem senhor. – O garoto baixou a cabeça. – Eles foram levados junto com um dos membros da família.
- Como sabe que foram levados? – Matheus agora assumia as perguntas, havia mesmo algo estranho naquilo tudo.
- As crianças senhor, foram as únicas que conseguiram se esconder, disse que os pais foram levados, e que os policiais também!
- Elas descreveram o agressor? – Perguntas obvias eram feitas por Matheus, mas que gerariam alguma informação útil.
- Vocês não vão acreditar, é coisa de criança, acho que o trauma foi demais para elas. – O soldado ficou meio sem jeito de responder.
- Vamos lá soldado, responda, por mais estranho que possa parecer. – Um sorriso amarelo surgiu nos lábios de Matheus.
- Certo, elas falaram de homens feitos de areia, com dentes grandes e garras enormes. – Algo na descrição chamou a atenção de Daniel.
- Há quanto tempo isso vem acontecendo? – Daniel que antes apenas observava o chão ao redor resolveu fazer uma pergunta também.
- Fazem duas semanas, todas as noites alguém some na beira da praia.Algo que nunca havia acontecido.
- Duas semanas, isso é ruim, já procuraram por toda a região? – Matheus olhava para Daniel, era bom ter o amigo por perto, mas o investigador era ele e não o soldado.
- Sim, organizamos grupos de busca, fizemos varreduras por toda parte, mas nada.
Com uma das mãos Daniel chamou os outros de lado, não queria que o garoto ouvisse o que tinha a dizer, o modus operandi daquilo era muito parecido com algo que já havia caçado.
- Essa gente esta encrencada Matheus. – O soldado parecia preocupado com aquilo.
- Por que diz isso Dani, tem alguma coisa pra nos falar? – Matheus vinha sério, podia ver algo que nunca virá no rosto do amigo, medo.
- Ape’kün Membira ou Filho do Pântano na tradição Tupi, nós caçamos alguns há alguns anos em Capivari, perto do Túnel verde. Eles acordam de tempo em tempo com fome e só param quando já estão satisfeitos.
- E quando ficam satisfeitos? – Caio notara também o medo no rosto de Daniel.
- Não se sabe, daquela vez eles já caçavam no Capivari há quase um mês. Nós matamos cinco deles, mas existiam muitos mais. – Daniel chutou uma pedrinha, olhou para o carro e caminhou em direção.
- Pra onde você vai Daniel? – Perguntou Matheus um tanto preocupado.
- Precisamos de armas, e precisamos tirar o guri daqui. – Apontou pra Caio. – Ele não tem experiência o suficiente pra isso, e precisamos ligar pro capitão, ele tem de mandar o pessoal de apoio que está no departamento.
- Eu vou ficar Dani, ficar e ajudar. – Caio estava resoluto, não arredaria o pé dali.
- Acha mesmo que precisamos do apoio? – Perguntou Matheus olhando o outro.
- Não tenho duvidas quanto a isso. – O soldado já estava no carro, no console ao lado do banco pegou seu celular e ligou. Alguns segundos depois o Capitão atendeu.
- Fala Daniel, chegaram em Dunas já? – A voz eletrônica de Marco era pouco parecida com a voz dele ao vivo.
- São Membiras capitão. – Daniel não quis conversa, foi logo ao assunto.
- Tem certeza? – A voz séria do outro lado, sem os floreios de antes.
- Sim senhor, a descrição bate, seres de areia, com garras e dentes grandes.
- Pode ser qualquer coisa, e os Membiras não são feitos de areia! – Marco parecia mais aliviado.
- Não são, mas seus corpos sempre estão cobertos de lodo. E estão atacando todas as noites, em duas semanas. Lembra de como era em Capivari!
- Sim eu lembro. Vou mandar o pessoal que conseguir arranjar, mas provavelmente eles só consigam sair daqui amanhã pela manhã. Lembra que tive de dispensar a maioria deles para outras funções.
- Sim capitão, sei disso, vamos ficar aqui e tentar fazer com que todos saiam, preciso que o senhor ligue para o oficial de policia que comanda a delegacia local, ele não quis colaborar. – Depois de falar aquilo Daniel desligou, não ouviu a resposta do superior.
Os três ficaram algum tempo se encarando, Daniel sabia que teriam um páreo duro pela frente. Foi ao porta malas e começou a se armar, o policial que estava por perto ficou boquiaberto com a quantidade de armas que traziam naquele porta malas. Daniel pegou um Fuzil de assalto e duas pistolas, coletes e alguns pentes de munição, os outros fizeram o mesmo. Enquanto se arrumavam Matheus caminhou até o policial, precisava explicar o que estava acontecendo.
- Temos uma vaga idéia do que esta acontecendo aqui, precisamos evacuar o balneário antes que escureça. – O rapaz ficou olhando para ele, não sabia ao certo como reagir. – Vamos rapaz, isso tem de ser feito agora.
Alguns minutos depois Daniel estava do lado de Matheus, e Caio vinha logo atrás, sabiam que quando escurecesse a coisa ficaria mais feia, mas mesmo assim não sairiam dali.
- Como se mata esses tais de Membiras? – Matheus perguntava enquanto olhava para o farol.
- São criaturas de carne e osso, seres antigos, de antes do homem branco pisar nestas terras. Tivemos de encontrar o ninho e atacá-los de dia.
- Certo, então enquanto eles saem daqui, nós caçamos. – Matheus apanhava o maço de cigarros, precisava de um pouco de fumaça.
Se puseram a caminhar, Daniel ia explicando que Membira em tupi queria dizer pântano, mas não os lamaçais e brejos, e sim as poças de água salgada criadas nas beiras do mar, pequenos acúmulos de água que servem como canais, Ape’Kün Membira queria dizer filho das poças, fora por esta tradução literal que descobriram o ninho em Capivari, existia lá uma poça natural de água salobra. Então ali por perto deveria existir também.
O primeiro passo foi encontrar algum rastro próximo a casa que fora invadida na noite anterior. O caçador ali era Matheus, ele inspecionou cada centímetro não pisoteado pelos policiais, mas a ação do vento na praia era algo contra o que não conseguiria lutar, voltou a examinar as voltas da casa, e a caminhar mais para longe ainda, até que quase nas dunas encontrou o que procurava, fez sinal e Daniel se aproximou.
- Encontrei rastros parecidos nas proximidades da casa. – O agente apontava para pequenas pegadas geradas por algo pontiagudo em quatro pontos, destes uma pequena linha saia, indo direto ao ponto central.
- Eles levam em que direção? – Quem perguntou fora Caio, o garoto já havia visto Matheus em ação antes, mas agora o senso aguçado do caçador estava mais presente do que no caso de alguns dias atrás.
- Levam para as dunas, deve existir algum pequeno vale por ali, para onde provavelmente as coisas levam o seu lanchinho. – Nada de sorrisos, ou mesmo expressão debochada, Matheus agora trazia apenas seriedade em seu semblante.
Com um tapa no pente de munição do fuzil Daniel se pos em marcha, queria acabar de uma vez com isso. Os outros o seguiram sem fazerem muito barulho, mas caminhar nos morros de areia calçando coturnos era algo trabalhoso, em pouco tempo seguindo sempre os rastros chegaram a um pequeno vale entre duas dunas enormes, ali um pequeno canal tinha morada, não parecia fundo, e também não era muito largo, em sua extensão chegava até bem perto da água do mar, provavelmente em tempos de maré cheia tinha suas águas reabastecidas. Matheus foi o primeiro a chegar na margem, olhou para cima e percebeu que logo atrás, talvez à uns cem metros erguia-se o farol.
Daniel entrou na poça, queria ver a profundidade, e se impressionou ao notar que em certos momentos a água chegava-lhe a cintura, com certeza haveria de ter uma entrada de toca por ali, os rastros que Matheus seguira acabavam-se no alto da duna, tinha quase certeza de que este era o lugar.
- Deve ser aqui, não há outro canal tão perto. – Gritou o soldado para os companheiros, olhou para o litoral e podia ver as ondas quebrando, voltou seus olhos para o interior e não conseguiu encontrar o termino da poça.
- A areia aqui é muito fofa, não há como se fazer uma caverna, ou mesmo refugio aqui embaixo. – Caio testava as coisas por ali, olhava em volta, mas nada, não existia na opinião dele algum lugar resistente o suficiente.
- Já cavou na beira da praia? – Daniel não esperou pela resposta. – Você cava um pouco e a areia começa a te soterrar, mas se você cavar cada vez mais fundo irá encontrar uma areia molhada, firme em certos pontos que seria suficiente para sustentar muito peso.
- Tudo bem, mas isso é lá na beira! Não aqui, e quando você cava ainda mais vai encontrar lodo, a água vai surgir e tudo ficará molenga outra vez. – Retrucou o rapaz.
- Não, só no fundo você terá esta superfície molenga, mas no resto a volta terá paredes duras que podem ser escavadas facilmente, mas que se bem trabalhadas podem resistir .
- Teriam de ser corredores estreitos, sem muito espaço para se mexer. – Caio começava a considerar a hipótese, e enquanto conversavam caminhavam, Daniel dentro da poça, e os outros dois na duna.
Quase um quilometro pra baixo o soldado teve uma surpresa, um passo em falso e um mergulho inesperado, havia encontrado a entrada do túnel. Não conseguiu calcular a profundidade, mas viu que a água havia coberto todo o seu corpo mesmo com os braços esticados. Nadou para sair do buraco e observou os rostos assustados de seus dois amigos nas margens.
- Parece que encontramos uma entrada. – Disse com um pequeno sorriso no rosto. – Não consegui olhar lá embaixo, mas pelo que sei essas criaturas não respiram debaixo d’água. Então deve ter um bolsão seco lá.
- Teria de mergulhar e encontrar o túnel, isso molharia as armas. – Matheus parecia preocupado enquanto dava a mão a Daniel que saia da água.
- Podemos esperar a noite chegar e atacar eles quando saírem. – Foi a resposta do soldado.
- Ainda assim depois teríamos de descer e ver se há mais algum lá embaixo. – Matheus voltava a inspecionar as armas.
- E se destruíssemos a entrada? Uma explosão quem sabe. – Daniel olhou para Caio enquanto este falava, sua cara não era nada amigável.
- O gênio, isso aqui é areia, eles podem remover ela facilmente. – Foi a resposta do soldado.
- Certo foi mal, mas uma explosão poderia fazer eles saírem de onde estão. – Tentou de novo o novato.
- Ou derrubar algumas dezenas de quilos de areia sobre eles e tornar isso aqui em um alagadiço, não, acho que não.
- Bom meninas, temos de decidir de uma vez o que faremos, a noite esta chegando e logo, logo as belas adormecidas iram sair pra brincar. – Matheus fumava outro cigarro, no carro não o deixaram fumar, agora queria saborear a sua fumaça.
- Vamos descer! Usem sacos plásticos para proteger as armas, e vamos cair na água. – Daniel correu até Caio que trazia a mochila, tirou alguns sacos e fitas adesivas, assim como pequenas lanternas a prova d’água. Quando veio para este caso pensou em homens peixe ou algo assim, por isso trouxe algum material para combate submerso.
Os outros dois agentes apenas olhavam aquilo tudo, o que poderiam dizer, teriam de descer, porém quando Caio fez menção de pegar os equipamentos Daniel o deteu.
- Quero que fique aqui, monitore o rádio e fique atento para qualquer coisa que sair daí de dentro. – Caio iria tentar argumentar, mas logo desistiu, principalmente quando Matheus olhou para ele, sabia que aquilo era necessário.
Alguns minutos depois os dois estavam prontos, Daniel foi o primeiro a mergulhar, acendeu sua lanterna e desceu, como esperava encontrou um túnel lá embaixo com muitas raízes a dar-lhe alguma sustentação. Nadou para dentro e seguiu seu curso, em alguns segundos a sua cabeça voltava para a superfície, um ar quente e úmido enchia seus pulmões, o lugar não era extremamente estreito, com certo cuidado retirou a pistola do saco plástico, assim como o comunicador.
- Caio ta na escuta. – Sua voz era um resmungo no rádio do outro lado.
- Sim, estou ouvindo claramente. – Respondeu o novato.
- Diga para Matheus descer, eu vou esperar por ele aqui.
- Certo Daniel, ele já esta descendo. – Caio fez um sinal para o outro agente que logo mergulhou.
Não demorou muito e Daniel viu o amigo saindo da água, o túnel era baixo e estreito, tinham de engatinhar lá dentro e ainda carregar suas armas. Fixaram os comunicadores em suas roupas e começaram a andar. Sentiram subir e depois descer, desceram por um bom tempo, até que areia se transformou em barro, até que o túnel se abriu, ficou mais alto e mais largo, ainda não conseguiam andar de pé, mas já não andavam mais de quatro, Daniel foi quem primeiro viu o sangue no chão e nas paredes, o ar agora trazia o cheiro de carne podre, estavam cada vez mais perto. Foi então que avistaram o primeiro, ele erguia-se aos poucos do chão, seu corpo cheio de escamas iluminado pela luz das lanternas era pavoroso, guinchou para a iluminação, na boca dentes que trespassavam uns aos outros saindo dos lábios. Grandes olhos de um branco leitoso feitos para enxergar no escuro, dois braços musculosos terminados em garras afiadas, corcunda como não poderia deixar de ser devido a altura de seus túneis, o peito estava todo manchado de sangue e em uma das mãos trazia um pedaço de carne.
Daniel que vinha na frente apontou a pistola para a criatura e deu dois tiros, não queria saber se aquilo iria atrair a atenção das outras que estavam no interior, até onde sabia aqueles túneis tinham apenas uma saída e os dois agentes estavam bloqueando ela. Uma das balas perfurou o peito da criatura e a outra atingiu um dos olhos jogando aquela coisa para trás, mas nem os tiros a fizeram ficar quieta. O soldado se aproximou e deu mais dois tiros, só então o bicho se aquietou e tudo ficou silencioso de novo. Os sons dos disparos ali embaixo eram quase que ensurdecedores, o eco provocado fez o teto tremer.
- Acho que atirar não é boa idéia. – Matheus havia colocado a mão no ombro de Daniel para chamar-lhe a atenção, foi só quando viu que a boca do amigo se movia que percebeu que estava temporariamente surdo.
O investigador sabia que algo estava errado, não ouvia nada, nem um ruído sequer. Os tiros de Daniel o haviam deixado surdo também, precisavam sair dali, mas por outro lado queria ter certeza de que não havia sobreviventes ali. Então com um aceno de cabeça disse para seguirem. Aos poucos a audição começou a retornar. Haviam encontrado alguns pedaços mastigados pelo corredor, sabiam que aquilo não era bom sinal, a água no chão estava a altura dos tornozelos quando encontraram o ninho, uma câmara mais larga, da mesma altura que os corredores, em um canto, jogados e empilhados os corpos das vitimas desaparecidas, alguns ainda inteiros, esperando um certo estagio de deterioração preferido pelas criaturas, outros já parcialmente devorados, provavelmente as primeiras vitimas.
Já de pé olhando para a entrada do túnel oito das criaturas, elas guinchavam de maneira ameaçadora para os invasores que lhes jogavam os fachos de luz das lanternas.
- São oito no total. – Resmungou Daniel no rádio. – Não existe outra saída, apenas por onde viemos e o caminho é bem longo.
- Temos de voltar Dani, ficar atirando não será uma boa idéia! – Matheus falava com ele, a voz um pouco tremula, sabia que estavam em séria desvantagem.
- Bem devagar Matheus, se for atirar, faz longe do meu ouvido. – Respondeu calmamente o soldado, sempre olhando para as coisas que não se moviam.
- Por que eles não atacam?
- O dia ainda não acabou, sabem que lá fora terão ainda mais vantagens do que aqui. Só vão atacar se nos os ameaçarmos. – Matheus começava a se dirigir para a saída, andando de costas, sem se virar.
Os dois voltavam pelo corredor, sabiam que atirar não era alternativa, teriam de dar muitos tiros ali, e isso poderia acabar com a estrutura do túnel deixando-os soterrados. Precisavam sair dali o quanto antes, pelo menos já sabiam quantos eram os inimigos e tinham certeza de que se tratava mesmo de Membiras. Daniel ficou para trás quando Matheus entrou de volta na água, iluminando o corredor percebeu que duas das criaturas os seguiam, puxou de um de seus bolsos uma granada de luz, daquelas usadas para cegar temporariamente as pessoas, sabia que o efeito seria muito maior naquelas coisas que não haviam se acostumado com a luz natural, e sim com a escuridão total, além de fazer pouco mais que o som de um disparo e não deslocar tanto ar, o que não faria o túnel ruir, arremessou o pequeno artefato e mergulhou.
O estrondo como calculado por Daniel não fez o túnel ruir, mas lhe deu tempo para voltar a superfície com Caio e Matheus. Os dois já estavam tensos com a demora do companheiro. Daniel por outro lado percebeu que o sol já tinha saído do céu e a noite seguia escura e sem lua.
- Atirem em qualquer coisa que tentar sair lá de dentro, temos de acabar com todos aqui e agora, antes que consigam sair da água. – Gritou Daniel enquanto saia da poça e subia a duna.
A primeira criatura a deixar a água fora recebida por cinco projeteis de fuzil, caiu inerte, morta, de volta para o interior da poça. As outras ao perceberem a armadilha nadaram para longe, indo sair distantes, algumas perto do mar, Daniel enquanto preparava sua arma percebeu aquilo, viu uma da bestas saindo da água mais a frente, mirou e estilhaçou a cabeça da fera.
- Eles estão saindo longe de nossas miras, logo estarão sobre nós, precisamos voltar pro balneário, lá tem mais luz, aqui somo alvos fáceis. – Falava Daniel enquanto voltava a atirar em outra criatura, mas desta vez sem atingir o alvo.
Passaram a correr, volta e meia olhavam para trás, iluminavam algo e atiravam, por vezes seus tiros encontravam a carne, mas nenhum ponto vital, apenas trespassavam o couro e faziam as bestas se irritarem ainda mais. Caio foi o primeiro a sentir as garras em seu corpo, com um puxão foi jogado para trás, seu corpo rolou por uma duna e logo foi cercado, sorte foi seus amigos terem percebido a tempo e voltado para ajudar. Ele mesmo buscou da pistola e disparou um dos oponentes, Matheus fulminou outro com alguns tiros e Daniel outros dois. Assim mais da metade dos Membiras havia morrido, mas ainda restavam dois e as balas de Daniel e Matheus se acabavam.
Uma das criaturas deu um safanão no rosto de Matheus jogando-o contra o chão, o agente perdeu a arma, levou a mão ao coldre da pistola e nada encontrou. Olhou para a frente, os dentes afiados do Membira abertos, prontos para o ataque, ele saltou sobre o agente que jogou-se para trás, impulsionando o corpo da criatura sobre o dele e a jogando para longe, rapidamente pôs-se de pé e juntou um galho forte do chão. A criatura voltou a rugir a sua frente e atacando com as garras abriu o peito do colete do investigador, de tão afiadas as garras rasgaram o kevlar e riscaram a pele de Matheus. Aproveitando a imperfeição do golpe o agente desferiu um potente ataque com o galho na cabeça da fera que cambaleou, seguido do primeiro golpe veio o segundo, neste momento o Membira atacou o vento, parecia estar surpreso pela reação de sua presa, fez um talho no braço forte de Matheus, mas este não parou seus ataques até que restasse apenas uma massa disforme onde um dia fora a cabeça da criatura.
Daniel que também estava sem balas preferiu usar a boa e velha faca, a mesma que o salvara dos cães demoníacos no caso da Adelaide, uma faca bowie de ferro frio, uma arma de caça com cerca de trinta centímetros de lâmina. Atirou a faca de uma mão para a outra enquanto olhava fixamente a criatura, ela colocava as garras para trás e projetava a cabeça para frente, rosnava como forma de ameaça para seu agressor, não demorou muito para atacar, o braço forte da fera moveu-se contra o tórax do soldado que como por reflexo girou a faca fazendo-a atravessar a mão que o atacava, um urro de dor e então a outra mão poderosa agarrou firme o pescoço de Daniel. Com facilidade o Membira ergueu os noventa quilos de músculos do agente e o arremessou como se fosse nada. Daniel bateu no chão, rolou e colocou-se de pé, estava acostumado a lutar.
Viu que a criatura havia atirado a faca para um canto, e que esta vinha novamente em sua direção, não esperou, saltou contra a fera de braços abertos na linha da cintura fazendo-a cair, quando no chão pôs os joelhos sobre os ombros da criatura e começou a socar a face, desviando suas mãos dos dentes afiados, mas a fera não havia sido totalmente detida e suas garras cortaram colete e peito, um dos golpes talhara tão profundamente que a garra ficara presa, Daniel sentia a dor aguda da garra cravada em sua carne, rasgando o peito, mas decidiu não solta-la, ao invés disso pegou uma pedra do chão e passou a bater na cabeça da criatura. Não demorou para que os músculos afrouxassem, e o ser ficar completamente imóvel.
- Com este acho que foram os oito! – Gritou o soldado para ver se seus amigos respondiam.
- Não sei, temos de contar os corpos. – Respondeu Caio rindo.
- Como vocês estão? – Perguntou Matheus arrumando-se novamente.
- Tenho novos ferimentos para mostrar as enfermeiras do Becker! – Daniel havia aderido aos risos de Caio.
Voltaram e contaram sete cadáveres, sabiam que um estava no fundo da poça, então tinham todos ali, empilharam e queimaram. No outro dia o resto do pessoal de apoio estaria ali, eles tirariam os corpos do ninho e cuidariam para que ninguém soubesse ao certo o que havia acontecido ali. Agora o que queriam era um banho e algumas cervejas, talvez em algum bar com sinuca ao ar livre, como alguns que viram no caminho para Dunas Altas.