Entrevista - Albarus Andreos
>> segunda-feira, 29 de março de 2010
Ele passou a infância e a juventude às voltas com as aventuras fantásticas que vinham de fontes tão variadas quanto ricas: desenhos da Disney e Caverna do Dragão, Monteiro Lobato, filmes B de Drácula na pele de Cristopher Lee, Tarzan das matinês de domingo, as mitologias egípcia, greco-romana e nórdica, e jogos de computador como Diablo e Warcraft.
Não é, portanto, de admirar que em 1993, ao começar a escrever a saga "A Fome de Íbus", Albarus Andreos tenha antecipado em alguns anos uma tendência que viria a ganhar destaque no mercado editorial: obras que remetem a figuras e personagens mitológicos.
Nesta entrevista exclusiva ao Viagem Literária, o escritor fala sobre seu processo criativo, suas inspirações e influências, suas leituras preferidas – “Costumo intercalar os clássicos universais com livros de gênero e clássicos nacionais”, revela. Ele também antecipa um pouco sobre a continuidade da saga, com "Livro da Escuridão", e sobre o futuro de seu herói: “Não vai ser aqui que Karizem vai ter tempo para um romance, mas ele virá, num próximo momento!”
Como surgiu a idéia para a saga "A Fome de Íbus"?
Albarus Andreos - Começou na faculdade de engenharia, quando escrevi um texto para um colega que jogava RGP e Magic. Nem lembro que fim deu esse texto, mas continuei escrevendo. A ambientação medieval, escura e lúgubre, com cavaleiros, feiticeiros e criaturas fantásticas me seduzia desde a infância e, meio como uma terapia, para pensar em outras coisas que não fossem só as ciências exatas, comecei a escrever. Muito mal e parcamente, à princípio, retrabalhei e reescrevi tantas vezes este texto, que para ficar pronto levei 13 anos. Aí, o que era só diversão, já tinha se convertido em vontade publicar. Veio daí a Fome de Íbus.
Como se dá seu processo de criação? Você costuma se afastar das atividades rotineiras ou apenas tira algumas horas do dia para escrever?
Albarus Andreos - Eu escrevo em casa ou, às vezes, no trabalho, quando tenho uma folguinha. Infelizmente, como não tenho muito tempo livre (três filhos ainda pequenos), ter de arranjar um tempinho quando terminei as atividades diárias no meu emprego parece estar se tornando uma regra. Mas dificilmente consigo escrever programando um intervalo no dia para isso. Nas férias costumo encadear dias e dias seguidos escrevendo mas, fora disso, geralmente as idéias vêm nas piores situações, e aí, ou rascunho livremente o que quero, ou gravo num pequeno gravador digital. Geralmente escrevo após reler um trecho do que já está pronto. Isso serve para engrenar de novo. Acho que isso de reservar um tempo não funciona comigo, sou caótico, impulsivo, emocional. Quando vêm, as idéias podem ser um simples nome, ou três ou quatro laudas de uma vez, com uma derivação totalmente diferente da linha que estava tomando. Mas isso após ficar guardado e apurando o teor, acaba (ou não) virando parte de um texto longo ou um conto completo. Faço fichas que ficam guardadas e, num determinado momento, quando entro em situações que permitam, recorro à elas. Às vezes o que sai não tem nada a ver com a idéia original, mas sempre guardo as fichas até para comparações futuras.
A saga cria um mundo completamente novo. Onde você se inspirou?
Albarus Andreos - Não dá para dizer que não foi em qualquer literatura fantástica que já tenha lido na vida. E em Tolkien também, mas o que quero ressaltar, é que não tenho como imaginar uma história sem criar o mundo em que ela se passa. Acho muito divertido viajar na maionese e muitos sub-enredos se originam disso. Quando criança, imaginava personagens nos contos dos irmãos Grimm ou na mitologia, onde os heróis nascem, realizam o que tem de realizar e morrem (ou vivem felizes para sempre)! Haveria de ter um ambiente, um fundo, um clima, uma luz especial, o ruído de um rio, montanhas glaceadas, pessoas cheirando a peixe frito e banha de javali, pássaros canoros e árvores que abrigam espíritos de amadríades... Tudo isso vem da necessidade de poder contar a história e porque tudo isso já estava lá, no momento em que imaginei um cavaleiro aparecendo de trás de uma crista de colina. Como fazê-lo sem ter o mundo em que se passa?
Tendo começado a escrever a saga "A Fome de Íbus" em 1993, Você antecipou em alguns anos uma tendência que viria a ganhar destaque no mercado editorial, com obras que remetem a figuras/personagens mitológicos. Em sua opinião, por que essa temática tem tanto apelo junto ao público? E por que ela cresceu tanto nos últimos anos?
Albarus Andreos - Acho que é pelo fato de que as crianças que viveram nas décadas de setenta e adolesceram nos oitenta, por aí, assistiram aos mesmo filmes e desenhos animados, leram as mesmas revistinhas, viram os mesmo fatos sociais e políticos na TV, como a queda do muro de Berlin, ou Ayrton Senna nas manhãs de domingo etc. Essas experiências comuns produziram gerações com aspirações, medos e vontades parecidas. Então os desenhos animados que quis ver e não vi, as histórias em quadrinhos que queria ter quando criança, os filmes que “imaginei fazer” com os temas que não tive, e os livros que gostaria de ler, mas não estavam disponíveis na minha época, passaram então a ser produzidos quando nos tornamos todos adultos. Aquelas vontades não realizadas foram o alimento para que nós produzíssemos a cultura que produzimos agora. Isso me leva a concluir que cada homem e mulher, envolvidos na criação artística, produz, na sua idade adulta, aquilo que gostaria de ter desfrutado quando menino ou menina. Os gibis e filmes que Tarantino ou James Cameron liam quando pivetes fizeram com que pensassem “porra! Isso daria um filme daqueles”. E não é muito diferente daqueles caras que viveram nas gerações de quarenta ou trinta. Acho que alguém com um conhecimento antropológico maior que eu poderia explicar isso melhor. Sou um produto do meio, como autor, da mesma forma que era quando uma criança ávida por usar a imaginação.
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Espero que vocês tenham gostado da primeira entrevista do Viagem Literária, em breve teremos mais autores por aqui. Uma ótima semana a todos ;)