Viagens da Alice #6 – A Bolsa Chevening e uma nova jornada

>>  sexta-feira, 23 de setembro de 2022


O post de hoje é um sonho antigo, algo que há alguns anos venho lutando para conquistar e que hoje finalmente consigo compartilhar com vocês, após ter certeza de que isso era real e algo que posso aproveitar e curtir. E, claro, como já faz parte de quem eu sou e quem quero ser, algo para escrever sobre e compartilhar com vocês.
 
O sonho de bater as asas por outros países é antigo, e algo que venho correndo atrás faz tempo. Ao longo da minha vida tive algumas oportunidades de viajar, seja turismo, estudo ou trabalho, mas nunca algo permanente. Não estou reclamando – tenho completa noção do meu privilégio e da minha sorte. Mas mesmo assim, todas as experiências eram muito curtas para a vivência imersiva que a minha alma sagitariana curiosa ansiava. E agora, lá para os meios dos meus 30 anos, na idade que algumas pessoas decidem formar raízes e acalmar, eu resolvi finalmente arriscar e ousar, e quem sabe começar tudo do zero. E foi uma caminhada longa...
 
Acho que começou quando eu tinha aproximadamente 6 anos de idade. Mineira de Belo Horizonte, era aluna do finado Izabela Hendrix, ali no miolo do Lourdes. Sempre muito criativa, peculiar, exagerada e sonhadora, um dia simplesmente coloquei na minha cabeça que estava de mudança para a Inglaterra. A razão ao certo ninguém jamais saberá. Pode ser influência do meu pai, que algumas décadas antes visitara o país. Pode também ser devido a um consumo nada moderado de Mary Poppins, ou ao fantástico “Matilda” de Roald Dahl (o livro, o filme veio alguns anos antes, uma adaptação que sempre adorei e tenho no coração). Veja bem, isso era ainda no início da década de 1990 (eis que uma Millennial vos escreve), então não estou falando da influência de Spice Girls e Harry Potter. Fato é que a cultura britânica sempre vem forte para nós, e me pegou de um jeito. Jeito o suficiente para decidir que eu ia me mudar e precisava avisar a diretoria da escola.
 
Assustada, a diretora chamou meus pais e exigiu explicações da mudança repentina e sem aviso, assim do nada no meio do ano escolar. Foi a primeira de muitas (muitas) vezes que a coitada da minha mãe precisou explicar para o público externo a cabeça peculiar de sua filha. Uma cabeça criativa, curiosa, mas muito determinada. Eu não me esqueço disso e jamais esquecerei. E hoje, quase 30 anos depois, o sonho daquela pequena Alice, talvez em uma das suas primeiras grandes viagens e divagações foi conquistado.
 
Escrevo esse texto hoje diretamente de Edimburgo, a capital da Escócia, onde oficialmente sou aluna de mestrado da prestigiadíssima Universidade de Edimburgo, uma instituição que aqui está desde 1583, filiada à 19 prêmios Nobel, a casa da ovelha Dolly, e uma das maiores universidades de Direito do mundo, referência absoluta na minha área de estudo. Escrevo isso olhando à direita a vista da minha janela, que pega o topo do Arthur’s Seat, uma colina de origem vulcânica que abraça essa cidade medieval, a segunda mais visitada em todo o Reino Unido. Alguns metros ao sul está o Palácio de Holyrood, onde há apenas alguns dias, o caixão da Rainha Elizabeth II chegava após falecer na residência real de Balmoral, um pouco ao norte da cidade. Poucos minutos na direção contrária, encontro museus em homenagens a escritores e pensadores que apenas li sobre. E como li.
 
Até agora, ler era a minha saída quando me encontrava em uma claustrofobia mental. Quando as circunstâncias da vida me impediam de respirar outros ares. E sempre que consegui, eu alcei voo, sempre ligando a alguma experiência como leitora e deixando a viagem ainda mais marcada na minha memória. Por exemplo, temos as resenhas de Hamlet, Dracula, Tess Dos U’bervilles, Jane Eyre e Os Vestígios do Dia para mostrar como o ler + viajar é importante para mim (clique no título do livro para ler a resenha e conhecer um pouco mais sobre a Inglaterra e seus autores). E agora, eu posso voltar a ser uma leitora viajante, explorando outro cantinho da Grã Bretanha: a Escócia! E tenho tudo a agradecer ao programa de bolsas Chevening, do governo britânico.
 
Descobri a bolsa Chevening em 2019, em uma feira universitária em São Paulo. Na época, tinha acabado de retornar de uma temporada de 4 meses na Inglaterra (a que escrevo sobre nas resenhas listadas acima) e estava ansiosa para ter uma experiência mais permanente. Além disso, o momento profissional justificava uma volta à academia, para atualizar os estudos e preparar para as mudanças de um mercado extremamente dinâmico. A princípio, pensei que eu jamais conseguiria a bolsa. Eram muitos problemas, na minha mente: era muito velha, seria muito desgastante, seria custoso e eu provavelmente receberia um não. Veja, o medo da reprovação já me barrou algumas vezes, e me barrou ao fazer pensar que eu jamais seria capaz de conseguir uma bolsa prestigiosa promovida pelo governo britânico. Mas na pandemia, isso mudou.
 
Acho que foi o medo geral e todas as incertezas, aliado ao fato de ficar trancada em casa. Eu sou uma pessoa muito caseira e na maior parte do tempo estou entre 4 paredes, mas a pandemia me fez ver que eu estava desperdiçando meu tempo ao não dar vazão ao meu potencial e superar medos. Então resolvi me inscrever para o Chevening em outubro de 2020. As inscrições terminariam em 2 semanas, e eu dei o meu melhor. Suei, ralei, preparei 110% do que conseguia entregar. E não foi suficiente. Não fui chamada para a entrevista. Mas agora estava picada pelo mosquitinho da determinação e nada ia me parar. O Chevening nos dá essa oportunidade: um programa sem limite de idade, sem especificação de área de formação, universal, que permite quantas tentativas a que o candidato queira se submeter. E eu me submeteria até conseguir.
 
Em 2021, respirei fundo e entreguei mais do que achei ser capaz. Repensei a candidatura, pedi opinião de bolsistas passados, coloquei a cara a tapa e arrisquei. Deu certo, quando fui aprovada para a entrevista. Depois disso, mais uma etapa de preparação incansável, depois uma espera interminável. Até que no dia 28 de junho de 2022 recebi o email que sonhava desde outubro de 2020, aquele que começa com a frase “we are delighted to inform you”. A bolsa era minha e de outras 46 pessoas brasileiras incríveis, que hoje são a minha família brasileira, espalhada por todo o Reino Unido. Eu escolhi vir para Edimburgo, a melhor universidade para a minha propensão de estudos e de carreira. Mas tenho uma rede de apoio por toda essa nação!
 
Eu tenho muito a agradecer e a certeza de muito trabalho árduo envolvido. Mas esse post é para celebrar a Alice de 6 anos de idade, na sua primeira viagem imaginária. É para celebrar o fato daquela Alice ter encontrado a escrita para dar vazão à imaginação, e hoje ter os livros para se distrair e algo a mais para amar. Um vento fresco quando as coisas ficarem muito apertadas, um guia para futuras viagens, um caso de amor que só ganha força e cumplicidade com o passar do tempo.
 
Por essa razão, vou aparecer menos por aqui. Agora sou estudante de mestrado, 10 anos após ter saído do mundo acadêmico e tenho que me dedicar e fazer jus ao prêmio que recebi. Mas não vou sumir. Preciso continuar dando vazão aos meus pensamentos, às minhas leituras. É uma questão de honra (e de saúde mental) não perder essa faceta da minha vida.
 
Definitivamente lerei menos, mas sempre que possível terei um livro ao meu lado, e viagens para compartilhar. Estou especialmente empolgada para conhecer autores escoceses ou continuar a ler alguns celebrados, como Arthur Conan Doyle, cuja coleção Sherlock Holmes eu já comecei a resenhar e espero terminar no meu tempo aqui, em sua cidade natal (Leia as resenhas disponíveis clicando AQUI).
 
Sempre que possível, voltarei aqui nessa coluna, a minha “Viagens da Alice”, dessa vez com uma viagem literal. Espero conseguir compartilhar tudo isso com vocês.
 
Vamos?
 
#mycheveninghjourney

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