Triste Fim de Policarpo Quaresma – Lima Barreto
>> sexta-feira, 29 de julho de 2022
BARRETO, Lima. Triste Fim
de Policarpo Quaresma. Rio de Janeiro: Editora Antofágica, 2021. 432p.
Triste Fim de Policarpo Quaresma,
a obra mais conhecida do autor brasileiro Lima Barreto e um inegável clássico
da literatura nacional, foi o escolhido para a 16ª Leitura Coletiva do Blog
Viagem Literária, durante o mês de junho de 2022. Como vocês já sabem, o
projeto da Leitura Coletiva possibilita a leitura de clássicos da literatura
mundial (e nacional, por que não?) com metas curtas e promovendo uma
descontraída interação entre os participantes, compartilhando impressões,
ideias e expectativas. Dessa vez encaramos outro exemplar brasileiro, o livro
do escritor e jornalista carioca que consegue trazer discussões atuais até hoje,
mesmo tendo sigo originalmente publicado em folhetins entre agosto e outubro de
1911 e como livro em 1915.
O livro foi uma releitura para
mim, mas de que pouco lembrava. É mais um caso do clássico nacional de leitura
obrigatória durante o período escolar, então a passagem do tempo desde meu
último encontro com as páginas de Lima Barreto deixou a minha memória um pouco
nebulosa. Lembrava que foi um livro especial, onde consegui identificar uma
história inteligente e muito significativa, em um gênero que me agradava. Triste
Fim de Policarpo Quaresma é contado mesclando política, história e
literatura em uma linguagem simples, atemporal e significativa de uma forma talentosa
e inteligente. Isso não me esqueci, disso e das saúvas!
O livro trata da vida, as
lutas e batalhas (literais e simbólicas) de seu herói homônimo, e quis o
destino que a leitura fosse em sequência à Dom Quixote de La Mancha (cuja
resenha vocês conferem AQUI), quem inaugurou o heroísmo aliado à loucura. Quaresma
tem muito de Quixote, com seus ideais nobres respaldados em bons princípios,
mas que por vezes ultrapassam o limite do socialmente aceitável. Fica a
passagem onde ele redige um ofício em tupi, para o espanto de seus colegas e o
suficiente para o levar passar uma temporada no hospício. O fato é que a
história de Quaresma é um relato sobre o que é ser brasileiro, especialmente no
momento em que a história é situada, nos estabelecimentos da república. Assim
como o trecho do início da resenha ressalta, Quaresma sempre foi um patriota
idealista, e isso veio com muitas dificuldades. E mesmo tendo um bom coração, é
inevitável que a vida lhe pregue peças.
O nacionalismo de quaresma
jamais lhe fugiu da mente, ao contrário do personagem Ricardo Coração dos Outros,
um seresteiro mestre de violão que é central e importante para a história, mas
que o tempo apagou da minha mente. O fato é que o livro tem bons personagens
secundários e muitas vezes nem ouvimos falar de Quaresma. Alguns capítulos são
apenas centrados em Coração dos Outros, o que de forma alguma prejudica a
narrativa. Mas, sem dúvida nenhuma, as melhores partes são aquelas do nosso herói
quixotesco (ou quaresmiano, seguindo o espírito ufanista do livro). E, para
mim, nada supera os animais mais famosos da literatura brasileira: as saúvas.
É graças à Triste Fim de
Policarpo Quaresma que eu sempre fui atenta a formigas. Desde que li o
livro aos 15 anos sei identificar essa formiga, alarmada com as descrições
sagazes e mortais desses animais impiedosos. Jamais esqueci. Se em algum
momento, por qualquer razão que fosse, o assunto “formiga” entrava em pauta,
Quaresma vinha à mente, seguido de um alerta “cuidado com as saúvas”. Um
sorriso veio ao meu rosto ao reencontrar minhas amigas/inimigas e ver que as
descrições que ficaram marcadas como uma tatuagem em minha memória, agora ganharam
uma camada de reforço.
Terminei a releitura feliz por
mais uma vez, com outra idade e outra cabeça, ter devorado Policarpo Quaresma,
agora com uma curiosidade latente em saber mais sobre o autor. Vidas sofridas
nos livros muitas vezes vêm de um lugar de fala de propriedade, e suspeito ser
esse o caso.
Até a próxima leitura
coletiva, voltando à Rússia com Anna Karênina, mais um livro que li quando
adolescente e que terei oportunidade de revisitar!
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Avaliação:
“Não se sabia bem onde
nascera, mas não fora decerto em São Paulo, nem no Rio Grande do Sul, nem no
Pará. Errava quem quisesse encontrar nele qualquer regionalismo; Quaresma era
antes de tudo brasileiro. Não tinha predileção por esta ou aquela parte de seu
país, tanto assim que aquilo que o fazia vibrar de paixão não eram só os pampas
do Sul com o seu gado, não era o café de São Paulo, não eram o ouro e os
diamantes de Minas, não era a beleza da Guanabara, não era a altura da Paulo Afonso,
não era o estro de Gonçalves Dias ou o ímpeto de Andrade Neves – era tudo isso
junto, fundido, reunido, sob a bandeira estrelada do Cruzeiro”.
“Abriu a porta;
nada viu. Ia procurar nos cantos, quando sentiu uma ferroada no peito do pé.
Quase gritou. Abaixou a vela para ver melhor e deu com uma enorme saúva
agarrada com toda a fúria à sua pele magra. Descobriu a origem da bulha. Eram
formigas que, por um buraco do assoalho, lhe tinham invadido a despensa e
carregavam as suas reservas de milho e feijão, cujos recipientes tinham sido
deixados abertos por inadvertência. O chão estava negro, e carregadas com os
grãos, elas, em pelotões cerrados, mergulhavam no solo em busca da sua cidade
subterrânea” (capítulo V)