Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski
>> sexta-feira, 12 de março de 2021
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e Castigo. São Paulo: Martin Claret, 2020. 584p. Título original: Crime and punishment.
Crime e Castigo, talvez um dos mais imponentes livros da
consagrada literatura russa, foi escrito por Fiódor Dostoiévski e publicado
inicialmente em 1866. Com um currículo invejável e fãs fervorosos, a obra foi a
escolhida da Leitura Coletiva do Blog Viagem Literária no mês de fevereiro/2021,
e durante esse mês conversamos sobre diversos aspectos presentes no livro: a
religião, a culpa, a redenção, a pobreza, a pátria, o amor, a psicologia, entre
vários outros. Ressalto que não foi uma conversa acadêmica ou “Intelectual”,
mas sim um papo animado entre pessoas descobrindo (ou redescobrindo) um livro
clássico ao mesmo tempo que outras, e comentando suas impressões gerais sobre
os assuntos retratados. O que mais me chamou a atenção foi a pluralidade de
significados que o texto trouxe para as mais diversas pessoas. Exemplifico:
enquanto umas discorriam sobre a religião e moral retratadas na obra, outras
achavam temas mais obscuros, como a pobreza e a “Mãe Rússia”. Foi uma
experiência muito rica e divertida, e fica meu convite para todos participarem
de outras leituras coletivas no futuro!
O livro conta a história de Rodion Romanovich Raskólnikov,
um ex-estudante de Direito que mora em um minúsculo sótão no último andar de um
prédio degradado em São Petersburgo. Ele está doente, vestido em trapos, com
pouco dinheiro e logo nos é descrito como uma pessoa bonita, orgulhosa e
inteligente. Como o título já nos adianta, logo descobrimos que, desesperado
com a sua situação e a da sua família, Raskólnikov está pensando em cometer um
crime terrível, cuja natureza e característica vamos descobrindo aos poucos
durante a primeira parte da história. Se sentindo cada vez mais preso à esta
solução drástica, ele realiza visitas à casa da vítima escolhida, a agiota Alyona
Ivanovna, planejando tanto o ato quanto as consequências do dinheiro a ser adquirido
no assassinato/roubo, bem como o bem que planeja fazer com o dinheiro, numa
clara demonstração de tentar aliviar a culpa pela ideia de “um bem maior”.
Neste processo, ele conhece um homem chamado Marmeladov, que, em um ataque de
embriaguez, abandonou o emprego e passou a beber já fazia cinco dias, com medo de voltar
para casa e para sua família. Marmeladov conta a Raskólnikov sobre sua esposa
doente, Katerina Ivanovna, e sua filha, Sonya, que foi obrigada a lançar de
meios não muito honrosos para sustentar a família.
Continuando uma série de circunstâncias que o levaram a
praticar o ato, como a notícia do noivado de sua irmã Dunya com um homem não
muito do bem, bem como alegações contra o caráter da penhorista Ivanovna, Raskolnikov decide matar a mulher. Ele
espera uma ocasião em que ela esteja sozinha em casa, entra no apartamento e a
ataca com um machado. Na sequencia, busca por dinheiro e objetos de valor
quando se depara com a irmã de Ivanovna, Lizaveta, e, misturando instinto com
necessidade de esconder sua identidade, acaba a matando também. Assustado com o ocorrido, ele mal consegue
escapar do apartamento sem ser visto, então retorna ao
seu apartamento e desmaia no sofá.
Esse é o início
da história e o ponto de partida para o que vem a seguir. O crime foi cometido,
então agora viria o castigo, certo? Não é tão direto assim, e o autor escolhe
uma narrativa onde acompanhamos a vida de Raskólnikov após esse ato, seus dilemas morais, éticos e religiosos. Também descobrimos mais da história
dos demais personagens apresentados, em uma narrativa com muitos aspectos
deterministas, onde o meio interfere fortemente na vida, decisões e caráter das
pessoas que dali são fruto. Outros personagens são introduzidos à história, e
dou um destaque ao detetive Porfiry Petrovich, um dos muitos antagonistas de Raskólnikov
cuja principal arma é a ironia.
Um livro que já nasceu com o status de clássico e muito
estudado, não é difícil encontrar sinopses de “Crime e Castigo” pela internet,
muitas de ótima qualidade. Na faculdade conheci pessoas que destrinchavam os
significados jurídicos e históricos do livro, e realmente uma rápida pesquisa
nos traz inúmeros trabalhos acadêmicos sobre a importância e influência do
livro. Não é a minha intenção resumir a história ou desvendar seus inúmeros
significados, mas sim gostaria de falar um pouco mais sobre o que o livro
representou para mim e os assuntos que mais chamaram a minha atenção.
A primeira situação que me chamou a atenção foi a questão
do texto e suas diferentes traduções. Como li em uma Leitura Coletiva, diversas
foram as edições escolhidas, e em muitas a linguagem variava tanto que nem
parecia ser a mesma história. Tivemos traduções Russo-Espanhol-Português,
Russo-Português, Russo-Inglês, Russo-Francês-Português... uma diversidade
incrível. Em algumas versões temos um texto mais direto e em outras um
sentimentalismo predomina (o que é típico das línguas latinas), mas a história
foi contada e compreendida mais ou menos da mesma forma. O que me chama a
atenção é o fato de que não importa a linguagem direta ou floreada: nesta obra Dostoiévski
consegue nos entregar um enredo com muito sentimento e um calor tão
contrastante com o frio comumente associado à “Mãe Rússia”. Foi o primeiro
livro que li do autor, mas a literatura russa não me é estranha. Traçando uns
paralelos ao que já tive a oportunidade de ler, muito me impressiona os dotes
literários capazes de afastar os mais reverberados preconceitos do povo russo.
É uma leitura com alma, descritiva, sentimental, bem explicada e que emana um
calor em meio ao cenário gélido de uma sociedade à beira da revolução.
Se seu interesse é ler uma obra clássica que faz jus ao status,
esse é um livro que certamente não irá decepcionar. Para mim, este livro representou uma experiência
brutal, muito rica e capaz de gerar inúmeros questionamentos que podem se
perder nos nossos labirintos mentais. Eu senti a angústia social, o medo, a
preocupação, a raiva, a confusão em todos os personagens, das mais diversas origens
e com os mais diversos caráters. E foram esses sentimentos que me transportaram
uma São Petersburgo que, como muitas outras cidades grandes, pode ser cruel ao
engolir o indivíduo e o classificar como estatísticas. Fazia tempo desde que li
uma obra assim.
Dividido em 6
partes e um epílogo, o livro consegue ser completo e de certa forma simétrico.
Talvez um pouco alongado em suas partes 4 e 5, não consigo deixar de dar uma
nota alta pela complexidade dos temas e um desenvolvimento único do psicológico
de seus personagens.
Uma leitura que,
pelo menos uma vez na vida, acredito que todos devem fazer!
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5):