Um Artista do Mundo Flutuante – Kazuo Ishiguro
>> sexta-feira, 20 de julho de 2018
ISHIGURO, Kazuo. Um Artista do Mundo Flutuante. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2018. 225p. (Título Original: An Artist of the Floating World)
Kazuo Ishiguro é um escritor romancista nascido
no Japão, mas que mora na Inglaterra desde a infância, tendo imigrado com seus
pais. Em 2017, foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura. E basicamente
por isso resolvi ler esta obra lindamente editada e relançada pela Companhia
das Letras (o livro foi originalmente publicado em 1986).
Me chama atenção como a literatura japonesa me
atraiu este ano. Primeiro foi a descoberta do livro “Battle Royale”, de Koushun
Takami que já está na minha estante esperando sua vez, e depois foi a
sequência de livros do então desconhecido para mim Haruki Murakami. 2018 está se mostrando um ano de descobertas e
fuga do meu “lugar comum” literário, que sempre foi o eixo
EUA-Inglaterra-Irlanda. Isso foi algo que identifiquei no final do ano passado,
e fico feliz que meu perfil esteja mudando, para ser mais inclusivo, em
especial na Cultura. Convido vocês a também fazer essa auto crítica.
E é com esse gancho em Cultura que eu começo a
minha resenha de Um Artista do Mundo Flutuante. É o que mais chama atenção e
o que mais me atraiu no livro: a cultura familiar e tradicional japonesa, tão
peculiar e estranha para mim, foi dissecada e analisada em tons semelhantes aos
de um pintor, aqui uma comparação ao personagem principal do livro, Masuji Ono,
um artista idoso.
Um exemplo do que falo, de como o autor é
cuidadoso com as palavras e tece um cenário parecido com uma pintura é o trecho
abaixo:
“Às vezes,
de manhã cedinho, afasto a cortina e encontro o sol se derramando entre as
lonas em raios coloridos, revelando nuvens de poeira no ar como se o teto
tivesse acabado de cair naquele instante.” (p. 15)
O livro começa com Masuji vivendo com uma filha
solteira, Noriko, e outra já casada, Setsuko (tendo passado por negociações e
investigações bem sucedidas) e com um neto, Ichiro. O foco central é a casa,
uma obra de arte em si, mas que sofre os efeitos da 2ª Guerra Mundial que
recentemente acabou. A casa foi comprada de uma família que valorizava mais a
honra do que o dinheiro, algo poético mas que beira a arrogância, e deu à
família de Masuji um status e visibilidade que antes não tinham.
A narrativa do livro centra-se em Masuji, que
tem tanto recordações de sua vida quando criança e adolescente, especialmente
dos pais e dos costumes, quanto o presente, em um Japão alterado, ainda entre o
tradicional e a invasão ocidental. Vemos claramente o respeito das filhas para
com o pai, mas também não deixamos de reparar como não é mais uma coisa cega.
Elas têm voz, argumentam, querem saber, tomam decisões. Em quem mais
conseguimos ver essas novas tendências ocidentalizadas é no neto, Ichiro, fã de
filmes de cowboy e um tanto quanto voluntarioso.
Ao falar do passado, não há como fugir também do
passado tão próximo: a guerra. Masuji é o sobrevivente de uma geração que
mandou filhos para a luta e os filhos não voltaram. Que viveu a destruição do
que conhecia como certo e o que tinha como lar, e que agora sobre com a nova
geração que os considera obsoletos.
Assim, o livro tem ares dramáticos e um tema denso,
apesar de não ser novidade na literatura, mas com a grande vantagem da leveza
da escrita poética.
Mesmo assim, o que mais me marcou no livro foi a
jornada de Masuji para se tornar um artista, neste então mundo flutuante, de
constantes alterações e incertezas, onde um “eu” não pode ser fixo e muitas
vezes não pode nem ser escolhido. A tradição escolhe o que você vai ser, com
quem você será, e quem você será.
A jornada de Masuji também foi flutuante, indo
contra as imposições de seu pai, encontrando sua identidade na vida noturna da
cidade, e até mesmo trabalhando na indústria da guerra, na produção de
propagandas nacionalistas. Propagandas que incitavam jovens a lutar, o país a
resistir, pessoas a morrer... pessoas mais próximas que ele próprio imaginava.
É um pouco difícil avaliar este livro, pois
ainda estou sob a influência de seu impacto. E o mais interessante é que eu não
senti o impacto, eu simplesmente me pego pensando na obra, avaliando
aleatoriamente trechos e passagens, sem ainda ter uma opinião forte formada.
Acho que isso é bom, foi uma obra de arte, uma pintura em letras que me tocou,
me fez pensar, definitivamente me emocionou e que não esquecerei tão cedo.
Mesmo assim vou tirar algumas estrelas. Por que?
Por que ela é sutil até demais, e acredito que a própria valorização exacerbada
vai estragar seu sentido e seu propósito. Isso não faz muito sentido, mas é o
melhor que posso explicar agora. Existem muitas obras neste modelo, esta é mais
sutil, mais discreta, fica mais em segundo plano. Uma leitura fácil, bela e
emocionante, mas que tenho medo de esquecer em algum tempo.
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