Garotas de vidro - Laurie Halse Anderson
>> quarta-feira, 22 de agosto de 2012
ANDERSON,
Laurie Halse. Garotas de vidro. São
Paulo: Editora Novo Conceito, 2012. 272p. Título original: Wintergirls.
“Minhas
mãos leem um mapa em braile lavrado em osso, começando com meus seios ocos
fiados com rios de veias azuis cheias de gelo. Conto minhas costelas como
contas de um rosário, murmurando encantamentos, meus dedos se enrolando por
baixo da caixa de ossos. Eles quase conseguem tocar o que está lá dentro.” p.215
Eu
já li muitos livros com um conteúdo mais forte, mas este é o primeiro que leio
sobre distúrbios alimentares, a historia é cruel, chocante. Difícil para nós
que temos uma mente sã, percebemos e entendermos o que se passa dentro da mente
dessas garotas, quem têm tudo para ser feliz, mas que “escolhem” não ter nada.
Hoje Lia me ajuda a contar sua historia com Garotas de Vidro de Laurie Halse Anderson.
Meu
nome é Lia, mas poderia ser Cassie,
poderia ser milhares de garotas como eu, garotas fantasmas, garotas mortas. Se
meu nome fosse Cassie eu realmente estaria morta, como minha melhor amiga. Cassie morreu sozinha em um quarto de motel,
Jennifer, minha madrasta, me contou.
Morreu quando seu esôfago se rompeu, depois de vomitar comida e vodka pela,
quem sabe, milésima vez. Isto quem me contou foi minha mãe, a famosa Dra Marrigan, querendo me assustar.
Cassie
morreu sozinha, mas eu deveria estar lá. 33 vezes. Foi o número de vezes que
ela me ligou, eu não atendi nenhuma delas. “Por favoooor, Lia-Lia.” “Me liga.
Eu estou péssima.” Eu ouvi os recados tarde demais, estava com raiva dela e tão
fraca. Cassie era minha melhor amiga desde sempre, crescemos juntas, brincamos
juntas, juntas apostamos quem seria a mais magra. Eu venci! Cassie morreu.
Depois
que sai da prisão da clínica New Seasons pela segunda vez eu sai da casa
da minha mãe Dra Marrigan e vim morar com meu pai, o famoso escritor,
com Jennifer e minha meia-irmã Emma.
Minha irmã é um anjo, um doce de menina que vive para atingir os objetivos de
Jennifer: ótimas notas, futebol, basquete, balé, o que for preciso. De mim eles
já desistiram há muito tempo, dizem que minha não alimentação prejudica meu
cérebro, vou para a faculdade onde meu pai formou, porque lá vão me aceitar de
qualquer maneira.
Eu
não vou para faculdade nenhuma, tenho 18 anos e ninguém pode me obrigar. Nem a
doutora, nem meu pai que está sempre ausente escrevendo mais um livro e com
seus jantares importantes. Antes eles eram casados, brigavam e gritavam, cada
um culpava o outro pela merda que me tornei. Agora eles raramente gritam,
porque nunca se falam. Jennifer me pesa, semanalmente, para evitar que eu
chegue perto da perigolândia novamente. Onde eu quase morri, duas vezes.
Eu
não quero voltar para lá, por isso eu como, quando eles me obrigam. Eu janto,
preciso jantar. Um jantar, 600 calorias. Pensando nele eu bebo água morna o dia
todo, senão vou engordar. Tenho 1,65 de altura, 48 quilos. Para eles eu tenho
50, ou quase isso. Desço para o porão, entupo a barriga de água, encho os
bolsos de moedas e subo para me pesar. Rumo ao próximo objetivo, 45 quilos.
Depois vai ser 43, depois 40, nada é o suficiente. Sou gorda, feia, horrível.
Tenho pústulas de gordura, para mim o número ideal é ZERO. Zero quilos, zero
vida.
Eles
não me veem, eles não percebem. Os garotos na escola gritam “garota morta
caminhando”, as meninas me perguntam como eu consigo, sentem inveja. 800
calorias por dia é o que faço, de preferência no máximo 500. Um dia começa com
o jantar. Como para ninguém me encher o saco. As vezes desço ao porão de
madrugada, 3 horas de estepe, preciso perder toda essa gordura. Se não tomar
café da manhã pego o ônibus para a escola, para não desmaiar. Mas o melhor é
ir andando, exercício. Sinto frio o tempo todo, tanto, tanto frio. As vezes
saio daqui e vou para um lugar distante, não posso correr o risco, se eu
desmaiar, se eles perceberem vou para a clínica de novo. Vão me entupir de líquidos,
vou ficar gorda. Enorme. Eu já sou enorme, posso ver meus ossos, mas vejo
também as pústulas de gordura entre eles. Eu sou a Lia, eu sou estúpida/vaca/feia/gorda/perdedora.
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A
historia de Lia é chocante, amedrontadora. Todo mundo já ouviu falar de
bulimia, anorexia. Toda mulher em algum momento já teve crise de “estou gorda”
e resolveu emagrecer com dieta ou exercícios. A maioria das mulheres não está
satisfeita com o seu corpo, tem um padrão de beleza em mente, as vezes inalcançável.
Estas meninas foram ao extremo para conseguir isto, porém, nada mais é o
suficiente.
Elas
não enxergam o quão magra estão, não sabem que estão doentes, que estão no
limite. Lia se acha gorda, mesmo enxergando todas as costelas no espelho, ela
afirma que seu joelho é mais grosso que sua coxa, mas ela se acha feia, gorda.
A historia construída pela autora é sim chocante, mas mais do que isto, é um
alerta. Um livro deste deveria ser lido em todas as escolas, como alerta, para
chocar meninas influenciáveis que buscam a magreza estrema.
Lia
e Cassie entraram nesta por diversão, porque umas meninas mais velhas do clube
do teatro as apresentaram aos laxantes e outros remédios. Lia não consegue
vomitar, então ela não come. Nada. Ela conta todas as calorias, o tempo todo.
Se está morrendo de fome e não resiste, ela recorre aos remédios. O mais estranho, é que ela não quer morrer, e não entende que está quase lá.
Eu,
sinceramente, não sabia o quão triste era esta doença, nunca conheci ou convivi
com alguém que passou por algo assim. E Lia podia ter tudo, pais ricos, ótimos
em suas carreiras, porém ausentes com a filha e preocupados com o próprio
mundo. As vezes acho que eles apenas não entendiam porque a filha estava se
matando, e só ficavam com raiva daquelas atitudes.
Por
ser uma historia diferente e tão forte, o livro conquista seu leitor. É
impossível desgrudar da historia, narrado em forma de diário, acompanhamos a
luta de Lia, por Lia. Ela tinha consciência de algumas coisas, mas em nenhum
momento acha que deveria mudar.
A
historia é sim, chocante, diferente e deverá ser lida. Mas como narração e
enredo o livro deixa a desejar em alguns momentos. Minha nota é menor porque me
irritei com tantos tachados e repetições no texto, e também porque queria ver a
posição de outros personagens diante da situação. A narrativa em primeira
pessoa torna isto impossível.
O
livro é forte, triste. Não indico para qualquer leitor. Mas indico para todos
que querem sair de sua zona de conforto e conhecer mais sobre estas tristes
doenças. Leiam se possível!
Avaliação
(1 a 5):