É namoro ou confessionário?
>> terça-feira, 27 de setembro de 2011
Quando ela chora / Não sei se é dos olhos para fora / Não sei do que ri / Eu não sei se ela agora / Está fora de si / Ou se é o estilo de uma grande dama / Quando me encara e desata os cabelos / Não sei se ela está mesmo aqui / Quando se joga na minha cama. Ela faz cinema (Chico Buarque)
Lendo o trecho escolhido pela Nanda, do livro Vampiros para sempre, fiquei pensando nesse eterno mistério que ronda o outro. As pessoas sempre esperam esse momento em que a pessoa vai se revelar e a verdade é bem mais cabulosa do que nossa capacidade de florear poderia prever? Claro, ninguém espera ouvir, numa tarde de domingo calorenta, tomando sorvete na esquina, que o outro tem uma família em Carmópolis, ou que, na verdade, é mexicano e seu nome verdadeiro é Pepe, e está fugido no País, depois de trair o grupo Los Zetas, ou sei lá, que é filho da Gretchen.
Se for este o caso, acho que era mesmo melhor saber a verdade desde o início. Mas, não quero falar de mentiras, mentiras cabeludas, mas da administração da verdade. Quando duas pessoas iniciam um namoro ou se casam é comum defenderem a ideia de que quem ama deve contar tudo para o outro. Mas daria para viver uma relação 100% sincera? Ou será que há necessidade disso? Digo, falar tudo, tudo mesmo. Daquele carinha que você conheceu naquela viagem maluca pra Porto Seguro, da vontade que você tem de mandar a mãe dele pra aquele lugar, toda vez que ela implica com seu jeito de arrumar as coisas, ou dos seus sonhos mais íntimos... É namoro ou é confessionário?
Tem casal que vai ainda mais longe. Outro dia eu estava no banheiro de um bar e ouvi de duas garotas: “você acredita? Três meses de namoro e ele ainda não me deu a senha do e-mail?”. Tem relação que vira perfil de Twitter e o outro tem que dizer a todo tempo “o que está fazendo”: tô saindo agora da faculdade, agora tô na padaria, encontrei Tati, Josi, Dani, Mari, Pri e Iza na esquina, vou tomar banho benhê...
Um pouco de privacidade é essencial. Algumas partes da nossa história, ou do que a gente sente ou pensa, são íntimas e pessoais, e não é porque não compartilhamos com o outro que deixamos de ser sinceros no relacionamento. Pode evitar explicações longas e desnecessárias, respostas desagradáveis ou histórias sem graça.
Essa necessidade de contar tudo, tim-tim por tim-tim, mostra também o quanto as pessoas são incapazes de ficar a sós com elas mesmas. O silêncio, a dúvida, o segredo são importantes e também dizem muita coisa. Independente do disfarce, o mistério faz parte das relações humanas desde que o homem é homem – e, em pequenas doses, ou não, é uma espécie de regra social do bem viver.