Os ladrões de cisne - Elizabeth Kostova

>>  terça-feira, 21 de junho de 2011

KOSTOVA, Elizabeth. Os ladrões de cisne. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2011. 536p. Título original: The swan thieves.

“Fiquei parada segurando as palavras dele na biblioteca ensolarada e me perguntei o que eu estava lendo. Ele andara se sentindo solitário. Apaixonara-se espiritualmente. Claro que tinha que ser “espiritualmente”, uma vez que ele era casado, tinha dois filhos e possivelmente também era maluco. E eu? Eu não me sentira sozinha? Mas eu não tinha nada espiritual, só toda a realidade do mundo para enfrentar: as crianças, a louça, as contas, o psiquiatra de Robert. Será que ele achava que eu gostava mais do mundo real que ele?” pg.184-185

Este não é um livro que conquiste qualquer leitor, já falei sobre isso em uma resenha anterior, existem aqueles livros que irão agradar a grande maioria, os chamados populares ou as “modinhas”, e existem outros que exigem um público especial, que esteja preparado para ele. Quem leu O historiador, primeiro livro da autora lançado no Brasil, sabe do que eu estou falando; pena que não tem resenha dele aqui (quando eu li ainda não tinha o blog). A autora escreve de forma deliciosamente minuciosa; caracteriza pessoas, objetos e lugares de uma forma tão real que você consegue visualizar todos os cenários. Hoje convido você para viajar comigo em Os ladrões de cisne de Elizabeth Kostova.

O National Gallery of Art em Washington foi onde o quadro Leda foi atacado, ou quase atacado, com uma navalha. A pintura retrata o corpo nu de uma mulher, que foi seduzida por Zeus, quando ele apareceu para ela na forma de um cisne branco. Robert Oliver, 43 anos, pintor e professor universitário foi preso no local antes que pudesse concluir o ataque. Ele se recusou a dar qualquer explicação e foi internado em um hospital psiquiátrico. Ele só proferiu uma única frase: “Fiz isso por ela”.

O psiquiatra Andrew Marlow leva sua profissão muito a sério e tem orgulho de conseguir se comunicar com qualquer um; solteiro e pintor nas horas vagas, Andrew vive para o seu trabalho. Mas, passam-se dias e Robert continua sendo um total mistério para ele. O paciente não fala uma palavra, alterna momentos de raiva e de apatia, tem em mãos um misterioso maço de cartas e nas paredes sempre a mesma imagem.

Era sempre a mesma mulher, de rosto ou de perfil, feliz ou irritada; quase sempre irritada. A nitidez daquele rosto tornava a pintura extremamente real, seus olhos eram vívidos e seus cabelos escuros e cacheados. Ela sempre usava trajes do século passado e Marlow queria descobrir quem era aquela mulher, bela, extremamente bela e sedutora.

Desafiando todos os princípios éticos e sigilosos de sua profissão, justificando-se pelo silêncio de seu paciente, o Dr. Marlow começa a investigar o passado de Robert. Ele começa conversando com a ex-mulher do paciente e ela o leva a uma outra mulher, Mary. Estas duas mulheres possuem uma história de amor e sofrimento ao lado de Robert. Mas, seria alguma delas a mulher retratada obsessivamente naqueles quadros?

“Porém, mais tarde, quando está sozinha, sentada no solário, tentando simplificar tudo, o beijo volta, enche o ambiente ao seu redor. Inunda as janelas altas, o tapete, as pregas de seu vestidos, as páginas de seu livro. “Por favor entenda que eu a respeito e a amo.” Ela não consegue deixar o beijo desaparecer.  Na manhã seguinte, já não quer mais deixá-lo desaparecer. Não tem más intenções – não prejudicará ninguém – mas deseja guardar este momento com ela pelo tempo que conseguir.” P.228

by Monet
E ainda tinha as cartas, as misteriosas cartas que Robert carregava com ele e que haviam sido escritas em francês. Lendo aquelas cartas, nos vamos conhecendo outra história, que aconteceu entre 1876-1878, as cartas eram de Béatrice de Clerval, pintora que viveu na mesma época de Monet, Manet, Vegas e muitos outros. As cartas descrevem de forma viva o impressionismo francês do século XIX e uma história de amor, traição e paixões secretas. Em uma época em que as mulheres foram criadas para casar e ficar em casa, bordando, cuidado do marido e esperando o nascimento dos filhos, uma mulher de posses conta sua história com a pintura, com o marido Yves e o tio deste, Olivier Vignot.

Se o Dr. Marlow conseguir desvendar o significado daquelas cartas e o que aconteceu com Robert, talvez ele finalmente responda ao tratamento. No meio de tudo isso uma história de primeiros e últimos amores, de traições e de obsessões, uma história de perdas e do talento único dos pintores; e ela se passa nos EUA dos tempos atuais, no México e na França do século XIV, com suas vielas e salões de arte.

Dificilmente esta resenha fará jus ao talento que saltava aos olhos enquanto eu lia este livro, mas espero poder passar um pouquinho da paixão e da criatividade inerentes a obra. O primeiro livro da autora - O historiador - tem o enredo totalmente diferente de Os ladrões de cisne; o primeiro conta a vida real de Vlad, o conde Drácula, numa mistura de mito e história, mas os dois livros têm também muito em comum; as pesquisas abrangentes da autora, suas descrições minuciosas, a profundidade e seu talento para destrinchar seus personagens e suas obsessões.

“Madame, eu disse a ela, mas em silêncio, vejo que seu coração está partido. Permita-me consertá-lo para você.”

Os ladrões de cisne mais do que um romance, é acima de tudo uma história sobre obsessões: Robert era obcecado pela misteriosa mulher retratada em seus quadros; o Dr. Marlow que fica obcecado por seu paciente; Kate a esposa de Robert que havia sido obcecada pela vida que planejou – uma casa no campo, um marido, dois filhos – e Mary com sua obsessão por Robert. É um livro repleto de sentimentos, todos eles muito palpáveis e reais.

O livro é também uma história de arte, do impressionismo francês aos tempos atuais, vamos conhecendo estilos, quadros famosos e técnicas de pintura e desenho. Os quadros são descritos com uma delicadeza e tantos detalhes que eu conseguia visualizá-los como se tivesse vendo aquelas imagens. E para mim que nunca se interessou por arte, foi uma descoberta deliciosa. Sempre olhei para Monalisa sem entender o que todo mundo vê nesta mulher.

A história tem personagens fantásticos, entre os meus preferidos estão o Dr. Marlow com sua sede de conhecimento; Beatrice com sua escrita delicada e desejos secretos; o pai “fofo” do Dr. - um pastor que fica na memória apesar de aparecer pouco na história - e Olivier, talvez o único dos galãs da trama.  Depois de conhecer a fundo todo o enredo, achei o final meio corrido, mas confesso que não tive coragem de tirar uma estrela na avaliação da obra por este motivo. 

Tem tantas coisas mais que queria contar para vocês, mas vou parar por aqui porque o texto já está enorme, o que mais posso dizer é... se você se identificou com a historia e a narrativa da autora, boa leitura! Os ladrões de cisne é lindamente escrito.

Mais sobre autora e obra: http://www.theswanthieves.com

Avaliação ( 1 a 5):

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